1. O objectivo desta secção
Com este site pretendi compilar a informação que eu gostaria de conhecer caso quisesse viajar à Índia Portuguesa, dados que me informassem, de forma bastante completa, sobre tudo o que eu gostaria de saber - quer sobre História, quer sobre a actualidade, quer sobre o que ver, quer sobre as pessoas.
Nesta secção procuro mostrar os locais a visitar e os seus monumentos. Aqui, o leitor poderá encontrar informação aprofundada sobre os locais apresentados.
Nesta secção procuro mostrar os locais a visitar e os seus monumentos. Aqui, o leitor poderá encontrar informação aprofundada sobre os locais apresentados.
2. Baçaim
Texto de Walter Rossa
São raras as cidades urbanisticamente fundadas ou estruturadas pelos portugueses que completaram o seu ciclo de vida, mais ainda se tiveram uma prestação comparativamente relevante. Assim aconteceu com Baçaim, versão portuguesa de Vasai (Baçaim de Cima). Na prática foram apenas dois séculos (1534‑1739), uma vez que antes e depois da vivência portuguesa a consistência e a relevância urbanas nunca ali coexistiram. Desde logo e em suma, se existiu uma cidade exclusivamente portuguesa no Oriente essa foi, decerto, Baçaim.
Tudo isso foi reforçado precisamente pelo facto de ter sido abandonada e se ter mantido selvaticamente desocupada até há muito pouco tempo, como se se tivesse mantido portuguesa enquanto se arruinava. Ganhou, aliás, o estatuto local de cidade fantasma, para o que contribuiu de forma determinante o considerável conjunto de lápides funerárias que permaneceram no solo das igrejas. Nelas lemos o estatuto senhorial dos seus moradores, o que levaria o padre Manuel Godinho a escrever em 1655 serem “em Baçaim tantos os dons, assim de homens, como de mulheres, que vieram a chamar a aquella cidade dom Baçaim […] 300 fogos de portugueses, cristãos naturais 400”. É um epíteto que a história confirma, pois a cidade foi cabeça de um território – a Província do Norte – no qual os portugueses, pela primeira vez fora da Europa, desenvolveram uma ocupação terratenente de matriz feudal. Mas nisso teve papel crucial a Igreja, e não apenas uma fidalguia embarcada.
São raras as cidades urbanisticamente fundadas ou estruturadas pelos portugueses que completaram o seu ciclo de vida, mais ainda se tiveram uma prestação comparativamente relevante. Assim aconteceu com Baçaim, versão portuguesa de Vasai (Baçaim de Cima). Na prática foram apenas dois séculos (1534‑1739), uma vez que antes e depois da vivência portuguesa a consistência e a relevância urbanas nunca ali coexistiram. Desde logo e em suma, se existiu uma cidade exclusivamente portuguesa no Oriente essa foi, decerto, Baçaim.
Tudo isso foi reforçado precisamente pelo facto de ter sido abandonada e se ter mantido selvaticamente desocupada até há muito pouco tempo, como se se tivesse mantido portuguesa enquanto se arruinava. Ganhou, aliás, o estatuto local de cidade fantasma, para o que contribuiu de forma determinante o considerável conjunto de lápides funerárias que permaneceram no solo das igrejas. Nelas lemos o estatuto senhorial dos seus moradores, o que levaria o padre Manuel Godinho a escrever em 1655 serem “em Baçaim tantos os dons, assim de homens, como de mulheres, que vieram a chamar a aquella cidade dom Baçaim […] 300 fogos de portugueses, cristãos naturais 400”. É um epíteto que a história confirma, pois a cidade foi cabeça de um território – a Província do Norte – no qual os portugueses, pela primeira vez fora da Europa, desenvolveram uma ocupação terratenente de matriz feudal. Mas nisso teve papel crucial a Igreja, e não apenas uma fidalguia embarcada.
Não foi obra do acaso. Ao longo da longa governação de Nuno da Cunha (1529‑1538), foi evidente como a consolidação e fortalecimento do ainda imberbe Estado da Índia passava, em muito, pelo fortalecimento da capitalidade de Goa e obtenção de território que não só pudesse fornecer bens básicos de subsistência, como terra que sedimentasse uma estrutura nobiliárquica de apoio. Contingente que de forma alguma seria exclusivamente português, integrando também goeses das castas mais altas. Um tipo de miscigenação que não é habitualmente referido enquanto tal e que se intensificaria em Goa a partir de 1543, com o crescimento do seu território bem para além da inicial Ilha de Tiswadi.
No processo de ocupação daquele território, após a instalação em Chaul e o assédio a Diu, foi determinante a pressão que o império mogol simultaneamente exercia sobre os domínios gujarates do sultão Bahadur, pois isso levou‑o a procurar uma aliança com os portugueses após um primeiro ataque e razia em 1529, seguido de outro a 20 de janeiro de 1533. A pedra de toque dessa aproximação foi a cedência dos domínios do território de Baçaim e, menos de um ano depois, a autorização para uma instalação fortificada em Diu e também junto à feitoria entretanto erguida a cerca de três quilómetros a sul da cidade de Vasai, sobre a margem norte do Rio Ulhas. No seu todo, Vasai era também uma ilha, separada do continente por um canal norte‑sul que unia aquele rio ao Vaitarna, a norte. O episódio da tomada de posse do território correspondente, em dezembro de 1534, é simbólico e praticamente único na história da presença portuguesa no Oriente, pois consistiu num autêntico ato de prestação de vassalagem.
No processo de ocupação daquele território, após a instalação em Chaul e o assédio a Diu, foi determinante a pressão que o império mogol simultaneamente exercia sobre os domínios gujarates do sultão Bahadur, pois isso levou‑o a procurar uma aliança com os portugueses após um primeiro ataque e razia em 1529, seguido de outro a 20 de janeiro de 1533. A pedra de toque dessa aproximação foi a cedência dos domínios do território de Baçaim e, menos de um ano depois, a autorização para uma instalação fortificada em Diu e também junto à feitoria entretanto erguida a cerca de três quilómetros a sul da cidade de Vasai, sobre a margem norte do Rio Ulhas. No seu todo, Vasai era também uma ilha, separada do continente por um canal norte‑sul que unia aquele rio ao Vaitarna, a norte. O episódio da tomada de posse do território correspondente, em dezembro de 1534, é simbólico e praticamente único na história da presença portuguesa no Oriente, pois consistiu num autêntico ato de prestação de vassalagem.
Nuno da Cunha fez‑se representar por Martim Afonso de Sousa e outros oficiais, incluindo o futuro feitor. Segundo Gaspar Correia, em Lendas da Índia, o representante de Bahadur chamou a Vasai “todolos tanadares das terras, e a todos mostrou a chapa do Badur que mandava que todos avião d’acudir com as rendas ao feitor, que lho mostrou, e em todo lhe avião d’obedecer como fazião a ElRey; o que todos a huma voz outorgarão, pondo as cabeças no chão, e cada hum meteo na mão do feytor hum raminho d’erva cheirosa, ou froles, em sinal de obediência.” Os chefes locais da área dominada pela cidade‑porto de Baçaim colocaram-se assim sob vassalagem portuguesa. Na realidade, a estrutura socioadministrativa existente era e permaneceu feudal. O tipo genérico para a unidade base da estrutura fundiária era o prazo, figura institucional senhorial muito semelhante à preexistente. Pela primeira vez no Oriente, os portugueses tinham rendimentos da terra.
Entre as anexações de Manora e Açarim (1556) e a cessão em dote à coroa inglesa das ilhas de Bombaim, Mazagão e Parel (1661‑1665), os limites do distrito de Baçaim sofreriam variações irrelevantes, apesar dos constantes conflitos diplomático‑militares com os vizinhos. Em 1557, a ocupação de Damão e a correspondente anexação dos territórios que compuseram o seu distrito consubstanciou a formação da Província do Norte, da qual Baçaim era a cabeça, a Capital do Norte. Para tal e como tal fizera-se cidade pois, a exemplo do que já sucedera em Cochim e Chaul e viria a acontecer em Damão, os portugueses não se instalaram na Vasai preexistente. Eram posições negociadas e autorizadas, não conquistas, do que são boas provas as garantias de manutenção de liberdade religiosa.
Entre as anexações de Manora e Açarim (1556) e a cessão em dote à coroa inglesa das ilhas de Bombaim, Mazagão e Parel (1661‑1665), os limites do distrito de Baçaim sofreriam variações irrelevantes, apesar dos constantes conflitos diplomático‑militares com os vizinhos. Em 1557, a ocupação de Damão e a correspondente anexação dos territórios que compuseram o seu distrito consubstanciou a formação da Província do Norte, da qual Baçaim era a cabeça, a Capital do Norte. Para tal e como tal fizera-se cidade pois, a exemplo do que já sucedera em Cochim e Chaul e viria a acontecer em Damão, os portugueses não se instalaram na Vasai preexistente. Eram posições negociadas e autorizadas, não conquistas, do que são boas provas as garantias de manutenção de liberdade religiosa.
Continuando com o revelador discurso de Gaspar Correia, sabemos que desde logo Martim Afonso de Sousa ordenou a construção da feitoria no “lugar mais convinhavel pêra depois se fazer fortaleza, como se fez, porque do mar entrava hum esteiro pola terra, e fazia volta, que ficava como ilha. No qual logar fez huma grande casa com grande alpendere, e diante grande terreiro cerquado d’estacada, e entulhado, que ficava hum tavoleiro alto; e junto da casa outras, assy grandes, pêra alojamento de mercadarias; e fez casas pêra officiais, e pêra cem homens que avião de ficar ally com o feitor, porque ouve pedra e cal e muyto aviamento pêra isso: o que tudo foy cerquado de grossa estacada, e per dentro valados; onde a gente da terra acodio com cousas de comer a vender, em que se fez bazar, e botiqueiros canarys, e começou a crecer povoação, porque a gente daterra achavão nos nossos mais larguezas que nos mouros, e começarão acodir ao feytor com as rendas, em que o dinheiro foy muyto mais do que cuidou.” Assim floresceu Baçaim, ganhando a forma que, numa sua primeira representação iconográfica, Gaspar Correia juntou à sua narrativa.
Porém a essência da imagem urbana definitiva, até hoje patente no local, só ficou completa com a muralha abaluartada que, a partir da década de 1550, a foi envolvendo e destacando ainda mais do território circundante. Conforme já Gaspar Correia relatara, a cidade desenvolvera‑se sobre uma quase‑ilha no sul da Ilha de Vasai, uma vez que de sudoeste era limitada por mar, de sudeste pelo Rio Ulhas (hoje a praia está populosamente transformada na aldeia de pescadores e marnotos, da casta koli, Vasai Koliwada) e de nordeste por um esteiro que chegava a inflectir e a proteger parte da frente noroeste. Tudo numa configuração que lembra Chaul. Da muralha dá conta a entrada seguinte, sendo que aqui nos importa levar em linha de conta que envolveu a totalidade da cidade existente, mas também uma ampla área alagada a nordeste – cerca de um terço do total – na qual não só existia pesca, mas também se podia cultivar arroz.
Os outros dois terços eram a cidade em si, centrada na fortaleza inicial e na grande praça anexa. Ainda através de Gaspar Correia, confirmado por Castanheda, e apesar do que depois relata no trecho atrás transcrito, sabemos que, após um primeiro ataque e saque em 1529, os muçulmanos haviam iniciado a construção de estruturas defensivas no local, designadamente uma tranqueira e um forte, que os portugueses destruíram na incursão no dia de São Sebastião de 1533, pois “el Rey de Cambaya começava de fazer outro Diu”. Não sabemos até que ponto as ruínas dessas estruturas terão ou não sido aproveitadas posteriormente, como tantas vezes sucedeu, mas há fortes indícios dessa reconstrução/reutilização.
Porém a essência da imagem urbana definitiva, até hoje patente no local, só ficou completa com a muralha abaluartada que, a partir da década de 1550, a foi envolvendo e destacando ainda mais do território circundante. Conforme já Gaspar Correia relatara, a cidade desenvolvera‑se sobre uma quase‑ilha no sul da Ilha de Vasai, uma vez que de sudoeste era limitada por mar, de sudeste pelo Rio Ulhas (hoje a praia está populosamente transformada na aldeia de pescadores e marnotos, da casta koli, Vasai Koliwada) e de nordeste por um esteiro que chegava a inflectir e a proteger parte da frente noroeste. Tudo numa configuração que lembra Chaul. Da muralha dá conta a entrada seguinte, sendo que aqui nos importa levar em linha de conta que envolveu a totalidade da cidade existente, mas também uma ampla área alagada a nordeste – cerca de um terço do total – na qual não só existia pesca, mas também se podia cultivar arroz.
Os outros dois terços eram a cidade em si, centrada na fortaleza inicial e na grande praça anexa. Ainda através de Gaspar Correia, confirmado por Castanheda, e apesar do que depois relata no trecho atrás transcrito, sabemos que, após um primeiro ataque e saque em 1529, os muçulmanos haviam iniciado a construção de estruturas defensivas no local, designadamente uma tranqueira e um forte, que os portugueses destruíram na incursão no dia de São Sebastião de 1533, pois “el Rey de Cambaya começava de fazer outro Diu”. Não sabemos até que ponto as ruínas dessas estruturas terão ou não sido aproveitadas posteriormente, como tantas vezes sucedeu, mas há fortes indícios dessa reconstrução/reutilização.
"O primeiro capitão que edificou esta fortaleza foi Garcia de Sá, por mandado do Governador Nuno da Cunha na era de 1536"
Castanheda relata que logo após a posse em finais de 1534 “mandou o governador fazer hua casa forte por não poder fazer logo a fortaleza, & esta serveria de feitoria”. Como vimos há pouco, menos lacónico foi Gaspar Correia. Logo no ano seguinte, e marcando o futuro centro urbano, foi erguida a igreja paroquial de Nossa Senhora da Vida. Numa cerimónia específica em março de 1536, Nuno da Cunha determinou o lugar e deu início à construção de um forte. Segundo Castanheda, “E por fazer honra a Antonio galuão […] quando ouve de abrir os alicerses da fortaleza, mãdoulhe que desse as primeiras enxadadas, & posesse a primeira pedra, estãdo hi Garcia de saa [primeiro capitão de Baçaim], & outros muytos fidalgos”.
A construção do Forte de São Sebastião levou três anos, tendo sofrido diversas obras posteriores, designadamente a construção em 1606 de um portal clássico monumentalizante. A rara forma do seu perímetro – um pentágono irregular com três baluartes cilíndricos, entre si quase equidistantes, e um arremedo de torre de menagem, que também funcionou como tronco – parece indiciar o aproveitamento de pré‑existências, tal como o poço/cisterna que ainda hoje serve a população de Vasai Koliwada e, senão todos, pelo menos o baluarte que divide os dois paramentos do lado norte. A nascente e no interior ergueu‑se a residência inicial do capitão. A poente, mas de fora e com uma implantação intrigante, surgiria pelos meados de Quinhentos a Igreja da Misericórdia que surpreendentemente tinha um dos acessos dando diretamente para o recinto do forte. No quarteirão, fronteiro desenvolver‑se‑iam as respectivas dependências assistenciais, as quais incluíam uma capela.
Por ordem de D. João III ao vigário‑geral de Goa e sobre um templo preexistente, em 1547 foi erguida em posição ribeirinha com a cabeceira contígua à feitoria (que por sua vez seria transformada em celeiro público) a Igreja Matriz de São José, curioso exemplar de nave única com torre/fachada axial sobre nártex. A renovação implementada pelo arcebispo Frei Aleixo de Meneses, durante a visita pastoral que realizou à Província do Norte em 1598, obra concluída em 1601, dotou o conjunto de uma escala e lançamento pouco comuns. O que resta da torre ergue‑se ainda a bem mais do dobro da altura do posterior muro defensivo adjacente, rematando-se em plano horizontal e com uma balaustrada em grade. É, sem dúvida, um exemplar raro entre a arquitetura portuguesa e com uma presença marcante na paisagem urbana. Era frequentemente designada por Sé, pese embora o facto de Baçaim não ser sede episcopal.
A construção do Forte de São Sebastião levou três anos, tendo sofrido diversas obras posteriores, designadamente a construção em 1606 de um portal clássico monumentalizante. A rara forma do seu perímetro – um pentágono irregular com três baluartes cilíndricos, entre si quase equidistantes, e um arremedo de torre de menagem, que também funcionou como tronco – parece indiciar o aproveitamento de pré‑existências, tal como o poço/cisterna que ainda hoje serve a população de Vasai Koliwada e, senão todos, pelo menos o baluarte que divide os dois paramentos do lado norte. A nascente e no interior ergueu‑se a residência inicial do capitão. A poente, mas de fora e com uma implantação intrigante, surgiria pelos meados de Quinhentos a Igreja da Misericórdia que surpreendentemente tinha um dos acessos dando diretamente para o recinto do forte. No quarteirão, fronteiro desenvolver‑se‑iam as respectivas dependências assistenciais, as quais incluíam uma capela.
Por ordem de D. João III ao vigário‑geral de Goa e sobre um templo preexistente, em 1547 foi erguida em posição ribeirinha com a cabeceira contígua à feitoria (que por sua vez seria transformada em celeiro público) a Igreja Matriz de São José, curioso exemplar de nave única com torre/fachada axial sobre nártex. A renovação implementada pelo arcebispo Frei Aleixo de Meneses, durante a visita pastoral que realizou à Província do Norte em 1598, obra concluída em 1601, dotou o conjunto de uma escala e lançamento pouco comuns. O que resta da torre ergue‑se ainda a bem mais do dobro da altura do posterior muro defensivo adjacente, rematando-se em plano horizontal e com uma balaustrada em grade. É, sem dúvida, um exemplar raro entre a arquitetura portuguesa e com uma presença marcante na paisagem urbana. Era frequentemente designada por Sé, pese embora o facto de Baçaim não ser sede episcopal.
No extremo oposto da cidade, e no mesmo ano, os franciscanos abriram num edifício modesto um colégio. Ao lado, iniciaram a construção do Convento de Santo António, que, no essencial, ficou pronto numa década. É o conjunto conventual que, pese embora o adiantado estado de ruína, mais tem atraído os visitantes, até porque ainda possui um considerável número de pedras tumulares. Urbanisticamente relevante é a expressiva citação da galilé com terraço superior de São Francisco de Évora, que dava acesso ao templo e servia a portaria do convento e do colégio.
Daí caminhando em direção ao centro pela rua paralela ao perímetro sudoeste da cidade, encontramos o pouco que resta da casa agostinha. Na já referida visita apostólica de Frei Aleixo de Meneses, membro daquela congregação, receberam da arquidiocese a Igreja da Anunciada, a que de imediato acrescentaram as dependências conventuais, tudo comprimido entre franciscanos, muralha e jesuítas. O conjunto edificado destes – o Colégio Jesuíta do Sagrado Nome de Jesus – detém a frontaria de traça mais erudita da cidade e uma das arquitetonicamente mais importantes de todas quantas sob dominação portuguesa se ergueram na Índia. A Companhia decidiu instalar‑se em Baçaim em 1549 durante uma visita, a terceira, liderada por São Francisco Xavier que, aliás, em 1631 viria a ser nomeado padroeiro da cidade, substituindo São Sebastião. A construção do complexo só seria levada a cabo entre 1561 e 1563, ou seja, a par com a da muralha. A articulação dos módulos fundamentais do conjunto, igreja, colégio e retiro, é denunciada na organização da praça fronteira, uma das mais vivenciadas da cidade.
Contudo, no que respeita a tamanho, é o último dos conjuntos conventuais – o dominicano – o mais expressivo. Instalaram‑se em 1564 no limite edificável nordeste, a meio da cidade, ou seja, sobre a praça principal. É a única grande estrutura religiosa afastada de elementos defensivos, o que se explica pelo facto de, ao contrário das demais, ter sido iniciada com a muralha já cordeada. Igual sucedeu com os hospitalários de São João que, como em Damão, chegaram para substituir a Misericórdia na sua componente hospitalar. De forma modesta, instalaram‑se a norte.
O complexo dominicano e o Forte são as balizas essenciais do lugar central da cidade, a praça, não apenas pelas funções específicas do tipo ou dos equipamentos em presença, mas também pelo seu claríssimo papel de charneira na morfologia da cidade. Imediatamente a sul do convento ergueu‑se o Palácio do General do Norte, com a sua fachada principal organizada no piso inferior segundo nove portas sem hierarquia, a que correspondem no piso superior os elementos de uma arcaria delimitando um generoso e profundo balcão.
A uma centena de metros e olhando o nascente, opunha‑se‑lhe a Casa de Câmara e Cadeia, com construção epigrafada para o ano de 1639 e partido arquitetónico semelhante, mas em cinco módulos e arcaria no piso térreo, tudo de menor proporção. Ao centro, mas descaindo um pouco sobre o cilíndrico baluarte nordeste do Forte, erguia‑se, imprescindível, o símbolo urbano do poder: o pelourinho. Sobre o norte organizava‑se o mercado, sendo muito provável que o Bazar do Peixe, já quase sobre a reserva setentrional, contasse com uma estrutura edificada. Em posição que se desconhece, construiu-se em 1611 a Casa da Moeda.
Em perfeita articulação com as vias que partiam da ribeira e atingiam a praça, ruas tendencialmente retas estruturaram a noroeste uma malha de hierarquia rua/travessa de trinta e seis e vinte palmos, respectivamente. Assim se vislumbra um processo de racionalização do traçado urbano semelhante às criações e ensanches urbanos realizados em igual período por todo o universo português. No primeiro relance para uma próxima análise morfológica desse partido urbanístico, assumiram evidência não só as duas ruas que acediam à praça de sudeste e sudoeste, tendo no seu enfiamento a Casa de Câmara (a dos Ourives) e o Palácio do Governador (a dos Casados), mas também a implantada mais a sul, a Rua de São Paulo, pois sendo a única a não passar pelo largo, ligava a ribeira com São José, a porta do Forte, o Hospital dos Pobres e o conjunto conventual sudoeste.
Daí caminhando em direção ao centro pela rua paralela ao perímetro sudoeste da cidade, encontramos o pouco que resta da casa agostinha. Na já referida visita apostólica de Frei Aleixo de Meneses, membro daquela congregação, receberam da arquidiocese a Igreja da Anunciada, a que de imediato acrescentaram as dependências conventuais, tudo comprimido entre franciscanos, muralha e jesuítas. O conjunto edificado destes – o Colégio Jesuíta do Sagrado Nome de Jesus – detém a frontaria de traça mais erudita da cidade e uma das arquitetonicamente mais importantes de todas quantas sob dominação portuguesa se ergueram na Índia. A Companhia decidiu instalar‑se em Baçaim em 1549 durante uma visita, a terceira, liderada por São Francisco Xavier que, aliás, em 1631 viria a ser nomeado padroeiro da cidade, substituindo São Sebastião. A construção do complexo só seria levada a cabo entre 1561 e 1563, ou seja, a par com a da muralha. A articulação dos módulos fundamentais do conjunto, igreja, colégio e retiro, é denunciada na organização da praça fronteira, uma das mais vivenciadas da cidade.
Contudo, no que respeita a tamanho, é o último dos conjuntos conventuais – o dominicano – o mais expressivo. Instalaram‑se em 1564 no limite edificável nordeste, a meio da cidade, ou seja, sobre a praça principal. É a única grande estrutura religiosa afastada de elementos defensivos, o que se explica pelo facto de, ao contrário das demais, ter sido iniciada com a muralha já cordeada. Igual sucedeu com os hospitalários de São João que, como em Damão, chegaram para substituir a Misericórdia na sua componente hospitalar. De forma modesta, instalaram‑se a norte.
O complexo dominicano e o Forte são as balizas essenciais do lugar central da cidade, a praça, não apenas pelas funções específicas do tipo ou dos equipamentos em presença, mas também pelo seu claríssimo papel de charneira na morfologia da cidade. Imediatamente a sul do convento ergueu‑se o Palácio do General do Norte, com a sua fachada principal organizada no piso inferior segundo nove portas sem hierarquia, a que correspondem no piso superior os elementos de uma arcaria delimitando um generoso e profundo balcão.
A uma centena de metros e olhando o nascente, opunha‑se‑lhe a Casa de Câmara e Cadeia, com construção epigrafada para o ano de 1639 e partido arquitetónico semelhante, mas em cinco módulos e arcaria no piso térreo, tudo de menor proporção. Ao centro, mas descaindo um pouco sobre o cilíndrico baluarte nordeste do Forte, erguia‑se, imprescindível, o símbolo urbano do poder: o pelourinho. Sobre o norte organizava‑se o mercado, sendo muito provável que o Bazar do Peixe, já quase sobre a reserva setentrional, contasse com uma estrutura edificada. Em posição que se desconhece, construiu-se em 1611 a Casa da Moeda.
Em perfeita articulação com as vias que partiam da ribeira e atingiam a praça, ruas tendencialmente retas estruturaram a noroeste uma malha de hierarquia rua/travessa de trinta e seis e vinte palmos, respectivamente. Assim se vislumbra um processo de racionalização do traçado urbano semelhante às criações e ensanches urbanos realizados em igual período por todo o universo português. No primeiro relance para uma próxima análise morfológica desse partido urbanístico, assumiram evidência não só as duas ruas que acediam à praça de sudeste e sudoeste, tendo no seu enfiamento a Casa de Câmara (a dos Ourives) e o Palácio do Governador (a dos Casados), mas também a implantada mais a sul, a Rua de São Paulo, pois sendo a única a não passar pelo largo, ligava a ribeira com São José, a porta do Forte, o Hospital dos Pobres e o conjunto conventual sudoeste.
Importantes eram ainda as ruas que ligavam a praça ao terreiro de São Francisco junto à Porta de Terra, a Rua Direita que enfiava opostamente as frontarias das igrejas da Misericórdia e de Santo António, a dos Nobres, que partia entre a Misericórdia e a Casa de Câmara e Cadeia e tinha a meio curso a Casa do Sal, erguida em 1617. Note‑se a vincada intencionalidade urbanística no cordeamento das ruas em função das frontarias de importantes edifícios públicos. Igual sucedia a partir da fachada principal da igreja dominicana de São Gonçalo.
Baçaim tinha as ruas pavimentadas, caso único entre as cidades portuguesas no Oriente, e três cisternas abastecidas de barco a partir das nascentes puras da outra margem do rio, para além de vários poços que ainda hoje servem. Estas infraestruturas eram o resultado ou corolário de um espaço público com características únicas em todo o Estado da Índia e que é essencial para a compreensão global da urbanística portuguesa. Ainda em 1726 comentava o deão da Sé de Goa, Henrique Bravo de Morais, nas Notícias do Arcebispado de Goa, que Baçaim era “uma das mais limpas [cidades] que hoje temos neste Estado, onde não se acham pardieiros como em Chaul, nem monturos como em Goa.”.
Confrontando as múltiplas descrições com os vestígios existentes e descontando algo por conta do mito e dos incontornáveis encantos das ruínas, no seu todo a arquitetura seria de uma qualidade equiparável aos melhores recantos ou conjuntos portugueses de então (ver entradas relativas a algumas das ruínas). As questões fundiárias e, assim, socioeconómicas serão a melhor forma de compreender e explicar o investimento numa arquitetura e num espaço urbano qualificados. E para tal recordemos como Baçaim foi sempre um dos postos mais rentáveis de todas as posições portuguesas no Oriente.
Mas é também necessário levar em linha de conta que em 17 de maio de 1618 a cidade foi vitimada por uma catástrofe natural de consideráveis proporções. Uma terrífica tempestade seguida de terramoto e maremoto arrasaram a maior parte dos seus edifícios. Manuel de Faria e Sousa na Ásia Portuguesa – onde, aliás, data o acontecimento de 15 de agosto – lista dois mil mortos na povoação e na veiga e refere que “quase todos os templos foram deitados por terra”. A descrição publicada dois anos depois em Lisboa considerou o acontecimento castigo divino pelos excessos imorais na vivência da cidade e região. Contudo, a prosperidade económica conduziu a uma reconstrução relativamente célere que, por certo, não só atualizou como apurou a qualidade do edificado.
Note‑se, entretanto, que quando assim se caracteriza a cidade de Baçaim não se têm como referência edifícios de grande escala ou impacto estético polarizando sistemas urbanos, mas uma determinante harmonização, um equilíbrio, entre edifícios privados e equipamentos públicos e civis, para o que concorria a existência de uma sensível diferenciação de sectores.
Baçaim tinha as ruas pavimentadas, caso único entre as cidades portuguesas no Oriente, e três cisternas abastecidas de barco a partir das nascentes puras da outra margem do rio, para além de vários poços que ainda hoje servem. Estas infraestruturas eram o resultado ou corolário de um espaço público com características únicas em todo o Estado da Índia e que é essencial para a compreensão global da urbanística portuguesa. Ainda em 1726 comentava o deão da Sé de Goa, Henrique Bravo de Morais, nas Notícias do Arcebispado de Goa, que Baçaim era “uma das mais limpas [cidades] que hoje temos neste Estado, onde não se acham pardieiros como em Chaul, nem monturos como em Goa.”.
Confrontando as múltiplas descrições com os vestígios existentes e descontando algo por conta do mito e dos incontornáveis encantos das ruínas, no seu todo a arquitetura seria de uma qualidade equiparável aos melhores recantos ou conjuntos portugueses de então (ver entradas relativas a algumas das ruínas). As questões fundiárias e, assim, socioeconómicas serão a melhor forma de compreender e explicar o investimento numa arquitetura e num espaço urbano qualificados. E para tal recordemos como Baçaim foi sempre um dos postos mais rentáveis de todas as posições portuguesas no Oriente.
Mas é também necessário levar em linha de conta que em 17 de maio de 1618 a cidade foi vitimada por uma catástrofe natural de consideráveis proporções. Uma terrífica tempestade seguida de terramoto e maremoto arrasaram a maior parte dos seus edifícios. Manuel de Faria e Sousa na Ásia Portuguesa – onde, aliás, data o acontecimento de 15 de agosto – lista dois mil mortos na povoação e na veiga e refere que “quase todos os templos foram deitados por terra”. A descrição publicada dois anos depois em Lisboa considerou o acontecimento castigo divino pelos excessos imorais na vivência da cidade e região. Contudo, a prosperidade económica conduziu a uma reconstrução relativamente célere que, por certo, não só atualizou como apurou a qualidade do edificado.
Note‑se, entretanto, que quando assim se caracteriza a cidade de Baçaim não se têm como referência edifícios de grande escala ou impacto estético polarizando sistemas urbanos, mas uma determinante harmonização, um equilíbrio, entre edifícios privados e equipamentos públicos e civis, para o que concorria a existência de uma sensível diferenciação de sectores.
Com menor artificialidade também internamente se definira o zonamento. O setor inicial, compreendido entre o Forte e a Alfândega e a meio do qual surgiria na muralha a Porta do Mar, agrupava pequenas comunidades de comerciantes e artífices, o que aliás definiu a toponímia (ruas dos Ourives, dos Sapateiros, etc.). Para aí adivinha‑se um traçado urbano algo difuso, com bem prováveis menores dimensões dos lotes e opulência arquitetónica. Entre o Forte e a Porta de Terra desenvolvia‑se o sector preferencialmente residencial, de maior regularidade e constância de traçado e onde as ruínas indiciam lotes mais generosos. Maioritariamente se ergueriam, em ruas como a dos Casados e dos Nobres, as casas dos fidalgos de Baçaim, algo repetitivas nos seus sobrados, amplos balcões, varandas e grandes vãos com gelosias e/ou caixilhos de carepas. Era esse bairro delimitado a sul por um cordão de instituições conventuais adossadas à frente marítima da muralha.
Paisagisticamente, o conjunto urbano era imponente, com edifícios na ordem dos oito a dez metros de altura média, igrejas com cornijas ou beirados a doze ou quinze metros e torres atingindo os vinte ou trinta. Tudo bem acima das muralhas, que têm em média nove a dez metros de altura e os muros do Forte de São Sebastião apenas metade.
Apesar dos estragos produzidos pelo terramoto de 1993, à data da nossa última visita a ruína, em 2007, era ainda imponente. Desde então, contudo, tem sido objeto de um programa de refuncionalização como atração turística, que não tem ido no sentido da valorização e salvaguarda, pese embora estar sob a alçada do Archeological Survey of India. O conjunto foi há muito esventrado por um arruamento este/oeste cuja implantação não é inocente e levou à demolição da muralha em dois pontos. Ao longo dessa via, para além de ter sido erguido um monumento a Chimaji Appa – o conquistador marata – surgiram dois pequenos conjuntos habitacionais para funcionários alfandegários. No centro da antiga cidade e fora da sua lógica urbanística erguem‑se dois templos modestos, igual sucedendo a meio do sifão da Porta de Terra, obstruindo a passagem.
Junto a esses templos existe grande charco, iludindo a velha praça. É o mais expressivo símbolo da decadência a que cidade e ruína têm estado sujeitas pois foi escavado para o abastecimento de água à refinaria de açúcar que em 1852 foi instalada na Igreja e Hospital da Misericórdia e na primeira Casa do Capitão, alugados para o efeito a um major do exército britânico. Com efeito, os ingleses, além de transformarem a cidade num inacessível posto militar (1818‑1830), aceleraram a destruição dos edifícios existentes, chegando a dinamitar alguns. Isso concluiu o abandono então em curso. Ao fim de poucos anos a fábrica falia. Baçaim passara definitivamente a Fort Vasai, o fantasma da cidade.
Paisagisticamente, o conjunto urbano era imponente, com edifícios na ordem dos oito a dez metros de altura média, igrejas com cornijas ou beirados a doze ou quinze metros e torres atingindo os vinte ou trinta. Tudo bem acima das muralhas, que têm em média nove a dez metros de altura e os muros do Forte de São Sebastião apenas metade.
Apesar dos estragos produzidos pelo terramoto de 1993, à data da nossa última visita a ruína, em 2007, era ainda imponente. Desde então, contudo, tem sido objeto de um programa de refuncionalização como atração turística, que não tem ido no sentido da valorização e salvaguarda, pese embora estar sob a alçada do Archeological Survey of India. O conjunto foi há muito esventrado por um arruamento este/oeste cuja implantação não é inocente e levou à demolição da muralha em dois pontos. Ao longo dessa via, para além de ter sido erguido um monumento a Chimaji Appa – o conquistador marata – surgiram dois pequenos conjuntos habitacionais para funcionários alfandegários. No centro da antiga cidade e fora da sua lógica urbanística erguem‑se dois templos modestos, igual sucedendo a meio do sifão da Porta de Terra, obstruindo a passagem.
Junto a esses templos existe grande charco, iludindo a velha praça. É o mais expressivo símbolo da decadência a que cidade e ruína têm estado sujeitas pois foi escavado para o abastecimento de água à refinaria de açúcar que em 1852 foi instalada na Igreja e Hospital da Misericórdia e na primeira Casa do Capitão, alugados para o efeito a um major do exército britânico. Com efeito, os ingleses, além de transformarem a cidade num inacessível posto militar (1818‑1830), aceleraram a destruição dos edifícios existentes, chegando a dinamitar alguns. Isso concluiu o abandono então em curso. Ao fim de poucos anos a fábrica falia. Baçaim passara definitivamente a Fort Vasai, o fantasma da cidade.
Após a rendição portuguesa em 16 de maio de 1739, a vida urbana sob domínio marata subsistiu por escassas décadas. A cidade passou a designar‑se Bijapûr e foi um dos palcos e pretextos da prolongada e complexa disputa anglo‑marata. Portugal, na sequência do ímpeto que levou às Novas Conquistas de Goa e ao ensaio pombalino de reforma do Estado da Índia em 1774, chegou a armar uma esquadra para recuperar a cidade, mas a Companhia Inglesa das Índias Orientais antecipou-se e a iniciativa foi gorada face à perspectiva de um embate insustentável. A queda de Baçaim e da Província do Norte fazia parte de uma conjuntura bem mais ampla e geograficamente extensa. Era o longo reajuste do Império face à nova realidade do Antigo Regime e do Novo Mundo, do qual o reformismo pombalino foi corolário e, simultaneamente, ocaso.
Nesse tipo de processos, o abrandamento da disciplina e dos costumes acaba por sempre ser causa e consequência. Não deixa de ser significativo que entre os frequentes surtos epidémicos a historiografia de Baçaim, por regra, apenas destaque o de 1719 que, pese embora o considerável estrago demográfico, foi mais desastroso no âmbito moral. A cidade já então lentamente se esvaziava da população que lhe dera sentido. O território dependente, de ameaçado passara a retalhado, primeiro pelos ingleses com a aquiescência portuguesa, depois pelos maratas com a ambiguidade britânica. Os rendimentos de tipo fundiário desapareciam e com eles a motivação, a razão de ali permanecer. O modelo sociocolonial adotado e intrinsecamente implementado com a formação da Província do Norte do Estado da Índia ruía e com ele ruiu a respectiva capital.
Nesse tipo de processos, o abrandamento da disciplina e dos costumes acaba por sempre ser causa e consequência. Não deixa de ser significativo que entre os frequentes surtos epidémicos a historiografia de Baçaim, por regra, apenas destaque o de 1719 que, pese embora o considerável estrago demográfico, foi mais desastroso no âmbito moral. A cidade já então lentamente se esvaziava da população que lhe dera sentido. O território dependente, de ameaçado passara a retalhado, primeiro pelos ingleses com a aquiescência portuguesa, depois pelos maratas com a ambiguidade britânica. Os rendimentos de tipo fundiário desapareciam e com eles a motivação, a razão de ali permanecer. O modelo sociocolonial adotado e intrinsecamente implementado com a formação da Província do Norte do Estado da Índia ruía e com ele ruiu a respectiva capital.
3. Bombaim

Bombaim ou Mumbai (em marata, Mumbaī, em inglês Mumbai ou Bombay) é a maior e mais importante cidade da Índia, com uma população estimada em 12.478.447 habitantes (2011) residindo apenas no seu núcleo urbano, ou 20.748.395, se consideramos a sua região metropolitana, conhecida como Grande Mumbai, a segunda maior do país — atrás apenas da Grande Deli — e a quarta mais populosa do mundo. Bombaim encontra-se na ilha de Salsete, ao largo da costa ocidental de Maharashtra.
As sete ilhas que vieram a constituir Bombaim são habitadas, há séculos, por nómadas que tinham a pesca como a principal fonte de sobrevivência. Durante séculos, as ilhas ficaram sob o controlo de sucessivos impérios indianos, antes de serem cedidas ao Império Português e, posteriormente, à Companhia Britânica das Índias Orientais, controlada pelo Império Britânico. Durante meados do século XVIII, a urbanização de Bombaim foi reformulada pelos britânicos, com grandes projectos de engenharia civil, fazendo surgir uma cidade comercial e cosmopolita. O desenvolvimento económico e educacional caracterizou a cidade durante o século XIX, tornando-a uma forte base para o movimento de independência da Índia, no início do século XX. Quando o país se tornou independente, em 1947, a cidade foi incorporada ao estado de Bombaim. Em 1960, após o movimento Maharashtra Samyukta, o novo estado de Maharashtra foi criado, com Bombaim como capital, como se mantém até hoje.
Classificada como uma "Cidade Global Alfa", Bombaim é, portanto, o maior centro económico e comercial da Índia, abrigando instituições financeiras importantes, como o Reserve Bank of India (o banco central indiano), a Bombay Stock Exchange e a National Stock Exchange of India, bem como a matriz de diversas empresas indianas. Todos esses atributos fazem com que a cidade seja considerada a mais rica do país, com um Produto Metropolitano Bruto (PMB) estimado em 209 biliões de dólares norte-americanos em 2008, segundo cálculos da PricewaterhouseCoopers, e correspondendo a cerca de 5,5% do PIB do país. A cidade ainda é responsável por quase 70% de todas as transacções comerciais e financeiras da Índia.
Com um dos maiores e mais movimentados portos do mundo, a cidade de Bombaim é responsável por cerca de 70% de toda a actividade portuária do país — devido principalmente à sua modernidade e à sua posição estratégica dentro o continente asiático. Bombaim atrai migrantes de todo o país e de vários países vizinhos, devido às grandes oportunidades comerciais e ao nível de vida relativamente alto. Tornou-se, com isto, um núcleo cosmopolita de várias comunidades e culturas. Encontra-se em Bombaim a chamada Bollywood, a indústria indiana de cinema e televisão.
Em 1995, o governo local repudiou a versão oficial inglesa do nome da cidade, Bombay, em favor da forma oficial marata, transcrita como Mumbai.

Etimologia
É consensual actualmente que o nome do local deriva da deusa adorada no templo de Mumbadevi, um dos mais antigos da ilha construído pela população nativa, encontrado pelos Portugueses à sua chegada, que o deixaram intacto.
O primeiro escritor português a referir-se ao local como Bombaim foi Gaspar Correia, que chegou à Índia em 1512, nas suas “Lendas da Índia”, cuja escrita começou por essa altura, sendo secretário de Afonso de Albuquerque. Naquele mesmo século a grafia parece haver evoluído para Mombayn (1525) e depois Mombaim (1563).
J.P. Machado refuta uma explicação alternativa para o nome, sem bases científicas, segundo a qual Bombaim seria uma corruptelado português Bom Bahia ou Boa Bahia. Esta confusão teria levado ingleses pouco sabedores de português a suporem a presença dessa palavra no topónimo, pelo que o português Bombaim se transformou no inglês Bombay.
É consensual actualmente que o nome do local deriva da deusa adorada no templo de Mumbadevi, um dos mais antigos da ilha construído pela população nativa, encontrado pelos Portugueses à sua chegada, que o deixaram intacto.
O primeiro escritor português a referir-se ao local como Bombaim foi Gaspar Correia, que chegou à Índia em 1512, nas suas “Lendas da Índia”, cuja escrita começou por essa altura, sendo secretário de Afonso de Albuquerque. Naquele mesmo século a grafia parece haver evoluído para Mombayn (1525) e depois Mombaim (1563).
J.P. Machado refuta uma explicação alternativa para o nome, sem bases científicas, segundo a qual Bombaim seria uma corruptelado português Bom Bahia ou Boa Bahia. Esta confusão teria levado ingleses pouco sabedores de português a suporem a presença dessa palavra no topónimo, pelo que o português Bombaim se transformou no inglês Bombay.

A dez minutos de táxi desde o Hotel Taj Mahal, chega-se ao Shora Bazar, um aglomerado de ruas e ruelas onde se pode encontrar de tudo. Com entradas pequenas e atafulhadas de objectos aparentemente sem qualquer utilidade, vai-se penetrando no interior das lojas - corredores profundos e escuros.
À hora certa, ouve-se o entoar da oração muçulmana espalhar-se pelas ruas. Mecanicamente, os crentes apressam-se e carregam as suas barbas ruivas para o interior da mesquita.
À hora certa, ouve-se o entoar da oração muçulmana espalhar-se pelas ruas. Mecanicamente, os crentes apressam-se e carregam as suas barbas ruivas para o interior da mesquita.
História
A actual Bombaim era originalmente um arquipélago de sete ilhas. Os artefactos encontrados perto de Kandivali, no norte da cidade, indicam que as mesmas eram habitadas desde a Idade da Pedra. A presença humana encontra-se documentada desde 250 a.C., quando o local era conhecido como Heptanésia (Ptolomeu). Durante o século III a.C., as ilhas integraram o Império Maurya, governado pelo imperador budista Açoca. Posteriormente, os soberanos hindus da dinastia Silhara governaram-nas até 1343, quando foram anexadas pelo Reino do Guzerate.
A chegada de Portugueses a Bombaim registou-se em 1509. Posteriormente, em 1534, estes tomaram as ilhas ao sultão Bádur Xá de Guzerate. Em 1661, entregaram-nas a Carlos II da Inglaterra como dote de Catarina de Bragança. Em 1668, a coroa inglesa arrendou as ilhas à Companhia Inglesa das Índias Orientais. Neste período, a população cresceu rapidamente de 10.000 habitantes em 1661 para 60.000 em1675. Em 1687, a companhia transferiu a sua sede de Surate para Bombaim.
A partir de 1817, a cidade foi reformulada, com grandes projectos de engenharia civil destinados a fundir todas as ilhas do arquipélago num único terreno. A primeira ferrovia indiana, aberta em 1853, ligava Bombaim a Thane. Durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), a cidade tornou-se o principal mercado de algodão do mundo, o que estimulou consideravelmente a economia local. A abertura do Canal de Suez, em 1869, transformou Bombaim num dos maiores portos marítimos do Mar Arábico.
Nos trinta anos seguintes, a cidade tornou-se um grande centro urbano, com melhorias na infraestrutura e o surgimento de muitas das instituições municipais. A população atingiu um milhão de habitantes em 1906, o que a fez a segunda maior cidade da Índia depois de Calcutá. Foi uma base importante para o movimento de independência indiano, de que exemplo o movimento "Deixem a Índia" (Quit India, em inglês), convocado por Gandhi em 1942. Após a independência da Índia em 1947, Bombaim passou a ser a capital do estado de Bombaim. Em 1950, a cidade expandiu-se até os seus limites actuais, ao incorporar partes da ilha de Salsete, ao norte. Em 1960, quando o estado de Bombaim foi dividido por critérios linguísticos entre os novos estados de Maharashtra e Guzerate, a cidade tornou-se a capital do primeiro.
O final dos anos 1970 assistiu a um surto de construção e a afluência considerável de imigrantes, que fizeram Bombaim ultrapassar Calcutá em termos populacionais. A presença de forasteiros começou a preocupar a etnia local, marata, o que levou ao surgimento do partido político de direita Shiv Sena, em 1966. A cidade viveu então episódios violentos.
A actual Bombaim era originalmente um arquipélago de sete ilhas. Os artefactos encontrados perto de Kandivali, no norte da cidade, indicam que as mesmas eram habitadas desde a Idade da Pedra. A presença humana encontra-se documentada desde 250 a.C., quando o local era conhecido como Heptanésia (Ptolomeu). Durante o século III a.C., as ilhas integraram o Império Maurya, governado pelo imperador budista Açoca. Posteriormente, os soberanos hindus da dinastia Silhara governaram-nas até 1343, quando foram anexadas pelo Reino do Guzerate.
A chegada de Portugueses a Bombaim registou-se em 1509. Posteriormente, em 1534, estes tomaram as ilhas ao sultão Bádur Xá de Guzerate. Em 1661, entregaram-nas a Carlos II da Inglaterra como dote de Catarina de Bragança. Em 1668, a coroa inglesa arrendou as ilhas à Companhia Inglesa das Índias Orientais. Neste período, a população cresceu rapidamente de 10.000 habitantes em 1661 para 60.000 em1675. Em 1687, a companhia transferiu a sua sede de Surate para Bombaim.
A partir de 1817, a cidade foi reformulada, com grandes projectos de engenharia civil destinados a fundir todas as ilhas do arquipélago num único terreno. A primeira ferrovia indiana, aberta em 1853, ligava Bombaim a Thane. Durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), a cidade tornou-se o principal mercado de algodão do mundo, o que estimulou consideravelmente a economia local. A abertura do Canal de Suez, em 1869, transformou Bombaim num dos maiores portos marítimos do Mar Arábico.
Nos trinta anos seguintes, a cidade tornou-se um grande centro urbano, com melhorias na infraestrutura e o surgimento de muitas das instituições municipais. A população atingiu um milhão de habitantes em 1906, o que a fez a segunda maior cidade da Índia depois de Calcutá. Foi uma base importante para o movimento de independência indiano, de que exemplo o movimento "Deixem a Índia" (Quit India, em inglês), convocado por Gandhi em 1942. Após a independência da Índia em 1947, Bombaim passou a ser a capital do estado de Bombaim. Em 1950, a cidade expandiu-se até os seus limites actuais, ao incorporar partes da ilha de Salsete, ao norte. Em 1960, quando o estado de Bombaim foi dividido por critérios linguísticos entre os novos estados de Maharashtra e Guzerate, a cidade tornou-se a capital do primeiro.
O final dos anos 1970 assistiu a um surto de construção e a afluência considerável de imigrantes, que fizeram Bombaim ultrapassar Calcutá em termos populacionais. A presença de forasteiros começou a preocupar a etnia local, marata, o que levou ao surgimento do partido político de direita Shiv Sena, em 1966. A cidade viveu então episódios violentos.

A fotografia de cima e a de baixo reflectem bem os contrastes de Bombaim: nesta cidade, pobreza e riqueza convivem lado a lado.
Em cima, uma fotografia tirada enquanto se percorrem as ruas: as casas "dos mais pobre dos pobres" começam mal termina a estrada. Da parte de baixo da construção, a divisão comum, onde se cozinha; da parte de cima, os "buracos" onde famílias numerosas se encafuam para dormir sob chapas que fervem ao calor do Sol.
Em baixo, o sumptuoso hotel Taj Mahal. Dentro do hotel compreende-se o conceito de "luxo asiático".
Em cima, uma fotografia tirada enquanto se percorrem as ruas: as casas "dos mais pobre dos pobres" começam mal termina a estrada. Da parte de baixo da construção, a divisão comum, onde se cozinha; da parte de cima, os "buracos" onde famílias numerosas se encafuam para dormir sob chapas que fervem ao calor do Sol.
Em baixo, o sumptuoso hotel Taj Mahal. Dentro do hotel compreende-se o conceito de "luxo asiático".
Economia
Mumbai é a maior cidade da Índia, e, efectivamente, o principal e mais desenvolvido centro financeiro e comercial do país, sendo responsável por cerca de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) indiano em 2010. A cidade e sua região metropolitana servem ainda como grande centro industrial e comercial, contribuindo ao empregar 10% da mão-de-obra fabril, 25% do rendimento industrial bruto, 33% dos impostos recolhidos pelo governo através da realização de actividades financeiras e 20% dos impostos extraídos do sector de serviços na Índia.
Em 2008, o PIB nominal da região metropolitana de Mumbai foi de 919 biliões de rupias indianas (cerca de 183 biliões de dólares norte-americanos), enquanto a sua “Paridade de Poder de Compra” ficou em pouco mais de 1 trilião de rupias indianas (o que equivale a aproximadamente 208 biliões de dólares norte-americanos).
Já em 2009, o PIB per capita da Grande Mumbai foi de 48 mil rupias indianas (cerca 9,7 mil dólares norte-americanos), três vezes superior o PIB per capita nacional.
Muitos dos aglomerados empresariais indianos (como Larsen and Toubro, Reliance, TATA Group, Life Corp. e etc), além de cinco das 500 maiores empresas do mundo, segundo a revista Forbes, têm a sua sede em Mumbai. Além disso, a maioria dos bancos e instituições financeiras da Índia estão sediadas na cidade, ou na sua região metropolitana.
Desde os anos 1970, Mumbai vem registando um longo crescimento na actividade portuária e no sector industrial, considerados fundamentais para a economia da cidade desde a independência do Reino Unido. Entretanto, as actividades financeiras e de serviços vem ganhando cada vez mais espaço na economia da cidade, principalmente desde o final dos anos 1990. Em 2008, a Globalization and World Cities Study Group classificou Mumbai como uma “Cidade Global Alfa”, o mais alto índice para se classificar uma cidade global. Tal classificação é fruto do facto da cidade ser a terceira mais cara do mundo para actividades empresariais, e de ter sido tida como a cidade com mais rápido crescimento económico da Ásia em 2007.
Mumbai é a maior cidade da Índia, e, efectivamente, o principal e mais desenvolvido centro financeiro e comercial do país, sendo responsável por cerca de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) indiano em 2010. A cidade e sua região metropolitana servem ainda como grande centro industrial e comercial, contribuindo ao empregar 10% da mão-de-obra fabril, 25% do rendimento industrial bruto, 33% dos impostos recolhidos pelo governo através da realização de actividades financeiras e 20% dos impostos extraídos do sector de serviços na Índia.
Em 2008, o PIB nominal da região metropolitana de Mumbai foi de 919 biliões de rupias indianas (cerca de 183 biliões de dólares norte-americanos), enquanto a sua “Paridade de Poder de Compra” ficou em pouco mais de 1 trilião de rupias indianas (o que equivale a aproximadamente 208 biliões de dólares norte-americanos).
Já em 2009, o PIB per capita da Grande Mumbai foi de 48 mil rupias indianas (cerca 9,7 mil dólares norte-americanos), três vezes superior o PIB per capita nacional.
Muitos dos aglomerados empresariais indianos (como Larsen and Toubro, Reliance, TATA Group, Life Corp. e etc), além de cinco das 500 maiores empresas do mundo, segundo a revista Forbes, têm a sua sede em Mumbai. Além disso, a maioria dos bancos e instituições financeiras da Índia estão sediadas na cidade, ou na sua região metropolitana.
Desde os anos 1970, Mumbai vem registando um longo crescimento na actividade portuária e no sector industrial, considerados fundamentais para a economia da cidade desde a independência do Reino Unido. Entretanto, as actividades financeiras e de serviços vem ganhando cada vez mais espaço na economia da cidade, principalmente desde o final dos anos 1990. Em 2008, a Globalization and World Cities Study Group classificou Mumbai como uma “Cidade Global Alfa”, o mais alto índice para se classificar uma cidade global. Tal classificação é fruto do facto da cidade ser a terceira mais cara do mundo para actividades empresariais, e de ter sido tida como a cidade com mais rápido crescimento económico da Ásia em 2007.
4. Damão
exto de Walter Rossa
Damão é hoje um dos distritos do território da União Indiana de Damão e Diu, unidade administrativa que também compreende Dadra e Nagar Havely. Isso significa que não faz parte de nenhum dos estados. É uma realidade que decorreu da anexação dos últimos territórios sob soberania portuguesa pela União Indiana em 1961, sendo que Goa logrou instituir‐se como estado em 1987 e, assim, deixar de integrar aquela unidade. São dois enclaves situados a cerca de duzentos quilómetros um do outro (em linha reta através do Golfo de Cambaia), quase cidades‐território (Damão tem cerca de cinquenta e sete quilómetros quadrados), na costa do Gujarate, o estado indiano mais a oeste. Nos seus tempos áureos, o território dependente fazia fronteira direta com o império mogol.
Contudo, Damão fica apenas a cerca de cento e cinquenta quilómetros de Bombaim e cento e vinte de Baçaim, ambas no estado vizinho do Maharashtra. Dadra e Nagar Haveli constituem um distrito situado no interior, de dimensões muito superiores ao de Damão. Foram integrados no domínio português tardiamente e anexados pela União Indiana antes dos demais, em 1954. Têm em comum com Damão o Rio Sandalcalo.
A cidade de Damão está situada na foz desse rio, sendo por ele dividida em Moti Daman (Damão Grande), a sul, e Nani Daman (Damão Pequena), a norte. A dimensão é inversa à que resulta das medidas lineares e de superfície, mas direta no que respeita à monumentalidade, pois Damão Grande é a cidade contida dentro de um dos perímetros abaluartados simultaneamente de maior impacto e perfeição contidos nesta edição. Na frente de Damão Pequena foi erguida entre 1615 e 1627 uma pequena jóia da engenharia militar portuguesa, o Forte de São Jerónimo, o qual é objeto de entrada própria.
O Porto de Damão, desde sempre prejudicado por uma barra estreita e baixa, é ainda um dos pontos de encontro da vida social e económica da cidade, com especial relevo para o comércio, mas também para a pesca, com os seus barcos mantendo viva a tradição da carpintaria naval. Com efeito, as florestas de teca do interior fizeram com que até 1871 a cidade mantivesse um ativíssimo e reputado arsenal – uma Ribeira das Naus, como referem alguns documentos escritos e iconográficos – do qual saíram inúmeras embarcações. A ponte que une ambas as margens é já posterior ao período da soberania portuguesa, pois durante o domínio português a travessia fazia‐se em barcas.
Damão é hoje um dos distritos do território da União Indiana de Damão e Diu, unidade administrativa que também compreende Dadra e Nagar Havely. Isso significa que não faz parte de nenhum dos estados. É uma realidade que decorreu da anexação dos últimos territórios sob soberania portuguesa pela União Indiana em 1961, sendo que Goa logrou instituir‐se como estado em 1987 e, assim, deixar de integrar aquela unidade. São dois enclaves situados a cerca de duzentos quilómetros um do outro (em linha reta através do Golfo de Cambaia), quase cidades‐território (Damão tem cerca de cinquenta e sete quilómetros quadrados), na costa do Gujarate, o estado indiano mais a oeste. Nos seus tempos áureos, o território dependente fazia fronteira direta com o império mogol.
Contudo, Damão fica apenas a cerca de cento e cinquenta quilómetros de Bombaim e cento e vinte de Baçaim, ambas no estado vizinho do Maharashtra. Dadra e Nagar Haveli constituem um distrito situado no interior, de dimensões muito superiores ao de Damão. Foram integrados no domínio português tardiamente e anexados pela União Indiana antes dos demais, em 1954. Têm em comum com Damão o Rio Sandalcalo.
A cidade de Damão está situada na foz desse rio, sendo por ele dividida em Moti Daman (Damão Grande), a sul, e Nani Daman (Damão Pequena), a norte. A dimensão é inversa à que resulta das medidas lineares e de superfície, mas direta no que respeita à monumentalidade, pois Damão Grande é a cidade contida dentro de um dos perímetros abaluartados simultaneamente de maior impacto e perfeição contidos nesta edição. Na frente de Damão Pequena foi erguida entre 1615 e 1627 uma pequena jóia da engenharia militar portuguesa, o Forte de São Jerónimo, o qual é objeto de entrada própria.
O Porto de Damão, desde sempre prejudicado por uma barra estreita e baixa, é ainda um dos pontos de encontro da vida social e económica da cidade, com especial relevo para o comércio, mas também para a pesca, com os seus barcos mantendo viva a tradição da carpintaria naval. Com efeito, as florestas de teca do interior fizeram com que até 1871 a cidade mantivesse um ativíssimo e reputado arsenal – uma Ribeira das Naus, como referem alguns documentos escritos e iconográficos – do qual saíram inúmeras embarcações. A ponte que une ambas as margens é já posterior ao período da soberania portuguesa, pois durante o domínio português a travessia fazia‐se em barcas.
A população foi sempre maioritariamente hindu, seguindo‐se a muçulmana e, por fim e muito diminuta, a católica. Distribui‐se por núcleos ou bairros, ainda que a comunidade cristã se tenha mantido na praça de guerra de Damão Grande e em algumas aldeias da periferia, preferencialmente no Campo, a sul. Nas suas últimas décadas, a administração colonial ergueu diversos edifícios para equipamentos em Damão Pequena, no que foi secundada por muitos privados com instalações para negócios e residências. Tentava‐se, em vão, recuperar do ciclo de profunda decadência a que a cidade fora votada, primeiro com a concorrência de holandeses e ingleses no Golfo de Cambaia, depois com o desenvolvimento de Bombaim e do seu porto pelos últimos a partir da sua cedência em 1661 pelos portugueses, logrando substituir o papel das cidades daquele golfo. Aliás, logo em 1687 a East India Company transferiu a sua sede de Surate para Bombaim. O golpe final foi a perda da Província do Norte face à incursão marata, sendo que o tratado de 27 de maio de 1739 permitiu aos portugueses conservar Damão, mas não o seu território. Em junho de 1783 a diplomacia portuguesa logrou, contudo, a concessão de uma relevante área territorial no interior, Nagar Havely, o bastante para lhe garantir auto-suficiência.
Na matriz, Damão Grande corresponde ao núcleo urbano ordenado e desenvolvido pelos portugueses, enquanto Damão Pequeno já existia e não é mais do que o resultado de um crescimento orgânico/aditivo autóctone, sem origem portuguesa, mas hoje com bastante influência, essencialmente ao nível do edificado. Mesmo os portugueses foram preferindo instalar‐se fora de Damão Grande, a qual deixaram para as instituições, ali acorrendo para se refugiarem e baterem pela defesa do posto quando atacado. Se a cidade intramuros nunca terá adquirido grande densidade ou sequer dinâmica urbana, designadamente comercial ou artesanal, a verdade é que o processo de abandono foi precoce e acentuado: dos cerca de 2.524 residentes de 1745 já só se contavam 385 em 1900. Hoje a maior parte da área está vazia ou mesmo com um paradoxal aproveitamento agrícola. Muitos dos edifícios, incluindo equipamentos, desapareceram, sendo árdua a reconstituição de localizações e formas. Por exemplo, após a extinção das ordens religiosas (1834) os governadores desmantelaram as casas franciscana e jesuíta para reutilizar os blocos de pedra em outras construções.
A localização estratégica em relação ao Golfo de Cambaia cedo colocou Damão na rota das naus portuguesas que tentavam controlar aquele espaço rico em comércio, com o principal centro portuário mogol na cidade de Surate que, apesar dos esforços, nunca se conseguiu dominar. O local de Damão, em si, nunca foi excepcionalmente rico senão em teca, produtos agrícolas (arroz, em especial) e nesse valor militar. Nas primeiras décadas, o objetivo foi controlar, ou seja, evitar a presença no local de bases inimigas, o que em 16 de dezembro de 1529 levou à tomada e mutilação do forte islâmico (abexim, abissínio), que havia sido erguido sobre a margem sul, frente à cidade propriamente dita. Cedo foi reocupado e reconstruído.
Na matriz, Damão Grande corresponde ao núcleo urbano ordenado e desenvolvido pelos portugueses, enquanto Damão Pequeno já existia e não é mais do que o resultado de um crescimento orgânico/aditivo autóctone, sem origem portuguesa, mas hoje com bastante influência, essencialmente ao nível do edificado. Mesmo os portugueses foram preferindo instalar‐se fora de Damão Grande, a qual deixaram para as instituições, ali acorrendo para se refugiarem e baterem pela defesa do posto quando atacado. Se a cidade intramuros nunca terá adquirido grande densidade ou sequer dinâmica urbana, designadamente comercial ou artesanal, a verdade é que o processo de abandono foi precoce e acentuado: dos cerca de 2.524 residentes de 1745 já só se contavam 385 em 1900. Hoje a maior parte da área está vazia ou mesmo com um paradoxal aproveitamento agrícola. Muitos dos edifícios, incluindo equipamentos, desapareceram, sendo árdua a reconstituição de localizações e formas. Por exemplo, após a extinção das ordens religiosas (1834) os governadores desmantelaram as casas franciscana e jesuíta para reutilizar os blocos de pedra em outras construções.
A localização estratégica em relação ao Golfo de Cambaia cedo colocou Damão na rota das naus portuguesas que tentavam controlar aquele espaço rico em comércio, com o principal centro portuário mogol na cidade de Surate que, apesar dos esforços, nunca se conseguiu dominar. O local de Damão, em si, nunca foi excepcionalmente rico senão em teca, produtos agrícolas (arroz, em especial) e nesse valor militar. Nas primeiras décadas, o objetivo foi controlar, ou seja, evitar a presença no local de bases inimigas, o que em 16 de dezembro de 1529 levou à tomada e mutilação do forte islâmico (abexim, abissínio), que havia sido erguido sobre a margem sul, frente à cidade propriamente dita. Cedo foi reocupado e reconstruído.

Porta do Forte - "Merece atenção particular a porta principal da fortificação, voltada a Sul." (primeira fotografia sobre Damão) "Para além de conter extensa notícia sobre a fundação da estrutura, apresenta dois surpreendentes motivos decorativos a flanquear a abertura, constituídos por dois gigantes, cada um segurando uma mó e um pergaminho. Na mensagem inscrita nos pergaminhos lê-se: <<Quem por aqui quiser entrar, com está mó há-de pagar: que eu e o meu companheiro a vigiamos sem dinheiro>>. Esta mensagem talvez aluda à suposta ou desejada incorruptibilidade dos defensores do forte, numa época em que grassavam os subornos entre as diversas forças militares do sub-continente indiano. Sobre o arco existe um nicho com a imagem de São Jerónimo, coroado pelas armas portuguesas e uma cruz." - "Património de Origem Portuguesa no Mundo"
O forte foi de novo tomado em 1534, para quase de imediato ser entregue no âmbito do acordo com o qual o governador Nuno da Cunha obteve o domínio de Baçaim. Só em 1559, já com as cidades de Diu e Baçaim em franco desenvolvimento português, o vice‐rei Constantino de Bragança, visando proteger os relevantes domínios territoriais de Baçaim e apertar a rede de controlo e taxação das rotas marítimas do Golfo de Cambaia, conquistou a cidade, sendo que levaria mais três anos a controlar os territórios a ela afetos. Desde logo o forte foi assumido como centro de poder e compositivo da ocupação portuguesa, não sendo por acaso que ainda hoje ali permanece instalada a sede administrativa do território. Conformou‐se assim a Província do Norte no último ato de ampliação territorial portuguesa no Oriente da era da expansão, tal como a cidade portuguesa que de imediato ali despontou seria a última criada na Índia no Antigo Regime.
Após a tomada da cidade, foi construída uma paliçada em aterro e matéria vegetal, provavelmente segundo a linha que pouco depois iria ser seguida para a construção do perímetro abaluartado. Uma vez mais esse limite é ditado pelas características topográficas do sítio, que por sua vez haviam por certo determinado a sua escolha como forte. Isso porque do lado oeste encosta ao mar, de norte ao rio e de nascente a um pequeno pântano centrado num braço do rio. Só do lado sul, o do Campo, é que havia um acesso franco, o qual foi quartado pelo rasgamento de um fosso que prolongou aquele braço de água.
Como em 1582 o autor anónimo do Livro das Cidades e Fortalezas... registou, Damão era um “lugar raso sem muro nem cerca algua, sómente tem hua fortaleza pequena antigua que foy dos Mouros com quatro baluartes em que pousa o capitão, e de poucos annos a esta parte se começou acercar toda a cidade em roda com muitos baluartes à custa de hua imposição que se pôs nas mercadorias de hum por cento, e nos mãtimetos que saem para fora, e correse com esta forteficação com muita breuidade per ordem da camara da cidade”. Neste excerto encontramos dois dados importantes: a fortaleza preexistente, obviamente muçulmana, era muito semelhante aos fortes manuelinos quadrangulares, com torreões cilíndricos nos ângulos (o de sudoeste é ainda visível), que se haviam erguido um pouco por todo o Império (recordemos os de Chaul e de Baçaím, entre outros); à data da redação do texto citado, os trabalhos da muralha abaluartada decorriam a bom ritmo, provavelmente estimulados pelo que se padecera no cerco mogol do ano anterior. Sabemos, contudo, que se prolongariam por alguns anos, mas isso é matéria da entrada seguinte.
Como habitualmente, a instalação de equipamentos e serviços públicos e dos conjuntos conventuais não se fez esperar. A arquitetura era, na generalidade, de mediana qualidade e de muito parca monumentalidade, tendo vigorado uma norma que, por razões de segurança, impedia que os edifícios fossem mais altos que a cortina das muralhas, o que nem sempre foi observado. Os jesuítas instalaram‐se sobre uma mesquita abissínia integrada no ângulo noroeste do forte; os franciscanos junto à Porta do Mar, os agostinhos no extremo nascente e, diametralmente opostos (sobre o mar), os dominicanos. Apenas o edifício dos agostinhos se conserva, ainda que muito adulterado, sendo que do convento dominicano existem ruínas expressivas. Bastante mais tarde (1695), também os hospitalários de São João de Deus se instalaram na cidade. Substituíam a Misericórdia na administração do hospital, mudando‐o para o lado nascente da única praça, ou seja, imediatamente do lado direito de quem entra pela Porta do Campo.
Após a tomada da cidade, foi construída uma paliçada em aterro e matéria vegetal, provavelmente segundo a linha que pouco depois iria ser seguida para a construção do perímetro abaluartado. Uma vez mais esse limite é ditado pelas características topográficas do sítio, que por sua vez haviam por certo determinado a sua escolha como forte. Isso porque do lado oeste encosta ao mar, de norte ao rio e de nascente a um pequeno pântano centrado num braço do rio. Só do lado sul, o do Campo, é que havia um acesso franco, o qual foi quartado pelo rasgamento de um fosso que prolongou aquele braço de água.
Como em 1582 o autor anónimo do Livro das Cidades e Fortalezas... registou, Damão era um “lugar raso sem muro nem cerca algua, sómente tem hua fortaleza pequena antigua que foy dos Mouros com quatro baluartes em que pousa o capitão, e de poucos annos a esta parte se começou acercar toda a cidade em roda com muitos baluartes à custa de hua imposição que se pôs nas mercadorias de hum por cento, e nos mãtimetos que saem para fora, e correse com esta forteficação com muita breuidade per ordem da camara da cidade”. Neste excerto encontramos dois dados importantes: a fortaleza preexistente, obviamente muçulmana, era muito semelhante aos fortes manuelinos quadrangulares, com torreões cilíndricos nos ângulos (o de sudoeste é ainda visível), que se haviam erguido um pouco por todo o Império (recordemos os de Chaul e de Baçaím, entre outros); à data da redação do texto citado, os trabalhos da muralha abaluartada decorriam a bom ritmo, provavelmente estimulados pelo que se padecera no cerco mogol do ano anterior. Sabemos, contudo, que se prolongariam por alguns anos, mas isso é matéria da entrada seguinte.
Como habitualmente, a instalação de equipamentos e serviços públicos e dos conjuntos conventuais não se fez esperar. A arquitetura era, na generalidade, de mediana qualidade e de muito parca monumentalidade, tendo vigorado uma norma que, por razões de segurança, impedia que os edifícios fossem mais altos que a cortina das muralhas, o que nem sempre foi observado. Os jesuítas instalaram‐se sobre uma mesquita abissínia integrada no ângulo noroeste do forte; os franciscanos junto à Porta do Mar, os agostinhos no extremo nascente e, diametralmente opostos (sobre o mar), os dominicanos. Apenas o edifício dos agostinhos se conserva, ainda que muito adulterado, sendo que do convento dominicano existem ruínas expressivas. Bastante mais tarde (1695), também os hospitalários de São João de Deus se instalaram na cidade. Substituíam a Misericórdia na administração do hospital, mudando‐o para o lado nascente da única praça, ou seja, imediatamente do lado direito de quem entra pela Porta do Campo.
Porta do Campo
"Património de Origem Portuguesa no Mundo", editado pela Fundação Calouste Gulbenkian:
"Localizado na margem norte do Rio Damanganga, defronte das muralhas da praça de Damão, O Forte de São Jerónimo constitui uma obra de arquitectura militar exemplar, apresentando-se em bom estado de preservação.
A iniciativa de construir uma fortificação em Damão Pequeno parece estar relacionada com a invasão do exército Mogol em 1611, em retaliação pelo aprisionamento em Surate de um navio de Meca por Luís de Brito e Mello. Apesar de a praça de Damão ter resistido, o território envolvente foi assolado pelas forças invasoras. A povoação de Damão Pequeno tinha crescido em importância e começava a concentrar o grosso do comércio e da população da foz do Damanganga.
Um dos propulsores da obra de São Jerónimo foi o reitor do colégio jesuíta de Damão, António Albertino, sendo os jesuítas administradores das obras de fortificação em Damão e vários outros locais da Província do Norte. Contudo, o projecto do forte é atribuével a Júlio Simão, engenheiro-mor do Estado da Índia.
(...)"
"Património de Origem Portuguesa no Mundo", editado pela Fundação Calouste Gulbenkian:
"Localizado na margem norte do Rio Damanganga, defronte das muralhas da praça de Damão, O Forte de São Jerónimo constitui uma obra de arquitectura militar exemplar, apresentando-se em bom estado de preservação.
A iniciativa de construir uma fortificação em Damão Pequeno parece estar relacionada com a invasão do exército Mogol em 1611, em retaliação pelo aprisionamento em Surate de um navio de Meca por Luís de Brito e Mello. Apesar de a praça de Damão ter resistido, o território envolvente foi assolado pelas forças invasoras. A povoação de Damão Pequeno tinha crescido em importância e começava a concentrar o grosso do comércio e da população da foz do Damanganga.
Um dos propulsores da obra de São Jerónimo foi o reitor do colégio jesuíta de Damão, António Albertino, sendo os jesuítas administradores das obras de fortificação em Damão e vários outros locais da Província do Norte. Contudo, o projecto do forte é atribuével a Júlio Simão, engenheiro-mor do Estado da Índia.
(...)"
Com efeito, a praça abre‐se logo que se transpõe a Porta do Campo. Além do antigo hospital, temos a norte a igreja matriz (que chegou a ser sede diocesana), a poente o edifício do primitivo Recolhimento de Nossa Senhora das Necessidades, atual prisão e, a sul – sobre a muralha e, talvez por isso, ao contrário de tudo o mais, algo fora da esquadria geral da malha urbana – a Capela de Nossa Senhora do Rosário (inicialmente da Madre de Deus) e a Casa do Senado. São diversas as evidências documentais da existência de um pelourinho que caracterizava o terreiro desta praça, hoje transformado em jardim. Logo no vice‐reinado de Antão de Noronha (1564‐1568) foram concedidos a Damão privilégios de município similares aos de Évora, depois sucessivamente confirmados, e, através de regimento, instituídas obrigações militares de milícia, incluindo a manutenção de cavalos.
Também a Misericórdia foi instituída bem cedo, havendo notícia de já estar em pleno funcionamento em 1566. Instalou‐se frente ao colégio jesuíta, no quarteirão a poente, local onde, não por acaso, hoje se encontra o hospital da cidade. Das suas construções originais nada persiste, pois até a capela, que ainda cheguei a ver em 1994, sofreu uma considerável transformação. A alfândega teve as suas instalações no quarteirão que separa o forte da Porta do Mar, por conseguinte o mais perto do porto. Mais tarde foi ali construído o atual tribunal. A rua de sentido norte‐sul, tangente por nascente ao forte, conduz diretamente da Porta do Mar à Porta do Campo, os únicos acessos ao perímetro muralhado.
Do ponto de vista das instituições, temos assim evidência de terem sido criadas imediatamente após a ocupação do posto, o que se compagina com a própria definição geral do espaço urbano. De facto, e apesar de algumas semelhanças formais e processuais com outras cidades do Estado da Índia – Chaul e Baçaim, por exemplo – a cronologia e a morfologia urbana de Damão tornam claro que a implantação e estruturação da cidade ocorre num só momento e é contemporânea à definição do seu limite (posteriormente muralhado), sendo assim também inequívoca a existência, também inaugural no Estado da Índia, mas de forma alguma surpreendente na cultura urbanística portuguesa, de um preceito geral de regularidade. Nem mesmo o forte preexistente nos impede de declarar Damão como uma cidade fundada e planeada, pois a malha urbana, além de regular e ortogonal, apresenta‐se racionalizada, integrando‐o como preexistência que, aliás, determina a matriz morfológica.
Na realidade, foi o forte o dínamo dessa mesma regularidade, a qual parte desde logo do facto de estar implantado com uma rotação de cerca de menos dois graus em relação ao norte geográfico, divergência que podemos considerar desprezível. Tendo como ponto de partida ruas que lhe são tangentes, foi lançado um reticulado viário que define quarteirões tendencialmente quadrados e não todos quadrados, como habitualmente se tem dito. Num trabalho em curso verificamos, ainda com resultados provisórios e aqui muito resumidos, que se de facto é o forte a ditar o alinhamento dos quarteirões inseridos nas duas bandas que determina (através do prolongamento das ruas que lhe são tangentes), o espaçamento entre as demais ruas tem um incremento.
Passamos do sistema dimensional da preexistência, que é de algo em torno dos trezentos e quarenta palmos (metade do lado do quadrado do forte), para um outro sistema em que o lado tem trezentos e setenta palmos, o que gera quarteirões retangulares de 340 x 370. No entanto, devemos ter em conta que a primeira dimensão é necessariamente aproximada, pois foi estabelecida por uma cultura que usava unidades diferentes. Se lhes adicionarmos a largura das ruas para obtermos o dimensionamento estruturante do sistema – a eixo, por conseguinte – estas dimensões passam a ser 370 x 400. Ou seja, o incremento é o da própria largura da rua. E se tudo estivesse bem, nos ângulos deveríamos ter quarteirões com 400 x 400 (eixos). Porém, o sistema geométrico apresenta‐se ainda mais complexo, pois os quarteirões imediatamente a sul do forte são quadrados com 370 x 370 (eixos), o que também sucede na última fiada norte/sul do lado poente.
Também a Misericórdia foi instituída bem cedo, havendo notícia de já estar em pleno funcionamento em 1566. Instalou‐se frente ao colégio jesuíta, no quarteirão a poente, local onde, não por acaso, hoje se encontra o hospital da cidade. Das suas construções originais nada persiste, pois até a capela, que ainda cheguei a ver em 1994, sofreu uma considerável transformação. A alfândega teve as suas instalações no quarteirão que separa o forte da Porta do Mar, por conseguinte o mais perto do porto. Mais tarde foi ali construído o atual tribunal. A rua de sentido norte‐sul, tangente por nascente ao forte, conduz diretamente da Porta do Mar à Porta do Campo, os únicos acessos ao perímetro muralhado.
Do ponto de vista das instituições, temos assim evidência de terem sido criadas imediatamente após a ocupação do posto, o que se compagina com a própria definição geral do espaço urbano. De facto, e apesar de algumas semelhanças formais e processuais com outras cidades do Estado da Índia – Chaul e Baçaim, por exemplo – a cronologia e a morfologia urbana de Damão tornam claro que a implantação e estruturação da cidade ocorre num só momento e é contemporânea à definição do seu limite (posteriormente muralhado), sendo assim também inequívoca a existência, também inaugural no Estado da Índia, mas de forma alguma surpreendente na cultura urbanística portuguesa, de um preceito geral de regularidade. Nem mesmo o forte preexistente nos impede de declarar Damão como uma cidade fundada e planeada, pois a malha urbana, além de regular e ortogonal, apresenta‐se racionalizada, integrando‐o como preexistência que, aliás, determina a matriz morfológica.
Na realidade, foi o forte o dínamo dessa mesma regularidade, a qual parte desde logo do facto de estar implantado com uma rotação de cerca de menos dois graus em relação ao norte geográfico, divergência que podemos considerar desprezível. Tendo como ponto de partida ruas que lhe são tangentes, foi lançado um reticulado viário que define quarteirões tendencialmente quadrados e não todos quadrados, como habitualmente se tem dito. Num trabalho em curso verificamos, ainda com resultados provisórios e aqui muito resumidos, que se de facto é o forte a ditar o alinhamento dos quarteirões inseridos nas duas bandas que determina (através do prolongamento das ruas que lhe são tangentes), o espaçamento entre as demais ruas tem um incremento.
Passamos do sistema dimensional da preexistência, que é de algo em torno dos trezentos e quarenta palmos (metade do lado do quadrado do forte), para um outro sistema em que o lado tem trezentos e setenta palmos, o que gera quarteirões retangulares de 340 x 370. No entanto, devemos ter em conta que a primeira dimensão é necessariamente aproximada, pois foi estabelecida por uma cultura que usava unidades diferentes. Se lhes adicionarmos a largura das ruas para obtermos o dimensionamento estruturante do sistema – a eixo, por conseguinte – estas dimensões passam a ser 370 x 400. Ou seja, o incremento é o da própria largura da rua. E se tudo estivesse bem, nos ângulos deveríamos ter quarteirões com 400 x 400 (eixos). Porém, o sistema geométrico apresenta‐se ainda mais complexo, pois os quarteirões imediatamente a sul do forte são quadrados com 370 x 370 (eixos), o que também sucede na última fiada norte/sul do lado poente.
Igreja de Nossa Senhora do Mar - "A Igreja de Nossa Senhora do Mar, dentro do recinto do forte, foi edificada em 1774, segundo uma inscrição que existiu sobre a porta principal. Situa-se próximo do Baluarte de São Francisco Xavier e, provavelmente, no sítio de uma capela ou ermida primitiva, que já existia em 1730. A fachada principal da Igreja foi refeita em 1899. O retábulo existente na capela-mor pertencia à Capela de Santa Rita de Cássia, do Convento dos Agostinhos.
Resumindo, estamos ainda a avaliar até que ponto é que estas variações decorrem de um sistema geométrico complexo e coerente (coordenação polar, por exemplo), ou se são apenas fruto de um acaso. Mas isso não põe em causa o desígnio de regularidade, óbvio desde o primeiro olhar. A verdade é que a largura de trinta palmos para as ruas foi muito usada pela urbanística portuguesa, antes e depois, para situações de maior desafogo, mas não monumentais, e que o quarteirão com quatrocentos palmos em, pelo menos, um dos lados também não é nada estranho a essa mesma cultura prática. Tenha‐se ainda presente que, em tempo algum, a cidade teve uma densidade de ocupação que permitisse a consolidação do grosso do traçado em ruas. Ainda hoje, só uma ténue faixa entre as duas portas, com a largura máxima de dois quarteirões, tem alguma expressão urbanística. Contudo, os conventos e equipamentos acima listados cumpriram com o traçado regular, o que só por si demonstra que este foi instituído no início.
Mais do que a regularidade, o que é urbanisticamente mais relevante no caso de Damão é a sua pré‐concepção, até porque foi com base na realidade urbanística desta cidade que a ainda imberbe historiografia do urbanismo e da urbanística portugueses – a partir de uma hipótese registada, sob uma forma assumidamente impressiva, num pequeno ensaio por Mário Tavares Chicó (1956) – acriticamente passou a ver em alguns casos indo‐portugueses do século XVI a aplicação prática dos modelos renascentistas das cidades ideais. O recurso a alguma cartografia antiga, sem o seu cotejamento com a realidade concreta através de levantamentos atuais, bem com o total desconhecimento da cultura urbanística precedente a par com o facto, hipotético, da participação no processo de amuralhamento do engenheiro militar italiano João Baptista Cairato, fez a fortuna crítica dessa tese.
Acontece que, de acordo com cronologia comprovada, quando Cairato iniciou o seu trabalho na Índia (1583) já há muito o traçado urbano estava instituído e a construção da muralha em curso. Por outro lado, Damão é o único caso em que a ocupação portuguesa teve no seu seio o desígnio da construção de uma cidade, enquanto nos demais casos ou a cidade já existia (Goa, Diu) ou a ocupação foi gradual, ou seja, segundo a sequência (muito frequente), feitoria, fortaleza, equipa‐ mentos, tranqueira, etc., acabando, por vezes, por resultar em cidade (Cochim, Chaul, Baçaim).
O que é excepcional é, pois, repita‐se, o facto de se querer desde logo fazer cidade, sendo então adotados os procedimentos há muito comuns na cultura urbanística europeia e, assim, também portuguesa: arruar e casear (parcelar, lotear) segundo um padrão geométrico tendencialmente uniforme, mas flexível. Era também padrão fazer‐se cidade traçando a malha urbana sem relação geométrica com o traçado do seu perímetro defensivo. Infelizmente, parece não ter permanecido o suficiente do casario comum para que um dia se possa vislumbrar o sistema de parcelamento, o que só com arqueologia se poderá tentar. Para já, resta‐nos observar a morfologia urbana apenas à escala do quarteirão. E um dos aspectos mais curiosos é, precisamente, como se formou a única praça por subtração de um deles, não numa posição geometricamente relevante, mas sim funcional: imediatamente após a entrada. É um facto que, a par com o total descolamento formal entre o traçado urbano e a linha do perímetro muralhado, estabelece uma distância conceptual entre Damão e os invocados modelos das cidades ideais – então muito recentes e ainda por experimentar – abissalmente superior à que a separa de múltiplas realizações anteriores. Falta ordem, hierarquia, clareza formal e funcional, concepção unitária da muralha e espaço urbano, etc.
De qualquer forma, o que acima resumidamente se expôs faz com que Damão seja um caso excepcional no âmbito dos processos de urbanização portugueses no Oriente e um marco na urbanística portuguesa de sempre. E nisso sem dúvida pesa a imagem que o seu perímetro fortificado lhe conferiu a posteriori, devendo‐se‐lhe também a própria salvaguarda do pouco do casco e traçado urbanos que subsistem. E se a análise da muralha e traçado urbano em separado nos foi útil, é como o conjunto que são que devem ser fruídos e apreciados.
Mais do que a regularidade, o que é urbanisticamente mais relevante no caso de Damão é a sua pré‐concepção, até porque foi com base na realidade urbanística desta cidade que a ainda imberbe historiografia do urbanismo e da urbanística portugueses – a partir de uma hipótese registada, sob uma forma assumidamente impressiva, num pequeno ensaio por Mário Tavares Chicó (1956) – acriticamente passou a ver em alguns casos indo‐portugueses do século XVI a aplicação prática dos modelos renascentistas das cidades ideais. O recurso a alguma cartografia antiga, sem o seu cotejamento com a realidade concreta através de levantamentos atuais, bem com o total desconhecimento da cultura urbanística precedente a par com o facto, hipotético, da participação no processo de amuralhamento do engenheiro militar italiano João Baptista Cairato, fez a fortuna crítica dessa tese.
Acontece que, de acordo com cronologia comprovada, quando Cairato iniciou o seu trabalho na Índia (1583) já há muito o traçado urbano estava instituído e a construção da muralha em curso. Por outro lado, Damão é o único caso em que a ocupação portuguesa teve no seu seio o desígnio da construção de uma cidade, enquanto nos demais casos ou a cidade já existia (Goa, Diu) ou a ocupação foi gradual, ou seja, segundo a sequência (muito frequente), feitoria, fortaleza, equipa‐ mentos, tranqueira, etc., acabando, por vezes, por resultar em cidade (Cochim, Chaul, Baçaim).
O que é excepcional é, pois, repita‐se, o facto de se querer desde logo fazer cidade, sendo então adotados os procedimentos há muito comuns na cultura urbanística europeia e, assim, também portuguesa: arruar e casear (parcelar, lotear) segundo um padrão geométrico tendencialmente uniforme, mas flexível. Era também padrão fazer‐se cidade traçando a malha urbana sem relação geométrica com o traçado do seu perímetro defensivo. Infelizmente, parece não ter permanecido o suficiente do casario comum para que um dia se possa vislumbrar o sistema de parcelamento, o que só com arqueologia se poderá tentar. Para já, resta‐nos observar a morfologia urbana apenas à escala do quarteirão. E um dos aspectos mais curiosos é, precisamente, como se formou a única praça por subtração de um deles, não numa posição geometricamente relevante, mas sim funcional: imediatamente após a entrada. É um facto que, a par com o total descolamento formal entre o traçado urbano e a linha do perímetro muralhado, estabelece uma distância conceptual entre Damão e os invocados modelos das cidades ideais – então muito recentes e ainda por experimentar – abissalmente superior à que a separa de múltiplas realizações anteriores. Falta ordem, hierarquia, clareza formal e funcional, concepção unitária da muralha e espaço urbano, etc.
De qualquer forma, o que acima resumidamente se expôs faz com que Damão seja um caso excepcional no âmbito dos processos de urbanização portugueses no Oriente e um marco na urbanística portuguesa de sempre. E nisso sem dúvida pesa a imagem que o seu perímetro fortificado lhe conferiu a posteriori, devendo‐se‐lhe também a própria salvaguarda do pouco do casco e traçado urbanos que subsistem. E se a análise da muralha e traçado urbano em separado nos foi útil, é como o conjunto que são que devem ser fruídos e apreciados.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário
"Arte de Portugal no Mundo" - Pedro Dias
"Os retábulos constituídos por grandes relevos, maioritariamente em médio ou alto, anote-se, dotados de uma policromia muito garrida e uma superabundância de aplicação de ouro em folha, não foram obra do acaso, nem inocente. Na Índia, nos templos hindus e no âmbito da iconografia sacra, a escultura era predominante, tanto no interior como no exterior, embora se pintassem também paredes, tectos e elementos construtivos, como colunas, arcarias, etc. Os missionários tinham a árdua tarefa de combater o apelo visual e emocional dessas obras indianas, que tinham uma volumetria e imponência que esmagavam os observadores, ao que só podiam contrapor a tradicional iconografia cristã. Assim, não tiveram outra alternativa que não dar-lhe um tratamento que não desagradasse àqueles que pretendiam converter, o mais aproximado possível do dos ícones hindus. Por outro lado, as dificuldades de comunicação devido ao idioma, e aos muitos dialectos ou línguas regionais, fizeram desses quadros de madeira esculpida auxiliares preciosos para a pregação do Evangelho e das outras mensagens do Cristianismo Romano."
"Arte de Portugal no Mundo" - Pedro Dias
"Os retábulos constituídos por grandes relevos, maioritariamente em médio ou alto, anote-se, dotados de uma policromia muito garrida e uma superabundância de aplicação de ouro em folha, não foram obra do acaso, nem inocente. Na Índia, nos templos hindus e no âmbito da iconografia sacra, a escultura era predominante, tanto no interior como no exterior, embora se pintassem também paredes, tectos e elementos construtivos, como colunas, arcarias, etc. Os missionários tinham a árdua tarefa de combater o apelo visual e emocional dessas obras indianas, que tinham uma volumetria e imponência que esmagavam os observadores, ao que só podiam contrapor a tradicional iconografia cristã. Assim, não tiveram outra alternativa que não dar-lhe um tratamento que não desagradasse àqueles que pretendiam converter, o mais aproximado possível do dos ícones hindus. Por outro lado, as dificuldades de comunicação devido ao idioma, e aos muitos dialectos ou línguas regionais, fizeram desses quadros de madeira esculpida auxiliares preciosos para a pregação do Evangelho e das outras mensagens do Cristianismo Romano."
Interior da Igreja de Nossa Senhora do Rosário
Em 18 de Dezembro de 1961 o distrito português de Damão foi invadido e ocupado pelas tropas da União Indiana e incorporado no actual território de Damão e Diu.
5. Goa - "Roma do Oriente"
Esta é a parte mais desenvolvida do site.
Chamo a atenção para o facto haver fotografias com comentários bastante extensos. Alerto também para o facto de os dois historiadores citados (Pedro Dias e José Mattoso) se referirem ao mesmo território de forma diferente. Pedro Dias fala de “Bardês”, ao passo que José Mattoso escreve “Bardez”. Em último lugar, eu próprio fiquei indeciso (pelo que peço ajuda a quem me conseguir solucionar este problema), ao verificar que Elaine Sanceau refere o “Idalcão, filho do aventureiro turco-persa Yusuf Adil Khan”, enquanto que José Mattoso aborda um “Adil Khan, o sultão de Bijapur que os portugueses designavam por Hidalcão”.
1. Goa antes da chegada dos portugueses – excertos do livro “De Goa a Pangim – Memórias tangíveis da capital do Estado Português da Índia”, de Pedro Dias;
2. Descrição de Goa por dois quinhentistas;
3. Descrição da relação dos goeses com os portugueses no tempo, com base no livro de Elaine Sanceau, “Recortes de pequena história”;
4. Velhas Conquistas e Novas Conquistas, com base em excertos retirados excertos da obra “Património de origem portuguesa no mundo”, de José Mattoso;
5. Velha Goa;
6. Nova Goa ou Pangim
Chamo a atenção para o facto haver fotografias com comentários bastante extensos. Alerto também para o facto de os dois historiadores citados (Pedro Dias e José Mattoso) se referirem ao mesmo território de forma diferente. Pedro Dias fala de “Bardês”, ao passo que José Mattoso escreve “Bardez”. Em último lugar, eu próprio fiquei indeciso (pelo que peço ajuda a quem me conseguir solucionar este problema), ao verificar que Elaine Sanceau refere o “Idalcão, filho do aventureiro turco-persa Yusuf Adil Khan”, enquanto que José Mattoso aborda um “Adil Khan, o sultão de Bijapur que os portugueses designavam por Hidalcão”.
1. Goa antes da chegada dos portugueses – excertos do livro “De Goa a Pangim – Memórias tangíveis da capital do Estado Português da Índia”, de Pedro Dias;
2. Descrição de Goa por dois quinhentistas;
3. Descrição da relação dos goeses com os portugueses no tempo, com base no livro de Elaine Sanceau, “Recortes de pequena história”;
4. Velhas Conquistas e Novas Conquistas, com base em excertos retirados excertos da obra “Património de origem portuguesa no mundo”, de José Mattoso;
5. Velha Goa;
6. Nova Goa ou Pangim

Para a descrição da fotografia, recorro à imperdível obra de Pedro Dias, "De Goa a Pangim, Memórias tangíveis da Capital do estado Português da Índia".
Convento de Santo Agostinho - "Os Agostinhos tiveram na Índia o seu momento mais alto durante o tempo de D. Aleixo de Meneses, que pertencia a esta ordem. São do seu tempo os grandes edifícios que subsistem, no todo ou em parte, na cidade de Goa. O que resta hoje da igreja do Convento de Santo Agostinho é uma impressionante e vastíssima ruína, mas pode através dela perceber-se a grandiosidade que teve o complexo monástico e as dimensões excepcionais da sua formidável igreja da invocação de Nossa Senhora da Graça. (...) A fundação desta casa remonta ao ano de 1572, quando 12 religiosos, sob a direcção de frei António da Paixão levantaram as paredes de um primeiro mosteiro. Anos volvidos, em 1597, foi iniciado o definitivo, sob a invocação de Nossa Senhora da Graça, padroeira dos eremitas caçados de Santo Agostinho. (...)
Temos também a informação de que as paredes estavam parcialmente forradas com azulejos, cujas marcas são aliás bem visíveis em muitos pontos das ruínas, tendo sido aproveitados alguns para outras construções, podendo ver-se nomeadamente no frontal de altar da sacristia da Casa Professa do Bom Jesus. São claramente identificáveis como lisboetas, de tapete e rica policromia, feitos em meados do século XVIII. (...)
O Convento de Santo Agostinho tinha também uma zona comum, com amplos dormitórios, refeitório, hospedaria, enfermaria, etc., completando-se esta zona habitacional de vários andares com quatro capelas: a dos provinciais, a dos priores, a de Nossa Senhora do Rosário e a de Nossa Senhora da Assunção."
Convento de Santo Agostinho - "Os Agostinhos tiveram na Índia o seu momento mais alto durante o tempo de D. Aleixo de Meneses, que pertencia a esta ordem. São do seu tempo os grandes edifícios que subsistem, no todo ou em parte, na cidade de Goa. O que resta hoje da igreja do Convento de Santo Agostinho é uma impressionante e vastíssima ruína, mas pode através dela perceber-se a grandiosidade que teve o complexo monástico e as dimensões excepcionais da sua formidável igreja da invocação de Nossa Senhora da Graça. (...) A fundação desta casa remonta ao ano de 1572, quando 12 religiosos, sob a direcção de frei António da Paixão levantaram as paredes de um primeiro mosteiro. Anos volvidos, em 1597, foi iniciado o definitivo, sob a invocação de Nossa Senhora da Graça, padroeira dos eremitas caçados de Santo Agostinho. (...)
Temos também a informação de que as paredes estavam parcialmente forradas com azulejos, cujas marcas são aliás bem visíveis em muitos pontos das ruínas, tendo sido aproveitados alguns para outras construções, podendo ver-se nomeadamente no frontal de altar da sacristia da Casa Professa do Bom Jesus. São claramente identificáveis como lisboetas, de tapete e rica policromia, feitos em meados do século XVIII. (...)
O Convento de Santo Agostinho tinha também uma zona comum, com amplos dormitórios, refeitório, hospedaria, enfermaria, etc., completando-se esta zona habitacional de vários andares com quatro capelas: a dos provinciais, a dos priores, a de Nossa Senhora do Rosário e a de Nossa Senhora da Assunção."

Rio Mandovi
1. Goa antes da chegada dos portugueses – excertos do livro “De Goa a Pangim – Memórias tangíveis da capital do Estado Português da Índia”, de Pedro Dias
Cito, então, Pedro Dias:
“(…) a história de Goa não começou com a chegada dos Portugueses; a cidade tinha um passado rico e com algumas épocas de brilho, documentadas quer nas fontes orientais quer nas portuguesas, e também testemunháveis por vestígios arqueológicos. O mesmo se diga dos territórios de Salcete e Bardês, e também das chamas Novas Conquistas, incorporadas em pleno século XVIII. No século II da nossa Era, de quando datam as mais recuadas informações credíveis, a cidade ainda não era a mais importante da região, estando nessa altura, no tempo de domínio dos Bohojas, que governaram entre os séculos III e VI como feudatários dos imperadores Mauryas de Ptaliputra, no Norte da Índia, a capital era a actual vila de Chandor. Foi então que o Budismo foi introduzido no futuro território português, conservando-se algumas grutas com testemunhos desses tempos, como em Aravalém e Rivona. O declínio desta corrente e a emergência do Hinduísmo, com o predomínio da seita Shivaita, fez desaparecer estes santuários, usados a partir de então pela nova crença, construindo outros rupestres, como em Khandepar, na província de Pondá, e os templos de Divar, Chandranath, Bandorá, etc…
Mas Goa e a região envolvente não conheceram a paz por muito tempo. No século VII estava nas mãos dos Chalukyas de Badami, e integrada na província de Revatidvipa. Depois sucederam-lhes os Rashtrakutas, cerca de 753, cujo domínio se estendeu até 973. Período mais estável foi o seguinte, quando ficou cerca de cinco séculos sob a suserania dos Kadambas. Inicialmente com Shastadeva I a capital estava em Chandrapur, mas o rei seguinte, Jayakeshi, que conquistou todo o Concão, estabeleceu-se perto da cidade, em Goa-Velha, hoje uma pequena aldeia da Ilha de Tiswadi, então designada Gopakapattana. Foi um período em que se iniciaram contactos comerciais com terras distantes, com Zanzibar, o Guzarate, o Ceilão e Bengala. A Corte era budista, e só no século XII, com a pressão dos Lingayatas, é que o budismo e o jainismo foram relegados para um segundo plano.
Em 1311 Goa-a-Velha foi atacada pelos senhores de Delhi, ocorrendo novo assédio em 1327, altura em que se deram as primeiras destruições de templos hindus, como o que era dedicado a Shiva, e que estava localizado onde hoje está a igreja de Nossa Senhora da Piedade de Divar. De 1336 até 1470, o território ficou sob dominação de Vijayanagar, e foi anexada à província de Junnar. Depois o sultanado de Bahamani desintegrou-se, e Bijapur tomou conta da região, estabelecendo o poder regional em Goa, a nossa Velha-Goa, então designada por Ela, e que não se pode confundir com Goa-a-Velha, que já referimos várias vezes. Foi ao sultão de Bijapur, Yusuf Adil Khan, o Idalcão das nossas crónicas, que Afonso de Albuquerque conquistou a cidade e a Ilha de Tiswadi, em 1510. Tomé Pires, na Suma Oriental, escrita por 1512 ou 1513, dá-nos uma imagem da cidade que é fundamentalmente a da Goa pré-portuguesa, relevando a sua importância política e económica, o seu papel como centro comercial e as relações que mantinha com o Golfo Pérsico e com outros reinos hindustânicos. Era aos seus olhos uma presa apetecível para a nascente talassocracia lusa. Manifestava já a ideia de que era um lugar estratégico, com dois braços de mar, na verdade dois rios, a transformá-la numa ilha defensável. Os seus produtos agrícolas, do arroz ao betel, eram da melhor qualidade.”
Cito, então, Pedro Dias:
“(…) a história de Goa não começou com a chegada dos Portugueses; a cidade tinha um passado rico e com algumas épocas de brilho, documentadas quer nas fontes orientais quer nas portuguesas, e também testemunháveis por vestígios arqueológicos. O mesmo se diga dos territórios de Salcete e Bardês, e também das chamas Novas Conquistas, incorporadas em pleno século XVIII. No século II da nossa Era, de quando datam as mais recuadas informações credíveis, a cidade ainda não era a mais importante da região, estando nessa altura, no tempo de domínio dos Bohojas, que governaram entre os séculos III e VI como feudatários dos imperadores Mauryas de Ptaliputra, no Norte da Índia, a capital era a actual vila de Chandor. Foi então que o Budismo foi introduzido no futuro território português, conservando-se algumas grutas com testemunhos desses tempos, como em Aravalém e Rivona. O declínio desta corrente e a emergência do Hinduísmo, com o predomínio da seita Shivaita, fez desaparecer estes santuários, usados a partir de então pela nova crença, construindo outros rupestres, como em Khandepar, na província de Pondá, e os templos de Divar, Chandranath, Bandorá, etc…
Mas Goa e a região envolvente não conheceram a paz por muito tempo. No século VII estava nas mãos dos Chalukyas de Badami, e integrada na província de Revatidvipa. Depois sucederam-lhes os Rashtrakutas, cerca de 753, cujo domínio se estendeu até 973. Período mais estável foi o seguinte, quando ficou cerca de cinco séculos sob a suserania dos Kadambas. Inicialmente com Shastadeva I a capital estava em Chandrapur, mas o rei seguinte, Jayakeshi, que conquistou todo o Concão, estabeleceu-se perto da cidade, em Goa-Velha, hoje uma pequena aldeia da Ilha de Tiswadi, então designada Gopakapattana. Foi um período em que se iniciaram contactos comerciais com terras distantes, com Zanzibar, o Guzarate, o Ceilão e Bengala. A Corte era budista, e só no século XII, com a pressão dos Lingayatas, é que o budismo e o jainismo foram relegados para um segundo plano.
Em 1311 Goa-a-Velha foi atacada pelos senhores de Delhi, ocorrendo novo assédio em 1327, altura em que se deram as primeiras destruições de templos hindus, como o que era dedicado a Shiva, e que estava localizado onde hoje está a igreja de Nossa Senhora da Piedade de Divar. De 1336 até 1470, o território ficou sob dominação de Vijayanagar, e foi anexada à província de Junnar. Depois o sultanado de Bahamani desintegrou-se, e Bijapur tomou conta da região, estabelecendo o poder regional em Goa, a nossa Velha-Goa, então designada por Ela, e que não se pode confundir com Goa-a-Velha, que já referimos várias vezes. Foi ao sultão de Bijapur, Yusuf Adil Khan, o Idalcão das nossas crónicas, que Afonso de Albuquerque conquistou a cidade e a Ilha de Tiswadi, em 1510. Tomé Pires, na Suma Oriental, escrita por 1512 ou 1513, dá-nos uma imagem da cidade que é fundamentalmente a da Goa pré-portuguesa, relevando a sua importância política e económica, o seu papel como centro comercial e as relações que mantinha com o Golfo Pérsico e com outros reinos hindustânicos. Era aos seus olhos uma presa apetecível para a nascente talassocracia lusa. Manifestava já a ideia de que era um lugar estratégico, com dois braços de mar, na verdade dois rios, a transformá-la numa ilha defensável. Os seus produtos agrícolas, do arroz ao betel, eram da melhor qualidade.”

Basílica do Bom Jesus - A Companhia de Jesus chegou
a Goa em 1542, sendo sua figura mais relevante nestes primeiros tempos a de S. Francisco Xavier, considerado o
Apóstolo do Oriente pelo seu trabalho na evangelização da Ásia. Algum tempo
após sua chegada, os jesuítas criaram um centro educativo religioso, o Colégio
de São Paulo ou de São Roque, que contava com uma enorme biblioteca e
tipografia, mas este complexo foi destruído em 1830.
O grande monumento jesuítico que sobreviveu é a Basílica do Bom Jesus, começada em 1594 e sagrada em 1605, na qual trabalharam o engenheiro goês Júlio Simão e o jesuíta português Domingos Fernandes. Seguindo o modelo de igrejas jesuítas portuguesas como a Igreja do Espírito Santo de Évora e a Igreja de São Roque de Lisboa, Bom Jesus é um templo de nave única; esta é coberta por um forro curvo de madeira e não possui capelas laterais excepto por duas capelas na área do transepto.
A fachada da igreja, obra de Domingos Fernandes, é de estilo maneirista e tem três portais e três andares compartimentalizados por cornijas; sobre a fachada há um grande corpo cenográfico com frontão decorado por uma cartela com as armas da Companhia de Jesus e ladeado por volutas. O maior tesouro do interior da igreja é a capela do transepto onde se encontram, desde 1655, os restos de Francisco Xavier, numa urna de prata finamente trabalhada por artistas locais. A urna está localizada num mausoléu executado pelo artista florentino Giovanni Battista Foggini em 1697. Este monumento, em mármore italiano, foi oferecido pelo Grão-Duque da Toscana, Cosimo III Médici, e armado no local por um artista especialmente enviado, Placido Francesco Ramponi, chegado a Goa em 1698 com esse objectivo. Já a capela-mor possui um retábulo dourado, datado de c. 1699, dedicado ao Menino Jesus, com uma imagem de Inácio de Loiola, o fundador da Ordem.
Em 1946, tornou-se a primeira basílica da Índia. Nos dias actuais, ainda há peregrinações ao local, para visitas ao túmulo d'O Apóstolo do Oriente.
O grande monumento jesuítico que sobreviveu é a Basílica do Bom Jesus, começada em 1594 e sagrada em 1605, na qual trabalharam o engenheiro goês Júlio Simão e o jesuíta português Domingos Fernandes. Seguindo o modelo de igrejas jesuítas portuguesas como a Igreja do Espírito Santo de Évora e a Igreja de São Roque de Lisboa, Bom Jesus é um templo de nave única; esta é coberta por um forro curvo de madeira e não possui capelas laterais excepto por duas capelas na área do transepto.
A fachada da igreja, obra de Domingos Fernandes, é de estilo maneirista e tem três portais e três andares compartimentalizados por cornijas; sobre a fachada há um grande corpo cenográfico com frontão decorado por uma cartela com as armas da Companhia de Jesus e ladeado por volutas. O maior tesouro do interior da igreja é a capela do transepto onde se encontram, desde 1655, os restos de Francisco Xavier, numa urna de prata finamente trabalhada por artistas locais. A urna está localizada num mausoléu executado pelo artista florentino Giovanni Battista Foggini em 1697. Este monumento, em mármore italiano, foi oferecido pelo Grão-Duque da Toscana, Cosimo III Médici, e armado no local por um artista especialmente enviado, Placido Francesco Ramponi, chegado a Goa em 1698 com esse objectivo. Já a capela-mor possui um retábulo dourado, datado de c. 1699, dedicado ao Menino Jesus, com uma imagem de Inácio de Loiola, o fundador da Ordem.
Em 1946, tornou-se a primeira basílica da Índia. Nos dias actuais, ainda há peregrinações ao local, para visitas ao túmulo d'O Apóstolo do Oriente.
2. Descrição de Goa por dois quinhentistas
Tomé Pires e Duarte Barbosa ajudam-nos a perceber como era Goa, à chegada dos portugueses:
"Os gentios do reino de Goa são mais válidos que os do reino de Cambaia. Têm formosos templos seus neste reino, têm sacerdotes ou brâmanes de muitas maneiras. Há entre estes brâmanes gerações muito honradas deles, não comem coisa que tivesse sangue nem coisa feita por mão de outrem (…). As gentes do reino de Goa por nenhum tormento não confessarão coisa que façam. Sofrem grandemente e soem ser atormentados de diversos tormentos. Antes morrem que confessar o que determinaram calar. E as mulheres de Goa são jeitosas no vestir, as que dançam e volteiam o fazem com melhor maneira que todas as destas partes. (…) E costuma-se grandemente neste reino de Goa, toda mulher de gentio queimar-se por morte de seu marido. Entre si têm todos isto em apreço e os parentes dela ficam desonrados quando se não querem queimar e eles com admoestações as fazem queimar. As que de má mente recebem o sacrifício e as que de todo ponto não se queimam ficam públicas fornicárias e ganham para as despesas e fábricas dos templos donde são freguesas. Estes gentios têm cada um uma mulher por ordenança, e muitos brâmanes prometem castidade e sustêm-na sempre. Nos outros portos de Goa se carrega muito arroz, sal, bétele, areca." (A 'Suma Oriental' de Tomé Pires. Ed. Armando Cortesão, 1978. p. 212-218.)
Uma outra descrição coeva fornece maiores detalhes:
"[Goa] é habitada de muitos mouros honrados, muitos deles estrangeiros de muitas partidas. Eram homens brancos, entre os quais, além de muito ricos mercadores que aí havia, eram outros lavradores. A terra por ser muito bom porto, era de grande trato, onde vinham muitas naus de Meca e da cidade de Adem, Ormuz, de Cambaia e do Malabar (…). É a cidade mui grande, de boas casas, bem cercada de fortes muros, torres e cubelos; ao redor dela muitas hortas e pomares, com muitas formosas árvores e tanques de boa água com mesquitas e casas de oração de gentios. A terra é toda arredor muito aproveitada (…). Neste porto de Goa há grande trato de muitas mercadorias de todo o Malabar, Chaul e Dabul, do grande reino de Cambaia, que se gastam para a terra firme. Do reino de Ormuz vem aqui cada ano muitas naus carregadas de cavalos, os quais vêm aqui comprar muitas mercadorias do grande reino de Narsinga e Daquem, e compram cada um a duzentos e trezentos cruzados e segundo é, e vão-nos a vender aos reis e senhores aqui das suas terras, e, todos, uns e outros, ganham nisso muito e assim el-rei nosso senhor, que de cada cavalo tem quarenta cruzados de direitos." (Livro que dá relação do que viu e ouviu no Oriente Duarte Barbosa. Lisboa: Ed. Augusto Reis Machado, 1946. p. 89-91.)
Tomé Pires e Duarte Barbosa ajudam-nos a perceber como era Goa, à chegada dos portugueses:
"Os gentios do reino de Goa são mais válidos que os do reino de Cambaia. Têm formosos templos seus neste reino, têm sacerdotes ou brâmanes de muitas maneiras. Há entre estes brâmanes gerações muito honradas deles, não comem coisa que tivesse sangue nem coisa feita por mão de outrem (…). As gentes do reino de Goa por nenhum tormento não confessarão coisa que façam. Sofrem grandemente e soem ser atormentados de diversos tormentos. Antes morrem que confessar o que determinaram calar. E as mulheres de Goa são jeitosas no vestir, as que dançam e volteiam o fazem com melhor maneira que todas as destas partes. (…) E costuma-se grandemente neste reino de Goa, toda mulher de gentio queimar-se por morte de seu marido. Entre si têm todos isto em apreço e os parentes dela ficam desonrados quando se não querem queimar e eles com admoestações as fazem queimar. As que de má mente recebem o sacrifício e as que de todo ponto não se queimam ficam públicas fornicárias e ganham para as despesas e fábricas dos templos donde são freguesas. Estes gentios têm cada um uma mulher por ordenança, e muitos brâmanes prometem castidade e sustêm-na sempre. Nos outros portos de Goa se carrega muito arroz, sal, bétele, areca." (A 'Suma Oriental' de Tomé Pires. Ed. Armando Cortesão, 1978. p. 212-218.)
Uma outra descrição coeva fornece maiores detalhes:
"[Goa] é habitada de muitos mouros honrados, muitos deles estrangeiros de muitas partidas. Eram homens brancos, entre os quais, além de muito ricos mercadores que aí havia, eram outros lavradores. A terra por ser muito bom porto, era de grande trato, onde vinham muitas naus de Meca e da cidade de Adem, Ormuz, de Cambaia e do Malabar (…). É a cidade mui grande, de boas casas, bem cercada de fortes muros, torres e cubelos; ao redor dela muitas hortas e pomares, com muitas formosas árvores e tanques de boa água com mesquitas e casas de oração de gentios. A terra é toda arredor muito aproveitada (…). Neste porto de Goa há grande trato de muitas mercadorias de todo o Malabar, Chaul e Dabul, do grande reino de Cambaia, que se gastam para a terra firme. Do reino de Ormuz vem aqui cada ano muitas naus carregadas de cavalos, os quais vêm aqui comprar muitas mercadorias do grande reino de Narsinga e Daquem, e compram cada um a duzentos e trezentos cruzados e segundo é, e vão-nos a vender aos reis e senhores aqui das suas terras, e, todos, uns e outros, ganham nisso muito e assim el-rei nosso senhor, que de cada cavalo tem quarenta cruzados de direitos." (Livro que dá relação do que viu e ouviu no Oriente Duarte Barbosa. Lisboa: Ed. Augusto Reis Machado, 1946. p. 89-91.)

Igreja de Nossa Senhora do Rosário
3. Descrição da relação dos goeses com os portugueses no tempo, com base no livro de Elaine Sanceau, “Recortes de pequena história”
Elaine Sanceau, autora já muitas vezes citada nesta página, publicou o livro “Recortes de pequena história” em 1964, editado pela Livraria Civilização, três anos depois da queda de Goa. A história desse livro que agora transcrevo foi escrita pela autora inglesa no início de 1962:
“Não é só Portugal que está de luto nestes trágicos começos de 1962, mas todo o mundo civilizado – o mundo que já procurou em vão pôr cobro às ambições desmedidas dos fortes. Com a violação e aniquilamento da Índia Portuguesa, é mais uma luz que se extingue, mais um atentado brutal contra os valores espirituais, hoje em dia tão desfalcados.
Então não fizeram os hindus senão reconquistar o que há séculos perderam? – perguntam alguns, esquecidos da História. Perfeitamente falso! Goa não foi em tempo algum arrebatada pelos Portugueses aos naturais da terra. Muito pelo contrário! Goram os próprios Goeses que se lhes entregaram de braços abertos, pedindo para serem libertados do tirano estrangeiro que os oprimia. Quando, em Março de 1510, Albuquerque desembarcou em Goa, os habitantes vieram ao seu encontro com festas e flores.
A ocasião era favorável. Nessa altura o senhor de Goa – o Idalcão, filho do aventureiro turco-persa Yusuf Adil Khan, que se tornara todo-poderoso no reino do Decão – achava-se ausente a guerrear os vizinhos. As poucas tropas turcas que deixara de guarnição fugiram vendo aparecer os portugueses, de maneira que a ocupação fez-se quase sem resistência.
Como era de esperar, o Idalcão reagiu, voltando com o seu exército heterogéneo de mercenário recrutados entre todas as raças guerreiras do Médio Oriente muçulmano, para rechaçar os portugueses. Foi àqueles, e não aos naturais hindus, que Albuquerque conquistou Goa, em 25 de Novembro de 1510, tendo apenas 1681 homens para opor a forças dez vezes mais numerosas. Combateu, venceu, e então, sim, entrou à mão armada, e os Goeses vieram jubilosos ajudar a expulsar as odiadas tropas do tirano que os subjugara.
Desta maneira nasceu a Goa portuguesa, do valor luso e da vontade dos naturais. E Albuquerque, com as suas vistas de água, convencido de que <<tão nobre cidade ao diante seria tão grande cousa, se Nosso Senhor fosse servido, assentou em seu coração de nisso trabalhar com todas suas forças, que ficasse fixa pera sempre no senhorio de el-rei de Portugal>>. Com este fim de facto trabalhou, de corpo e alma, enquanto viveu, para melhorar e enobrecer Goa, onde fazia, diz o seu secretário Gaspar Correia acima citado, <<muytas e boas cousas, com homem que as fazia em cousa sua própria>>.
Elaine Sanceau, autora já muitas vezes citada nesta página, publicou o livro “Recortes de pequena história” em 1964, editado pela Livraria Civilização, três anos depois da queda de Goa. A história desse livro que agora transcrevo foi escrita pela autora inglesa no início de 1962:
“Não é só Portugal que está de luto nestes trágicos começos de 1962, mas todo o mundo civilizado – o mundo que já procurou em vão pôr cobro às ambições desmedidas dos fortes. Com a violação e aniquilamento da Índia Portuguesa, é mais uma luz que se extingue, mais um atentado brutal contra os valores espirituais, hoje em dia tão desfalcados.
Então não fizeram os hindus senão reconquistar o que há séculos perderam? – perguntam alguns, esquecidos da História. Perfeitamente falso! Goa não foi em tempo algum arrebatada pelos Portugueses aos naturais da terra. Muito pelo contrário! Goram os próprios Goeses que se lhes entregaram de braços abertos, pedindo para serem libertados do tirano estrangeiro que os oprimia. Quando, em Março de 1510, Albuquerque desembarcou em Goa, os habitantes vieram ao seu encontro com festas e flores.
A ocasião era favorável. Nessa altura o senhor de Goa – o Idalcão, filho do aventureiro turco-persa Yusuf Adil Khan, que se tornara todo-poderoso no reino do Decão – achava-se ausente a guerrear os vizinhos. As poucas tropas turcas que deixara de guarnição fugiram vendo aparecer os portugueses, de maneira que a ocupação fez-se quase sem resistência.
Como era de esperar, o Idalcão reagiu, voltando com o seu exército heterogéneo de mercenário recrutados entre todas as raças guerreiras do Médio Oriente muçulmano, para rechaçar os portugueses. Foi àqueles, e não aos naturais hindus, que Albuquerque conquistou Goa, em 25 de Novembro de 1510, tendo apenas 1681 homens para opor a forças dez vezes mais numerosas. Combateu, venceu, e então, sim, entrou à mão armada, e os Goeses vieram jubilosos ajudar a expulsar as odiadas tropas do tirano que os subjugara.
Desta maneira nasceu a Goa portuguesa, do valor luso e da vontade dos naturais. E Albuquerque, com as suas vistas de água, convencido de que <<tão nobre cidade ao diante seria tão grande cousa, se Nosso Senhor fosse servido, assentou em seu coração de nisso trabalhar com todas suas forças, que ficasse fixa pera sempre no senhorio de el-rei de Portugal>>. Com este fim de facto trabalhou, de corpo e alma, enquanto viveu, para melhorar e enobrecer Goa, onde fazia, diz o seu secretário Gaspar Correia acima citado, <<muytas e boas cousas, com homem que as fazia em cousa sua própria>>.
Não cuido somente da defesa militar de Goa fortificando-a de muros, ameias e castelos, dotando-a de arsenais e armamentos e estaleiros para construção de naus, mas providenciou para o bem-estar da vida civil. Fundou um hospital, escolas e igrejas, criou uma bolsa para meninos órfãos, distribuía rações a viúvas e pobres. Sempre – é ainda Gaspar Correia quem nos informa - <<desejava elle de fazer nobreza ao povo>>. Quitou-os também dos pesados direitos que lhes foram impostos pelos oficias do Idalcão. Os indígenas, vendo-se governados com uma justiça nunca dantes conhecida, adoravam o grande capitão.
A aspiração de Albuquerque era que Portugal estivesse em Goa para sempre. Por isso tratou de casar os seus homens com as raparigas da terra. Assim se iam fundindo as raças e os filhos destas uniões mistas formando o núcleo da Goa portuguesa. Junto dos naturais ficavam os lusos vivendo, trabalhando cada qual na sua arte pela prosperidade comum, criando os filhos no amor a Portugal.
Tal foi o sonho de Albuquerque para a sua Goa querida – a Goa tão amada que o herói, mesmo nas garras da morte, se ergueu para contemplá-la mais uma vez. Albuquerque, quando morreu, foi chorado e lamentado como nunca se ouviu fazer pranto por algum capitão.
Nos anos a seguir, apesar das invejas que aparecem sempre derredor de uma grande figura, a obra de Albuquerque não se perdeu. Goa foi-se tornando cada vez mais portuguesa, quando ao lado da mulher e mãe indiana veio colaborar a portuguesa nascida no reino. Consta dos documentos que já na segunda década depois da conquista, vinham com os homens para a Índia muitas esposas e filhas portuguesas. Para lá embarcavam também as <<órfãs>>, donzelas pobres bem-nascidas, que D. João III mandava para a Índia para casar e constituir família.
Desta maneira cresceu e desenvolveu-se uma sociedade multirracial, de cultura predominantemente portuguesa e cristã. Na bela e rica capital do Estado Português da Índia, ao lado da arquitectura frondosa dos antigos palácios hindus, viam-se as linhas mais sóbrias da Sé Catedral, igrejas e conventos católicos e boas casas manuelinas, assim como um hospital, que fazia a admiração do mundo, pela grandeza das suas instalações, a higiene e a limpeza que lá reinavam e o carinho com que eram tratados os doentes. Em Goa, administrada à portuguesa, viviam católicos e brâmanes em boas relações, ao passo que nas aldeias da terra firme circundante, o povo, gentio na sua maioria, era governado por regedores indígenas conforme seus usos e costumes.
Tal foi a obra cultural, firmada sobre os alicerces lançados pela mão forte de Albuquerque, espiritualizada pela doutrina de S. Francisco Xavier, que floresceu e perdurou, criando na Índia um rincão que era um mundo à parte – um Portugal orientalizado, um canto oriental feito português.
Isto durou 450 anos. Saudades de seus antigos governadores – os de antes de 1510 – o povo goês nunca sentira, pois eram estrangeiros que os tiranizavam. Não havia nenhuma tradição sentimental, nem razão histórica que os empurrasse para uma Índia continental – mero bloco geográfico de raças divergentes. Data de hoje esta espécie de megalomania que não tolera que uma pequena entidade conserve a sua existência independente ao lado de uma grande potência territorial, sem ser absorvida por esta – mesmo que tenha personalidade própria bem definida, mesmo que não queira unir-se ao gigante.
Assim a iniquidade consumou-se. Perdeu-se um baluarte do Ocidente – baluarte pequeno na verdade, mas sempre firme e forte.
Uma luz que se extinguiu – disse eu? Menti! A presença de Portugal em Goa há-de sobreviver ainda pelos séculos vindouros, queiram ou não os seus inimigos. Estes podem destruir e arrasar a obra material, mas Portugal criou em Goa uma alma distinta e diferente, e a alma é imortal.”
A aspiração de Albuquerque era que Portugal estivesse em Goa para sempre. Por isso tratou de casar os seus homens com as raparigas da terra. Assim se iam fundindo as raças e os filhos destas uniões mistas formando o núcleo da Goa portuguesa. Junto dos naturais ficavam os lusos vivendo, trabalhando cada qual na sua arte pela prosperidade comum, criando os filhos no amor a Portugal.
Tal foi o sonho de Albuquerque para a sua Goa querida – a Goa tão amada que o herói, mesmo nas garras da morte, se ergueu para contemplá-la mais uma vez. Albuquerque, quando morreu, foi chorado e lamentado como nunca se ouviu fazer pranto por algum capitão.
Nos anos a seguir, apesar das invejas que aparecem sempre derredor de uma grande figura, a obra de Albuquerque não se perdeu. Goa foi-se tornando cada vez mais portuguesa, quando ao lado da mulher e mãe indiana veio colaborar a portuguesa nascida no reino. Consta dos documentos que já na segunda década depois da conquista, vinham com os homens para a Índia muitas esposas e filhas portuguesas. Para lá embarcavam também as <<órfãs>>, donzelas pobres bem-nascidas, que D. João III mandava para a Índia para casar e constituir família.
Desta maneira cresceu e desenvolveu-se uma sociedade multirracial, de cultura predominantemente portuguesa e cristã. Na bela e rica capital do Estado Português da Índia, ao lado da arquitectura frondosa dos antigos palácios hindus, viam-se as linhas mais sóbrias da Sé Catedral, igrejas e conventos católicos e boas casas manuelinas, assim como um hospital, que fazia a admiração do mundo, pela grandeza das suas instalações, a higiene e a limpeza que lá reinavam e o carinho com que eram tratados os doentes. Em Goa, administrada à portuguesa, viviam católicos e brâmanes em boas relações, ao passo que nas aldeias da terra firme circundante, o povo, gentio na sua maioria, era governado por regedores indígenas conforme seus usos e costumes.
Tal foi a obra cultural, firmada sobre os alicerces lançados pela mão forte de Albuquerque, espiritualizada pela doutrina de S. Francisco Xavier, que floresceu e perdurou, criando na Índia um rincão que era um mundo à parte – um Portugal orientalizado, um canto oriental feito português.
Isto durou 450 anos. Saudades de seus antigos governadores – os de antes de 1510 – o povo goês nunca sentira, pois eram estrangeiros que os tiranizavam. Não havia nenhuma tradição sentimental, nem razão histórica que os empurrasse para uma Índia continental – mero bloco geográfico de raças divergentes. Data de hoje esta espécie de megalomania que não tolera que uma pequena entidade conserve a sua existência independente ao lado de uma grande potência territorial, sem ser absorvida por esta – mesmo que tenha personalidade própria bem definida, mesmo que não queira unir-se ao gigante.
Assim a iniquidade consumou-se. Perdeu-se um baluarte do Ocidente – baluarte pequeno na verdade, mas sempre firme e forte.
Uma luz que se extinguiu – disse eu? Menti! A presença de Portugal em Goa há-de sobreviver ainda pelos séculos vindouros, queiram ou não os seus inimigos. Estes podem destruir e arrasar a obra material, mas Portugal criou em Goa uma alma distinta e diferente, e a alma é imortal.”

Igreja do Convento de São Francisco de Assis - cito a obra "De Goa a Pangim, Memórias tangíveis da Capital do estado Português da Índia":
“O Convento de São Francisco de Assis da cidade de Goa foi fundado em 1518 por Frei António Louro, que chegou com mais oito franciscanos, com ordens explícitas do rei, para o governador Lopo Soares de Albergaria lhes facilitasse a acção missionária e a instalação. Assim, tão bem recomendados que vinham, Albergaria logo lhes cedeu umas casas que haviam pertencido ao falecido João Machado, e que ficavam exactamente onde ainda hoje se encontra o grande cruzeiro. As primeiras acomodações eram modestas, constituídas apenas por uma capela com três altares, um coro onde havia um órgão, e uma pequena sineira. Havia ainda uma sacristia, as celas respectivas, e a indispensável horta. Frei António Louro queixou-se na carta que mandou ao rei em 4 de Novembro de 1518 que não havia feito grande coisa, nem em Cochim nem em Goa, por desentendimentos com o governador, e aproveitava para pedir autorização para usar na construção as pedras aparelhadas de muito boa qualidade que pertenciam a um tempo hindu da ilha de Divar, que tinha sido destruído. Uma carta de frei António para D. Manuel I dá-nos preciosas informações sobre o andamento dos trabalhos e sobre as suas características.
(…)
Em 1548, quando visitado por São Francisco Xavier, o convento de São Francisco já albergava 40 frades. Porém o retábulo do altar-mor estava podre e quase destruído, pelo que os frades pediram um novo ao rei, juntamente com mais dois para a capela do cruzeiro, e outro para a sala capitular. A construção manuelina não resistiu ao passar dos anos, acabando a comunidade por tomar a iniciativa de a reedificar, tendo sido lançada a nova pedra em 1661."
“O Convento de São Francisco de Assis da cidade de Goa foi fundado em 1518 por Frei António Louro, que chegou com mais oito franciscanos, com ordens explícitas do rei, para o governador Lopo Soares de Albergaria lhes facilitasse a acção missionária e a instalação. Assim, tão bem recomendados que vinham, Albergaria logo lhes cedeu umas casas que haviam pertencido ao falecido João Machado, e que ficavam exactamente onde ainda hoje se encontra o grande cruzeiro. As primeiras acomodações eram modestas, constituídas apenas por uma capela com três altares, um coro onde havia um órgão, e uma pequena sineira. Havia ainda uma sacristia, as celas respectivas, e a indispensável horta. Frei António Louro queixou-se na carta que mandou ao rei em 4 de Novembro de 1518 que não havia feito grande coisa, nem em Cochim nem em Goa, por desentendimentos com o governador, e aproveitava para pedir autorização para usar na construção as pedras aparelhadas de muito boa qualidade que pertenciam a um tempo hindu da ilha de Divar, que tinha sido destruído. Uma carta de frei António para D. Manuel I dá-nos preciosas informações sobre o andamento dos trabalhos e sobre as suas características.
(…)
Em 1548, quando visitado por São Francisco Xavier, o convento de São Francisco já albergava 40 frades. Porém o retábulo do altar-mor estava podre e quase destruído, pelo que os frades pediram um novo ao rei, juntamente com mais dois para a capela do cruzeiro, e outro para a sala capitular. A construção manuelina não resistiu ao passar dos anos, acabando a comunidade por tomar a iniciativa de a reedificar, tendo sido lançada a nova pedra em 1661."

Mapa de Goa que delimita os territórios das Velhas Conquistas e das Novas conquistas
4. Velhas Conquistas e Novas Conquistas, com base em excertos retirados excertos da obra “Património de origem portuguesa no mundo”, de José Mattoso
Procurando explicar diferentes períodos da nossa instalação em de Goa, reproduzo excertos do já citado “Património de origem portuguesa no mundo”, de José Mattoso:
“1510-1595
A conquista da cidade de Goa, iniciada pelas forças de Afonso de Albuquerque em Fevereiro de 1510, só viria a tornar-se efectiva para a totalidade da Ilha de Tiswadi dois anos mais tarde, quando, após uma sucessão de campanhas militares, os portugueses se apossaram da fortaleza de Benasterim, aí edificando uma fortaleza que integrou a estrutura defensiva muçulmana pré-existente.
Por essa altura o sistema defensivo do território sob o domínio português consistia basicamente em duas zonas fortificadas: por um lado, o perímetro amuralhado da cidade e a fortaleza local, que foram recponstruídos e posteriormente reforçados; por outro, as muralhas e baluartes da Ilha de Tiswadi, que procuram defender os passos das incursões das forças de Adil Khan, o sultão de Bijapur que os portugueses designavam por Hidalcão.
O complexo defensivo da Ilha de Tiswadi, que logo nos primeiros anos constava, no dizer de António Real, capitão de Cochim, de um total de cinco fortalezas, guarnecidas com um efectivo de cerca de seiscentos homens, apoiados por mil peões da terra e cem homens a cavalo, haveria ainda de crescer ao longo dos anos que se seguiram. Por outro lado, foram ainda construídas em Salcete e Bardez duas fortalezas com o intuito de formarem uma primeira linha defensiva contra os ataques da terra firme. Com efeito, por volta de 1535 foi edificada a fortaleza de São João de Rachol e, mais tarde, em 1551, iniciada a dos Reis Magos, o que permitiu aos portugueses consolidarem a sua presença tanto nas terras de Salcete como em Bardez.
(…)
Procurando explicar diferentes períodos da nossa instalação em de Goa, reproduzo excertos do já citado “Património de origem portuguesa no mundo”, de José Mattoso:
“1510-1595
A conquista da cidade de Goa, iniciada pelas forças de Afonso de Albuquerque em Fevereiro de 1510, só viria a tornar-se efectiva para a totalidade da Ilha de Tiswadi dois anos mais tarde, quando, após uma sucessão de campanhas militares, os portugueses se apossaram da fortaleza de Benasterim, aí edificando uma fortaleza que integrou a estrutura defensiva muçulmana pré-existente.
Por essa altura o sistema defensivo do território sob o domínio português consistia basicamente em duas zonas fortificadas: por um lado, o perímetro amuralhado da cidade e a fortaleza local, que foram recponstruídos e posteriormente reforçados; por outro, as muralhas e baluartes da Ilha de Tiswadi, que procuram defender os passos das incursões das forças de Adil Khan, o sultão de Bijapur que os portugueses designavam por Hidalcão.
O complexo defensivo da Ilha de Tiswadi, que logo nos primeiros anos constava, no dizer de António Real, capitão de Cochim, de um total de cinco fortalezas, guarnecidas com um efectivo de cerca de seiscentos homens, apoiados por mil peões da terra e cem homens a cavalo, haveria ainda de crescer ao longo dos anos que se seguiram. Por outro lado, foram ainda construídas em Salcete e Bardez duas fortalezas com o intuito de formarem uma primeira linha defensiva contra os ataques da terra firme. Com efeito, por volta de 1535 foi edificada a fortaleza de São João de Rachol e, mais tarde, em 1551, iniciada a dos Reis Magos, o que permitiu aos portugueses consolidarem a sua presença tanto nas terras de Salcete como em Bardez.
(…)
Igreja de Nossa Senhora da Divina Providência, também chamada de São Caetano
1596-1666
A entrada em cena dos holandeses no Índico obrigou as autoridades portuguesas a repensar a sua estratégia defensiva relativamente à cidade de Goa e à Ilha de Tiswadi. O principal perigo para os interesses da coroa portuguesa vinha agora do mar e não da terra firme, razão pela qual se afigurava prioritário assegurar a defesa das barras do Zuari e do Mandovi, bem como da Costa de Bardez que, pela sua configuração, se revelava mais atreita a ataques anfíbios. Por outro lado, as relações com o sultão de Bijapur, que até aí haviam sido marcadas por conflitos sucessivos, viriam durante o século XVII a pautar-se por um relacionamento mais pacífico. Na verdade, com excepção de dois momentos ocorridos em 1654 e 1659, em que as forças de Bijapur invadiram os territórios de Bardez e Salcete, a centúria ficou marcada por uma menor conflitualidade entre as duas potências. As suas preocupações estavam agora centradas numa nova e muito mais perigosa ameaça, dada a emergência dos novos potentados militares do Decão, a saber, os mongóis e, mais tarde, a partir da segunda metade do século XVII, os maratas.
Em resultado da mudança do quadro político-militar ocorrida em torno do território de Goa, as embocaduras do Mandovi e do Zuari foram amplamente fortificadas, assistindo-se à construção de novas estruturas e à reforma de outras já existentes. Assim, na costa de Bardez foi construído o Forte de Aguada e reforçou-se o dos Reis Magos, enquanto na margem fronteira se melhorou o Passo de Pangim e se iniciou a construção do Forte de Gaspar Dias, com o objectivo de cruzar fogos com a posição dos Reis Magos. De acordo com António Bocarro, existia ainda um baluarte para a defesa do Ribandar, no qual foram feitos significativos trabalhos de reparação durante o governo do Conde de Linhares. Na barra do Zuari, não só foi iniciada a construção do Forte de Mormugão, mas também foram construídos dois baluartes na base do morro, junto do Convento de Nossa Senhora do Cabo. Próximo destes baluartes, concluídos em 1626, foi depois construída uma plataforma junto à água, para aí ser colocada uma bateria de artilharia. Estas estruturas defensivas viriam a revelar-se decisivas para impedir a entrada das inúmeras esquadras holandesas que, sobretudo no primeiro terço de Seiscentos, procuraram, através do bloqueio das suas barras, conquistar a capital do Estado da Índia.
1667-1790
A ascensão do reino marata sob Shivaji Maharaj (1630-1680) causou grande impacto por todo o subcontinente indiano. Pela primeira vez após a destruição de Vijayanagar (1565), um soberano hindu impunha-se ao domínio islâmico, estabelecendo o seu poder sobre uma ampla base territorial. O epicentro do poder marata localizava-se perto da Província do Norte, mas bem cedo os seus exércitos alcançaram as fronteiras de Goa, seguindo-se um longo período de conflitos. Este teve dois momentos fulcrais: as invasões de Goa de 1682 e de 1739-1741. Durante estas duas campanhas, a presença portuguesa em Goa esteve muito perto de ser aniquilada. Contudo, as autoridades do Estado da Índia beneficiaram da guerra entre os maratas e o império mogol, conflito que sabiamente alimentaram e geriram. Os portugueses apoiaram ainda a sublevação dos clãs maratas dos bhonsles, na fronteira de Goa.
As primeiras incursões maratas na província de Bardez, ocorridas em 1667-1668, tiveram como consequência imediata a edificação do Forte de São Francisco Xavier na zona mais elevada da Ilha de Juá (Santo Estêvão). No contexto da campanha de Sambhaji, de 1683, o vice-rei Francisco de Távora ordenou o reforço das defesas de nordeste de Bardez, tendo sido edificado o Forte do Meio, entre as posições de Colvale e Tivim, e ainda a fortificação de Assunção, a sul de Tivim. Todas estas posições foram unidas por uma muralha com fosso, procurando assim completar artificialmente a insularidade da província de Bardez, projecto de datava de inícios do século XVII. Também se reformou a fortaleza de Rachol, em Salcete.
(…)
Em 1739-1741, ocorreu novo ataque dos maratas e dos bhonsles a Goa, colocando o território português – reduzido practicamente à Ilha de Tiswadi – numa situação muito precária. Contudo, a partir de 1741, os portugueses responderam com um movimento militar de consolidação e expansão territorial, começando pela reconquista das províncias de Bardez e Salcete. Lentamente, conseguiram expandir o território de Goa até ao Gates, numa série de campanhas e batalhas entre 1741 e 1790. A história dessas campanhas é longa e complexa, mas pode-se traçar os seus momentos cruciais: a batalha de Alorna, em 1746, consolidou a segurança das terras de Bardez e levou à rápida conquista de Bicholim e Tiracol, para além de outras posições, algumas das quais foram mais tarde perdidas; a batalha de Madranagor, em 1763, conduziu à incorporação definitiva da cidade e terras de Pindá; finalmente, o tratado de 1788 cedeu aos portugueses a província de Perném. Especialmente no último quartel do século XVIII, com o enfraquecimento dos maratas e dos clãs de bhonsles, as fronteiras de Goa estabilizaram ao longo da cordilheira do Gates e entre Tiracol e Canácona ao longo da costa – apesar de os portugueses terem ocupado locais estratégicos mais a norte e a sul dessas posições. Consequentemente, o território goês triplicou em extensão com a inclusão das denominadas Novas Conquistas.
Algumas das fortificações tomadas pelos portugueses durante este período – tanto aos maratas como aos bhonsles, como ainda ao rei de Sunda – foram reaproveitados com maiores ou menores alterações. Tanto em Alorna como em Tiracol e Cabo de Rama, permanecem importantes vestígios deste período. A maior parte das fortificações, no entanto, foi demolida ou desapareceu.
1971-1961
A consolidação do território goês após a campanha das Novas Conquistas conincidiu com o fim da ameaça marata e a imposição da Pax Britannica na Índia. Estes dois factos, e ainda a situação estagnada da economia de Goa, levaram a que a maior parte das posições defensivas do seu território fossem abandonadas ou descuradas. A presença de tropas inglesas no contexto das guerras napoleónicas veio reavivar os Fortes de Aguada, Mormugão e de Nossa Senhora do Cabo. Posteriormente, estas três posições fortificadas permaneceram praticamente como as únicas com guarnições e artilharia efectivas, sendo que a partir delas se efectuava sinalização luminosa para as embarcações e comunicações através do sistema de telégrafos de bandeiras. (…)
Durante a primeira metade do século XX, as únicas iniciativas com impacto na defesa do território relacionaram-se com infraestruturas viárias e comunicações. Com a independência da Índia em 1947, a defesa de Goa voltou a preocupar a administração portuguesa. Contudo, as medidas tomadas entre esta data e 1961 – entre as quais a construção de um aeroporto em 1955 – não tiveram nenhuma relevância aquando da anexação do território pela União Indiana.
A entrada em cena dos holandeses no Índico obrigou as autoridades portuguesas a repensar a sua estratégia defensiva relativamente à cidade de Goa e à Ilha de Tiswadi. O principal perigo para os interesses da coroa portuguesa vinha agora do mar e não da terra firme, razão pela qual se afigurava prioritário assegurar a defesa das barras do Zuari e do Mandovi, bem como da Costa de Bardez que, pela sua configuração, se revelava mais atreita a ataques anfíbios. Por outro lado, as relações com o sultão de Bijapur, que até aí haviam sido marcadas por conflitos sucessivos, viriam durante o século XVII a pautar-se por um relacionamento mais pacífico. Na verdade, com excepção de dois momentos ocorridos em 1654 e 1659, em que as forças de Bijapur invadiram os territórios de Bardez e Salcete, a centúria ficou marcada por uma menor conflitualidade entre as duas potências. As suas preocupações estavam agora centradas numa nova e muito mais perigosa ameaça, dada a emergência dos novos potentados militares do Decão, a saber, os mongóis e, mais tarde, a partir da segunda metade do século XVII, os maratas.
Em resultado da mudança do quadro político-militar ocorrida em torno do território de Goa, as embocaduras do Mandovi e do Zuari foram amplamente fortificadas, assistindo-se à construção de novas estruturas e à reforma de outras já existentes. Assim, na costa de Bardez foi construído o Forte de Aguada e reforçou-se o dos Reis Magos, enquanto na margem fronteira se melhorou o Passo de Pangim e se iniciou a construção do Forte de Gaspar Dias, com o objectivo de cruzar fogos com a posição dos Reis Magos. De acordo com António Bocarro, existia ainda um baluarte para a defesa do Ribandar, no qual foram feitos significativos trabalhos de reparação durante o governo do Conde de Linhares. Na barra do Zuari, não só foi iniciada a construção do Forte de Mormugão, mas também foram construídos dois baluartes na base do morro, junto do Convento de Nossa Senhora do Cabo. Próximo destes baluartes, concluídos em 1626, foi depois construída uma plataforma junto à água, para aí ser colocada uma bateria de artilharia. Estas estruturas defensivas viriam a revelar-se decisivas para impedir a entrada das inúmeras esquadras holandesas que, sobretudo no primeiro terço de Seiscentos, procuraram, através do bloqueio das suas barras, conquistar a capital do Estado da Índia.
1667-1790
A ascensão do reino marata sob Shivaji Maharaj (1630-1680) causou grande impacto por todo o subcontinente indiano. Pela primeira vez após a destruição de Vijayanagar (1565), um soberano hindu impunha-se ao domínio islâmico, estabelecendo o seu poder sobre uma ampla base territorial. O epicentro do poder marata localizava-se perto da Província do Norte, mas bem cedo os seus exércitos alcançaram as fronteiras de Goa, seguindo-se um longo período de conflitos. Este teve dois momentos fulcrais: as invasões de Goa de 1682 e de 1739-1741. Durante estas duas campanhas, a presença portuguesa em Goa esteve muito perto de ser aniquilada. Contudo, as autoridades do Estado da Índia beneficiaram da guerra entre os maratas e o império mogol, conflito que sabiamente alimentaram e geriram. Os portugueses apoiaram ainda a sublevação dos clãs maratas dos bhonsles, na fronteira de Goa.
As primeiras incursões maratas na província de Bardez, ocorridas em 1667-1668, tiveram como consequência imediata a edificação do Forte de São Francisco Xavier na zona mais elevada da Ilha de Juá (Santo Estêvão). No contexto da campanha de Sambhaji, de 1683, o vice-rei Francisco de Távora ordenou o reforço das defesas de nordeste de Bardez, tendo sido edificado o Forte do Meio, entre as posições de Colvale e Tivim, e ainda a fortificação de Assunção, a sul de Tivim. Todas estas posições foram unidas por uma muralha com fosso, procurando assim completar artificialmente a insularidade da província de Bardez, projecto de datava de inícios do século XVII. Também se reformou a fortaleza de Rachol, em Salcete.
(…)
Em 1739-1741, ocorreu novo ataque dos maratas e dos bhonsles a Goa, colocando o território português – reduzido practicamente à Ilha de Tiswadi – numa situação muito precária. Contudo, a partir de 1741, os portugueses responderam com um movimento militar de consolidação e expansão territorial, começando pela reconquista das províncias de Bardez e Salcete. Lentamente, conseguiram expandir o território de Goa até ao Gates, numa série de campanhas e batalhas entre 1741 e 1790. A história dessas campanhas é longa e complexa, mas pode-se traçar os seus momentos cruciais: a batalha de Alorna, em 1746, consolidou a segurança das terras de Bardez e levou à rápida conquista de Bicholim e Tiracol, para além de outras posições, algumas das quais foram mais tarde perdidas; a batalha de Madranagor, em 1763, conduziu à incorporação definitiva da cidade e terras de Pindá; finalmente, o tratado de 1788 cedeu aos portugueses a província de Perném. Especialmente no último quartel do século XVIII, com o enfraquecimento dos maratas e dos clãs de bhonsles, as fronteiras de Goa estabilizaram ao longo da cordilheira do Gates e entre Tiracol e Canácona ao longo da costa – apesar de os portugueses terem ocupado locais estratégicos mais a norte e a sul dessas posições. Consequentemente, o território goês triplicou em extensão com a inclusão das denominadas Novas Conquistas.
Algumas das fortificações tomadas pelos portugueses durante este período – tanto aos maratas como aos bhonsles, como ainda ao rei de Sunda – foram reaproveitados com maiores ou menores alterações. Tanto em Alorna como em Tiracol e Cabo de Rama, permanecem importantes vestígios deste período. A maior parte das fortificações, no entanto, foi demolida ou desapareceu.
1971-1961
A consolidação do território goês após a campanha das Novas Conquistas conincidiu com o fim da ameaça marata e a imposição da Pax Britannica na Índia. Estes dois factos, e ainda a situação estagnada da economia de Goa, levaram a que a maior parte das posições defensivas do seu território fossem abandonadas ou descuradas. A presença de tropas inglesas no contexto das guerras napoleónicas veio reavivar os Fortes de Aguada, Mormugão e de Nossa Senhora do Cabo. Posteriormente, estas três posições fortificadas permaneceram praticamente como as únicas com guarnições e artilharia efectivas, sendo que a partir delas se efectuava sinalização luminosa para as embarcações e comunicações através do sistema de telégrafos de bandeiras. (…)
Durante a primeira metade do século XX, as únicas iniciativas com impacto na defesa do território relacionaram-se com infraestruturas viárias e comunicações. Com a independência da Índia em 1947, a defesa de Goa voltou a preocupar a administração portuguesa. Contudo, as medidas tomadas entre esta data e 1961 – entre as quais a construção de um aeroporto em 1955 – não tiveram nenhuma relevância aquando da anexação do território pela União Indiana.

Igreja de Santa Catarina
5. Velha Goa
Goa Velha é uma cidade histórica no estado indiano de Goa, no distrito de Goa Norte. A cidade foi construída no Sultanato Bijapur no século XV, e serviu como capital da Índia Portuguesa a partir do século XVI até ao seu abandono no século XVIII. A parte habitada da cidade hoje possui uma população estimada em pouco mais de 5 mil habitantes.
História
A cidade de Velha Goa foi fundada no século XV pelos governantes muçulmanos do Sultanato de Bijapur como um porto às margens do rio Mandovi. A povoação foi tomada em 1510 por Afonso de Albuquerque, Governador da Índia, permanecendo quase continuamente sob domínio português até o século XX.
Missionários jesuítas, franciscanos e de outras ordens religiosas estabeleceram-se em Goa já no século XVI, utilizada como centro para a difusão do catolicismo na Índia. Os colonizadores foram inicialmente tolerantes ao hinduísmo e outras religiões, mas a partir de 1560 a difusão do catolicismo foi reforçada pela chegada da Inquisição a Goa, muito temida no seu tempo. Os séculos XVI e XVII foram a época áurea de Goa, que comandou um comércio florescente e chegou a ter privilégios administrativos semelhantes aos de Lisboa. Nos dois primeiros séculos de presença portuguesa foram erguidas a maioria das igrejas e conventos que ainda hoje povoam a cidade, motivo de admiração dos viajantes que passavam por Goa. Estes monumentos reflectem o intercâmbio cultural entre portugueses e indianos: enquanto as formas arquitectónicas seguem os cânones europeus, a decoração interna de altares, retábulos, pinturas e mobiliário reflectem a mão-de-obra dos artistas locais. Isso foi possível pela grande tradição escultória dos artistas indianos da região de Goa, que não fizeram com que fosse necessária a importação a grande escala de mão-de-obra artística, tal como ocorreu no Brasil.
A partir de finais do século XVII, a concorrência comercial com holandeses e britânicos levou à decadência económica de Goa Velha, ao mesmo tempo que o Brasil passou a ser a colónia mais importante para Portugal. Além disso, várias epidemias assolaram a cidade, e o porto do rio Mandovi passou a ser inadequado para os navios mais modernos. O vice-rei mudou-se para Pangim (Nova Goa) em 1759, e Velha Goa perdeu o status de capital oficialmente em 1843.
Já no século XX, após vários anos de hostilidades e relações diplomáticas, as tropas indianas invadiram e anexaram Goa e as regiões circundantes à Índia, terminando séculos de presença portuguesa no sub-continente. A influência cultural, porém, continua até os dias de hoje e é evidente nos monumentos religiosos de Goa, declarados Património da Humanidade pela UNESCO em 1986.
São de Velha Goa os seguintes monumentos, alguns já vistos em fotografias anteriores:
- Convento de Santo Agostinho;
- Igreja do Bom Jesus;
- Igreja de Nossa Senhora do Rosário;
- Igreja de São Francisco de Assis;
- Sé Catedral de Santa Catarina (diferente da Igreja de Santa Catarina, cuja fotografia vem adiante);
- Igreja da Divina Providência (São Caetano)
Goa Velha é uma cidade histórica no estado indiano de Goa, no distrito de Goa Norte. A cidade foi construída no Sultanato Bijapur no século XV, e serviu como capital da Índia Portuguesa a partir do século XVI até ao seu abandono no século XVIII. A parte habitada da cidade hoje possui uma população estimada em pouco mais de 5 mil habitantes.
História
A cidade de Velha Goa foi fundada no século XV pelos governantes muçulmanos do Sultanato de Bijapur como um porto às margens do rio Mandovi. A povoação foi tomada em 1510 por Afonso de Albuquerque, Governador da Índia, permanecendo quase continuamente sob domínio português até o século XX.
Missionários jesuítas, franciscanos e de outras ordens religiosas estabeleceram-se em Goa já no século XVI, utilizada como centro para a difusão do catolicismo na Índia. Os colonizadores foram inicialmente tolerantes ao hinduísmo e outras religiões, mas a partir de 1560 a difusão do catolicismo foi reforçada pela chegada da Inquisição a Goa, muito temida no seu tempo. Os séculos XVI e XVII foram a época áurea de Goa, que comandou um comércio florescente e chegou a ter privilégios administrativos semelhantes aos de Lisboa. Nos dois primeiros séculos de presença portuguesa foram erguidas a maioria das igrejas e conventos que ainda hoje povoam a cidade, motivo de admiração dos viajantes que passavam por Goa. Estes monumentos reflectem o intercâmbio cultural entre portugueses e indianos: enquanto as formas arquitectónicas seguem os cânones europeus, a decoração interna de altares, retábulos, pinturas e mobiliário reflectem a mão-de-obra dos artistas locais. Isso foi possível pela grande tradição escultória dos artistas indianos da região de Goa, que não fizeram com que fosse necessária a importação a grande escala de mão-de-obra artística, tal como ocorreu no Brasil.
A partir de finais do século XVII, a concorrência comercial com holandeses e britânicos levou à decadência económica de Goa Velha, ao mesmo tempo que o Brasil passou a ser a colónia mais importante para Portugal. Além disso, várias epidemias assolaram a cidade, e o porto do rio Mandovi passou a ser inadequado para os navios mais modernos. O vice-rei mudou-se para Pangim (Nova Goa) em 1759, e Velha Goa perdeu o status de capital oficialmente em 1843.
Já no século XX, após vários anos de hostilidades e relações diplomáticas, as tropas indianas invadiram e anexaram Goa e as regiões circundantes à Índia, terminando séculos de presença portuguesa no sub-continente. A influência cultural, porém, continua até os dias de hoje e é evidente nos monumentos religiosos de Goa, declarados Património da Humanidade pela UNESCO em 1986.
São de Velha Goa os seguintes monumentos, alguns já vistos em fotografias anteriores:
- Convento de Santo Agostinho;
- Igreja do Bom Jesus;
- Igreja de Nossa Senhora do Rosário;
- Igreja de São Francisco de Assis;
- Sé Catedral de Santa Catarina (diferente da Igreja de Santa Catarina, cuja fotografia vem adiante);
- Igreja da Divina Providência (São Caetano)
6. Nova Goa ou Pangim
Cidade, capital do Estado da Índia. Na ilha de Goa, do lado Norte à distância de 5 milhas da foz do rio Mandovi e na sua margem esquerda, estende-se ao longo dela sobre uma faixa de terra o bairro principal da capital da Índia portuguesa, que se denominava antigamente Pangim, e ainda hoje é conhecida por este nome. Do lado Este, correndo de Norte para Sul, fica o pitoresco bairro das Fontainhas. Pangim era um bairro da aldeia de Taleigão, primitivamente habitação das famílias dos pilotos da barra de Goa e de pescadores, tendo apenas de notável a fortaleza do Idalcão, que foi mandada transformar em palácio pelo Vice-Rei, Conde da Ega, que nela começou a residir em 1 de Dezembro de 1759, como recorda a seguinte inscrição que se lê sobre a porta do lado do Mandovi:
REGE FIDILISSIMO JOSEFO
PRIMO PRO REGE COMITE AB EGA
SENATUS EX INFORMI
FORMAVIT – 1760
Era na fortaleza do Idalcão que os vice-reis se alojavam na sua chegada à índia, desembarcando em Pangim, depois do que mandavam avisar o vice-rei que vinham substituir. A primitiva capital do Estado da Índia foi a velha cidade de Goa, na ilha de Tissuary, a que comummente chamam Goa, do nome da cidade, antiga capital da província. Em meados do século XVII viu-se a cidade de Goa a braços com uma terrível epidemia, e recrudescendo esta nos princípios do século XVIII o próprio vice-rei tentou transferir a capital para Mormugão, onde começaram os trabalhos de construção de nova cidade.
Os proprietários que tinham casas na capital mudaram as suas residências para as ilhas mais próximas, cuidando, todavia, dos seus prédios que tinham na capital, mas apenas se deu começo à edificação da nova cidade, abandonaram-nos completamente. Despenderam-se mais de 150 contos com as construções em Mormugão, onde, além do palácio do governo e do hospital, não se fizeram obras que habilitassem o governo a mudar para lá a capital.
Entretanto, as casas e os edifícios abandonados da velha cidade foram caindo sucessivamente, até o belo e rico hospital, o melhor do mundo, foi abandonado, sendo transferido para Panchim e em 1841 para Pangim. A despovoação da cidade principiou pela insalubridade do local, procedente de causas desconhecidas. Progrediu pela saída ou mudança de residência dos governadores. O Conde da Ega mudou-se para Panchim, e D. José Pedro da Câmara para o Passo e forte de Pangim. Antes da monção de 1774, o brigadeiro Henriques Carlos Henriques veio a Portugal, em consequência de ordens da corte, e queixou-se do governador D. João José de Melo, e parece que inculpou os governadores de terem saído da cidade e de concorrerem com o seu exemplo para a despovoação. E já a esse tempo as principais famílias tinham saído também, edificando em diferentes aldeias excelentes casas e abandonando as que tinham na cidade. Ordenou-se ao governador a residência na cidade; que curasse da sua reedificação e convidasse as famílias dispersas a que voltassem à cidade antes que as suas casas se arruinassem de todo; e o brigadeiro foi especialmente encarregado de inspeccionar a reedificação. O governador ficou em Pangim, e ordenou às câmaras agrárias que edificassem casas na cidade para as darem de arrendamento. Gastaram-se 800 mil pardáos.
Estes edifícios em 1798 já estavam em princípio de ruína, e em 1803 estavam completamente arruinados, e os interessados das províncias perderam os 800 mil pardáos.
Cidade, capital do Estado da Índia. Na ilha de Goa, do lado Norte à distância de 5 milhas da foz do rio Mandovi e na sua margem esquerda, estende-se ao longo dela sobre uma faixa de terra o bairro principal da capital da Índia portuguesa, que se denominava antigamente Pangim, e ainda hoje é conhecida por este nome. Do lado Este, correndo de Norte para Sul, fica o pitoresco bairro das Fontainhas. Pangim era um bairro da aldeia de Taleigão, primitivamente habitação das famílias dos pilotos da barra de Goa e de pescadores, tendo apenas de notável a fortaleza do Idalcão, que foi mandada transformar em palácio pelo Vice-Rei, Conde da Ega, que nela começou a residir em 1 de Dezembro de 1759, como recorda a seguinte inscrição que se lê sobre a porta do lado do Mandovi:
REGE FIDILISSIMO JOSEFO
PRIMO PRO REGE COMITE AB EGA
SENATUS EX INFORMI
FORMAVIT – 1760
Era na fortaleza do Idalcão que os vice-reis se alojavam na sua chegada à índia, desembarcando em Pangim, depois do que mandavam avisar o vice-rei que vinham substituir. A primitiva capital do Estado da Índia foi a velha cidade de Goa, na ilha de Tissuary, a que comummente chamam Goa, do nome da cidade, antiga capital da província. Em meados do século XVII viu-se a cidade de Goa a braços com uma terrível epidemia, e recrudescendo esta nos princípios do século XVIII o próprio vice-rei tentou transferir a capital para Mormugão, onde começaram os trabalhos de construção de nova cidade.
Os proprietários que tinham casas na capital mudaram as suas residências para as ilhas mais próximas, cuidando, todavia, dos seus prédios que tinham na capital, mas apenas se deu começo à edificação da nova cidade, abandonaram-nos completamente. Despenderam-se mais de 150 contos com as construções em Mormugão, onde, além do palácio do governo e do hospital, não se fizeram obras que habilitassem o governo a mudar para lá a capital.
Entretanto, as casas e os edifícios abandonados da velha cidade foram caindo sucessivamente, até o belo e rico hospital, o melhor do mundo, foi abandonado, sendo transferido para Panchim e em 1841 para Pangim. A despovoação da cidade principiou pela insalubridade do local, procedente de causas desconhecidas. Progrediu pela saída ou mudança de residência dos governadores. O Conde da Ega mudou-se para Panchim, e D. José Pedro da Câmara para o Passo e forte de Pangim. Antes da monção de 1774, o brigadeiro Henriques Carlos Henriques veio a Portugal, em consequência de ordens da corte, e queixou-se do governador D. João José de Melo, e parece que inculpou os governadores de terem saído da cidade e de concorrerem com o seu exemplo para a despovoação. E já a esse tempo as principais famílias tinham saído também, edificando em diferentes aldeias excelentes casas e abandonando as que tinham na cidade. Ordenou-se ao governador a residência na cidade; que curasse da sua reedificação e convidasse as famílias dispersas a que voltassem à cidade antes que as suas casas se arruinassem de todo; e o brigadeiro foi especialmente encarregado de inspeccionar a reedificação. O governador ficou em Pangim, e ordenou às câmaras agrárias que edificassem casas na cidade para as darem de arrendamento. Gastaram-se 800 mil pardáos.
Estes edifícios em 1798 já estavam em princípio de ruína, e em 1803 estavam completamente arruinados, e os interessados das províncias perderam os 800 mil pardáos.
Igreja de Nossa senhora do Rosário
Pangim tinha de notável apenas a fortaleza do Idalcão. Em 1591 tinha mais a igreja sob o título de ermida e invocação de N. Sr.ª da Conceição e o Colégio de S. Tomás, fundado em 1584.
Durante o governo do conde de Linhares (1629 a 1635) foi construída a grande ponte que liga Pangim a Ribandar. Esta ponte tem 44 arcos e mede aproximadamente três mil metros de comprimento. Pangim não passou de solitária habitação dos governadores, de alguns fidalgos e tropa, sendo o resto composto de pescadores e alfaiates.
Só em 1811 é que começou a mudar de face este lugarejo, cheio de palhotas e palmares, com a transferência para o seu seio da alfândega principal. Este facto chamou os habitantes estranhos, que então mudaram de hábitos e costumes. À alfândega seguiu-se a contadoria, comprando-se o edifício para esse fim por 19.400 xerafins. Foi o bastante para Pangim ser elevada à categoria de vila.
Os seus principais melhoramentos devem-se ao vice-rei D. Manuel de Portugal e Castro, que governou desde 1827 a 1835, o qual mandou alargar as ruas, aterrar os pântanos, construir o edifício da alfandega, o grande quartel militar e o campo para passeio público, denominado D. Manuel, por portaria de 4 de Abril de 1840, em honra daquele vice-rei. Os seus sucessores Ferreira Pestana, conde de Torres Novas, visconde de Ourém, conde de S. Januário e Caetano de Albuquerque, seguindo-lhe o exemplo, fizeram também grandes melhoramentos, tornando Pangim uma formosa cidade.
Pangim foi elevada a cidade e a capital da Índia portuguesa, com o nome de Nova Goa, pelo conde das Antas, por alvará de 22 de Março de 1843.
Conforme este alvará, a cidade de Nova Goa compreende nos seus limites todo o litoral da margem esquerda do rio Mandovi, desde a foz do mesmo rio até à ponte de Daugim, dividido em três bairros que são: 1.º bairro de Pangim, desde a ponte de Santa Inês até à cruz da ponte que vai de Pangim a Ribandar, tendo do lado da terra por limites os portais das Fontainhas; 2.º bairro de Ribandar, desde a cruz da mesma ponte até à Igreja de S. Pedro, limitado do lado da terra pelos portais de Chimbel; 3.º bairro de Goa, desde a referida Igreja de S. Pedro até à da Madre de Deus de Daugim, tendo por limites do lado da terra os muros e porta restante da antiga cidade.
Durante o governo do conde de Linhares (1629 a 1635) foi construída a grande ponte que liga Pangim a Ribandar. Esta ponte tem 44 arcos e mede aproximadamente três mil metros de comprimento. Pangim não passou de solitária habitação dos governadores, de alguns fidalgos e tropa, sendo o resto composto de pescadores e alfaiates.
Só em 1811 é que começou a mudar de face este lugarejo, cheio de palhotas e palmares, com a transferência para o seu seio da alfândega principal. Este facto chamou os habitantes estranhos, que então mudaram de hábitos e costumes. À alfândega seguiu-se a contadoria, comprando-se o edifício para esse fim por 19.400 xerafins. Foi o bastante para Pangim ser elevada à categoria de vila.
Os seus principais melhoramentos devem-se ao vice-rei D. Manuel de Portugal e Castro, que governou desde 1827 a 1835, o qual mandou alargar as ruas, aterrar os pântanos, construir o edifício da alfandega, o grande quartel militar e o campo para passeio público, denominado D. Manuel, por portaria de 4 de Abril de 1840, em honra daquele vice-rei. Os seus sucessores Ferreira Pestana, conde de Torres Novas, visconde de Ourém, conde de S. Januário e Caetano de Albuquerque, seguindo-lhe o exemplo, fizeram também grandes melhoramentos, tornando Pangim uma formosa cidade.
Pangim foi elevada a cidade e a capital da Índia portuguesa, com o nome de Nova Goa, pelo conde das Antas, por alvará de 22 de Março de 1843.
Conforme este alvará, a cidade de Nova Goa compreende nos seus limites todo o litoral da margem esquerda do rio Mandovi, desde a foz do mesmo rio até à ponte de Daugim, dividido em três bairros que são: 1.º bairro de Pangim, desde a ponte de Santa Inês até à cruz da ponte que vai de Pangim a Ribandar, tendo do lado da terra por limites os portais das Fontainhas; 2.º bairro de Ribandar, desde a cruz da mesma ponte até à Igreja de S. Pedro, limitado do lado da terra pelos portais de Chimbel; 3.º bairro de Goa, desde a referida Igreja de S. Pedro até à da Madre de Deus de Daugim, tendo por limites do lado da terra os muros e porta restante da antiga cidade.
Desta adoptou Nova Goa o brasão de armas, que é em escudo de sangue um castelo branco, sobre as ameias uma roda de navalhas e na parte superior de tudo uma mitra.
Os edifícios mais notáveis de Nova Goa são o palácio do governo, edifício do correio e obras públicas, repartição de fazenda e tesouraria geral, relação, alfandega, e o grande quartel militar, no qual se acha alojado o batalhão de infantaria. No mesmo edifício está instalado também o Liceu Nacional, a escola normal para ambos os sexos, a imprensa nacional, biblioteca pública e o depósito do material de guerra. Há ainda o hospital militar, a escola médica, os paços do concelho e o novo quartel da companhia de polícia. O quartel da bateria de artilhara é propriedade particular, tendo sido pouco a pouco adaptado ao fim a que é destinado. Sobre a porta principal do grande quartel militar, denominado “Quartel de Artilharia” por ter estado nele aquartelado o extinto batalhão de artilharia, acha-se a seguinte legenda:
NÃO VOS HÃO DE FALTAR GENTE FAMOSA
HONRA, VALOR E FAMA GLORIOSA
NO BOM E FELIZ GOVERNO DO ILL.mo E EX.mo SR.
D. MANUEL. DE PORTUGAL E CASTRO,
VICE-REI DA INDIA
ANNO DE 1832
ARTILHERIA DE GÔA
Defronte deste quartel, ao centro do largo Afonso de Albuquerque, está o monumento levantado ao conquistador da Índia. A estátua deste herói, que do Arco dos Vice Reis, tinha sido transferida para o frontispício do recolhimento da Serra com o abatimento deste edifício, foi recolhida e mandou-se construir o monumento para a colocar, por pedidos de Lagrange Monteiro de Barbuda, secretário-geral do governo. A solenidade e o acto da abertura do alicerce do monumento teve lugar em 17 de Fevereiro de 1843, a que assistiu o conde das Antas, então Governador-Geral, e a inauguração da estátua realizou-se a 29 de Outubro de 1847, estando presente o Governador-Geral Ferreira Pestana.
Além dos edifícios mencionados, existe à distância de 7 quilómetros da capital o pitoresco palácio do Cabo, destinado para fruição dos governadores-gerais, por decreto de 19 de Junho de 1866. Este palácio era o antigo convento dos Capuchos, conhecido pelo nome de Nossa Senhora do Cabo, onde os antigos vice-reis e arcebispos de Goa iam passar alguns dias nas estações calmosas. Foi neste convento que esteve preso o vice-rei Conde do Rio Pardo, deposto pela primeira junta provisional, por se negar a proclamar a constituição decretada por D. Pedro IV por não estar a isso autorizado pelo governo da metrópole e não ter conhecimento oficial da mesma proclamação.
Os edifícios mais notáveis de Nova Goa são o palácio do governo, edifício do correio e obras públicas, repartição de fazenda e tesouraria geral, relação, alfandega, e o grande quartel militar, no qual se acha alojado o batalhão de infantaria. No mesmo edifício está instalado também o Liceu Nacional, a escola normal para ambos os sexos, a imprensa nacional, biblioteca pública e o depósito do material de guerra. Há ainda o hospital militar, a escola médica, os paços do concelho e o novo quartel da companhia de polícia. O quartel da bateria de artilhara é propriedade particular, tendo sido pouco a pouco adaptado ao fim a que é destinado. Sobre a porta principal do grande quartel militar, denominado “Quartel de Artilharia” por ter estado nele aquartelado o extinto batalhão de artilharia, acha-se a seguinte legenda:
NÃO VOS HÃO DE FALTAR GENTE FAMOSA
HONRA, VALOR E FAMA GLORIOSA
NO BOM E FELIZ GOVERNO DO ILL.mo E EX.mo SR.
D. MANUEL. DE PORTUGAL E CASTRO,
VICE-REI DA INDIA
ANNO DE 1832
ARTILHERIA DE GÔA
Defronte deste quartel, ao centro do largo Afonso de Albuquerque, está o monumento levantado ao conquistador da Índia. A estátua deste herói, que do Arco dos Vice Reis, tinha sido transferida para o frontispício do recolhimento da Serra com o abatimento deste edifício, foi recolhida e mandou-se construir o monumento para a colocar, por pedidos de Lagrange Monteiro de Barbuda, secretário-geral do governo. A solenidade e o acto da abertura do alicerce do monumento teve lugar em 17 de Fevereiro de 1843, a que assistiu o conde das Antas, então Governador-Geral, e a inauguração da estátua realizou-se a 29 de Outubro de 1847, estando presente o Governador-Geral Ferreira Pestana.
Além dos edifícios mencionados, existe à distância de 7 quilómetros da capital o pitoresco palácio do Cabo, destinado para fruição dos governadores-gerais, por decreto de 19 de Junho de 1866. Este palácio era o antigo convento dos Capuchos, conhecido pelo nome de Nossa Senhora do Cabo, onde os antigos vice-reis e arcebispos de Goa iam passar alguns dias nas estações calmosas. Foi neste convento que esteve preso o vice-rei Conde do Rio Pardo, deposto pela primeira junta provisional, por se negar a proclamar a constituição decretada por D. Pedro IV por não estar a isso autorizado pelo governo da metrópole e não ter conhecimento oficial da mesma proclamação.
A 1 quilómetro da capital está situado, no planalto da Conceição, o excelente paço arquiepiscopal, sem dúvida o melhor edifício de Nova Goa, inaugurado em Dezembro de 1894. A sua construção foi autorizada por portaria de 17 de Janeiro de 1889, pela quantia de 90 mil rupias. Próximo deste edifício e à distância de cem passos está o observatório meteorológico de Nova Goa, estabelecido por portarias provinciais de 17 de Agosto de 1857 e 30 de Junho de 1859. Os paços do concelho foram mandados construir em 1858, pela quantia de 38.764 xerafins, 4 tangas e 43 réis. A sua construção foi iniciada em 1859 e concluída em 1859, data em que o respectivo edifício da velha cidade já estava em ruínas. A quinta parte do edifício pertence à câmara agrária das Ilhas, à qual a câmara municipal pediu o seu auxílio para os poder concluir, pois que não tinha capital para a sua conclusão.
Nova Goa é sede do arcebispado, cujo prelado tem o título de “Patriarca das Índias Orientais”; da relação, que abrange as comarcas do Estado da Índia e da província de Macau e Timor; da comarca das Ilhas e do concelho. É residência do governador-geral e do patriarca. Há em Nova Goa uma escola médico-cirúrgica, um hospital, vasto quartel, alfândega, liceu, paço arquiepiscopal, repartição de obras públicas, palácio do governo, escolas portuguesas, muçulmanas e hindus, biblioteca e imprensa do governo, observatório e farolim; e estação postal permutando vales do correio com a metrópole.

No contexto da descolonização, após os Ingleses terem deixado a Índia (1947) e os Franceses Pondicherry (1954), o governo português, liderado por António de Oliveira Salazar, recusou-se a negociar com a Índia. Por essa razão, de 18 para 19 de Dezembro de 1961 uma força indiana de 40.000 soldados conquistou Goa, encontrando pouca resistência. À época, o Conselho de Segurança da ONU considerou uma resolução que condenava a invasão, o que foi vetado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A maioria das nações reconheceram a acção da Índia, mas Portugal apenas a reconheceu após a revolução de Abril 1974.
7. Diu

1. Introdução
Valendo pelos seus espantosos edifícios, pelas suas magníficas Igrejas, pela imponente fortaleza, pelas pessoas cujo olhar retribui em igual grau a nossa curiosidade, Diu vale, sobretudo, pelo que ali se passou.
Para se entender integralmente Diu, é necessário ler dois textos da secção “Descobridores, heróis e as suas histórias” relativos aos dois cercos que os mouros impuseram a esta cidade. Saber os feitos heróicos que, no século XVI tiveram lugar, permite recuperar o que, hoje, só se vê em ruínas.
Valendo pelos seus espantosos edifícios, pelas suas magníficas Igrejas, pela imponente fortaleza, pelas pessoas cujo olhar retribui em igual grau a nossa curiosidade, Diu vale, sobretudo, pelo que ali se passou.
Para se entender integralmente Diu, é necessário ler dois textos da secção “Descobridores, heróis e as suas histórias” relativos aos dois cercos que os mouros impuseram a esta cidade. Saber os feitos heróicos que, no século XVI tiveram lugar, permite recuperar o que, hoje, só se vê em ruínas.
De facto, o que lá está ainda deixa antever a história, porque ainda há muitas partes bem conservadas. As muralhas, recuperadas ao longo dos anos, ainda nos impressionam pela sua solidez, apesar de todas as guerras que viram passar.
Muito do património de Diu precisa de urgnete recuperação. Por exemplo, na Igreja de S. Tomé, hoje transformada em museu, existem dezenas de estátuas antigas e pedras que pedem por um tratamento mais cuidado do que estarem abandonadas no chão, a desfazerem-se com os dejectos dos pombos que nidificam no interior no edifício.
Muito do património de Diu precisa de urgnete recuperação. Por exemplo, na Igreja de S. Tomé, hoje transformada em museu, existem dezenas de estátuas antigas e pedras que pedem por um tratamento mais cuidado do que estarem abandonadas no chão, a desfazerem-se com os dejectos dos pombos que nidificam no interior no edifício.
Documento histórico importantíssimo que passa despercebido no meio dos tesouros que jazem abandonados no museu é a pedra gravada que assinala a morte do filho de D. João de Castro, D. Fernando de Castro. Num museu de Lisboa, estes tesouros permitiriam uma exposição única. Ali, parecem esquecidos no chão de pedra.
Por tudo isto, e para procurar alertar os interessados, mais uma vez cito José Mattoso, no seu "Património de Origem Portuguesa no Mundo":
Por tudo isto, e para procurar alertar os interessados, mais uma vez cito José Mattoso, no seu "Património de Origem Portuguesa no Mundo":
2. “Enquadramento histórico e Urbanismo
Em 3 de Fevereiro de 1509 travou-se na barra de Diu, em plena costa do reino ou sultanado do Gujarate – ou de Cambaia, como os portugueses o designavam – a mais importante batalha naval da história da presença portuguesa no Oriente, pois atribuiu-lhes o domínio do Índico durante tempo suficiente para estabelecerem o que veio a ser o Estado da Índia. Comandados pelo Vice-rei Francisco de Almeida, os portugueses destruíram uma frota comandada por Mir Hussein (Hussein Al Kurdi) e composta por forças do sultanado mameluco do Cairo e Alexandria, mercenários rumes e efectivos do samorim de Calecute do sultão de Gujarate, estes armados por Meliqueaz (Malik Aiyaz), antigo escravo tártaro que era o governante de Diu e, assim, vassalo daquele sultão. A coligação inimiga, que há pouco mais de um ano patrulhava o Índico de forma a contrariar os propósitos portugueses e assim proteger os interesses mercantis muçulmanos, contava ainda com o apoio das repúblicas (católicas) adriáticas de Veneza e Ragusa.
Paradoxalmente, pelo menos para a historiografia tradicional, esse marco estratégico na história da presença portuguesa no Oriente tem sido essencialmente assumido como resultado de uma mera vingança pessoal do comandante português pela morte do seu filho, Lourenço de Almeida, um ano antes, no encontro naval entre as mesmas armadas frente a Chaul, cujo resultado foi desastroso para os portugueses, asserção essa que é suportada por factos e fontes credíveis. Na realidade foi o seu último acto digno de nota enquanto vice-rei, aliás produzido em desobediência, pois já recebera ordens expressas do rei para entregar o governo a Afonso de Albuquerque. Foi, porém, uma acção coerente com as estratégias que definira, de mero domínio dos mares e combate às redes mercantis estrangeiras visando substituí-las sem desígnios de soberania sob os governos autóctones. Os feitos imediatos de Afonso de Albuquerque em Goa (1510) e Malaca (1511) não teriam sido possíveis sem a destruição desta primeira frota de coligação muçulmana, com um mal disfarçado apoio das repúblicas mercantis do Adriático.
Em 3 de Fevereiro de 1509 travou-se na barra de Diu, em plena costa do reino ou sultanado do Gujarate – ou de Cambaia, como os portugueses o designavam – a mais importante batalha naval da história da presença portuguesa no Oriente, pois atribuiu-lhes o domínio do Índico durante tempo suficiente para estabelecerem o que veio a ser o Estado da Índia. Comandados pelo Vice-rei Francisco de Almeida, os portugueses destruíram uma frota comandada por Mir Hussein (Hussein Al Kurdi) e composta por forças do sultanado mameluco do Cairo e Alexandria, mercenários rumes e efectivos do samorim de Calecute do sultão de Gujarate, estes armados por Meliqueaz (Malik Aiyaz), antigo escravo tártaro que era o governante de Diu e, assim, vassalo daquele sultão. A coligação inimiga, que há pouco mais de um ano patrulhava o Índico de forma a contrariar os propósitos portugueses e assim proteger os interesses mercantis muçulmanos, contava ainda com o apoio das repúblicas (católicas) adriáticas de Veneza e Ragusa.
Paradoxalmente, pelo menos para a historiografia tradicional, esse marco estratégico na história da presença portuguesa no Oriente tem sido essencialmente assumido como resultado de uma mera vingança pessoal do comandante português pela morte do seu filho, Lourenço de Almeida, um ano antes, no encontro naval entre as mesmas armadas frente a Chaul, cujo resultado foi desastroso para os portugueses, asserção essa que é suportada por factos e fontes credíveis. Na realidade foi o seu último acto digno de nota enquanto vice-rei, aliás produzido em desobediência, pois já recebera ordens expressas do rei para entregar o governo a Afonso de Albuquerque. Foi, porém, uma acção coerente com as estratégias que definira, de mero domínio dos mares e combate às redes mercantis estrangeiras visando substituí-las sem desígnios de soberania sob os governos autóctones. Os feitos imediatos de Afonso de Albuquerque em Goa (1510) e Malaca (1511) não teriam sido possíveis sem a destruição desta primeira frota de coligação muçulmana, com um mal disfarçado apoio das repúblicas mercantis do Adriático.
No estabelecimento e estruturação de uma rede de portos no Índico os oponentes eram, de facto, os muçulmanos e Diu era nisso um porto chave. Situada no extremo da península de Katiavar, na confluência de territórios e de culturas diversas, era central em relação aos fluxos comerciais entre o Golfo Pérsico, o Mar Vermelho e todo o Hindustão, com especial destaque para a sua posição como ponto de acesso aos ricos portos do Golfo de Cambaia. Era ainda importante a sua fácil articulação náutica com a costa oriental africana. Excelentes condições naturais coroavam a sua posição geográfica. Com efeito, Diu sendo uma ilha separada do território continental gujarati por um canal apenas navegável na entrada oriental, determinou que a urbe e sistema fortificado se desenvolvessem nesse extremo da ilha, aliás de forma afilada e algo alcantilada. Diu significa “luz”.
Apesar da estrondosa vitória, o domínio sobre o local não foi imediato. Os ensaios de conquista de Afonso de Albuquerque, em 1513, e de Diogo Lopes de Sequeira, em 1521, falharam. Pelo meio ficou a autorização, obtida por Albuquerque em 1514, para a instalação de uma feitoria, que funcionou com enorme rendimento precisamente até àquela última tentativa. O controlo do Golfo Pérsico e do Mar Vermelho tardava e uma instalação mais sólida no litoral hindustânico de soberania muçulmana foi gradual e apenas assumidamente pretendida com a governação territorializante de Nuno da Cunha (1529-1538). Favoreceu-o a pressão exercida pelo Império Mogol sobre o Gujarate, que permitiu a ocupação dos territórios de Baçaim em Dezembro de 1534 e, em Setembro seguinte, a autorização para uma instalação efectiva em Diu, especificamente através da célere conformação de uma fortaleza no extremo nascente da ilha. O sultão gujarati, Bahadur, sofrera uma pesada derrota e refugiara-se com a sua corte em Diu, solicitando aos portugueses apoio para a defesa, pois o ataque mogol era eminente. Tal como em Baçaim, o comando operacional foi de Martim Afonso de Sousa.
Por estas razões, os estatutos de cedência de Baçaim e de Diu são muito diversos, e deram origem a situações urbanas necessariamente muito diferentes. Do ponto de vista político-administrativo, Diu surgiu como uma espécie de protecturado português de uma pequena porção do sultanado gujarati, que acabaria por ir integrando toda a ilha, a sua população e, ainda, uma ínfima porção do território mais próximo no continente. O resultado imediato foi uma partilha de poder entre o rei local, que se manteve soberano sobre o território continental e o Estado da Índia, que almejava tutelar a soberania dos mares e o comércio nas portas do Golfo de Cambaia. Ao invés de outras instalações como Baçaim ou Goa, à instalação de Diu nunca esteve subjacente qualquer desígnio de controlo e expansão territorial, de senhorialização e rendimento fundiário. A instalação era de controlo militar, marítimo e comercial, no que aliás cedo fraquejou, pois os portugueses nunca lograram controlar o Golfo de Cambaia – nem mesmo com a ocupação de Damão em 1559 – e os muçulmanos desenvolveram alternativas. Sob o domínio português, Diu exportava essencialmente a produção própria, pois do continente pouco ali passou a afluir.
Porém, o entendimento do sultão sobre o negócio que fizera era bastante diferente do dos portugueses e uma vez afastada, no imediato, a ameaça mogol e formada a fortaleza, tentou livrar-se dos portugueses, o que lhe valeu a morte em Fevereiro de 1537, ou melhor, o assassinato, pois tratou-se de um acidente simulado. Mas de novo se formava uma armada turca e mameluca a partir do Cairo e ao longo do Suez para dar combate aos portugueses, sendo Diu o objectivo concreto e imediato de ataque. Mais uma vez, estavam coordenados com a resistência local gujarati. Os portugueses reforçaram o dispositivo defensivo, preparando-se para um cerco. Coube a António da Silveira comandar a defesa do cerco, instalado em Agosto de 1538. Os gujaratis ocuparam então a cidade, obrigando os portugueses a confiar-se à fortaleza. A esquadra turca desembarcou um mês depois. Tudo parecia perdido, mas a estrutura defensiva aguentou e em 5 de Novembro os turcos levantaram ferro e os gujaratis o cerco.

Rapariga de 14 anos a trabalhar no Bairro dos Baneanes
Em 1546 a história repetiu-se, sendo que desta vez o ataque apanhou de surpresa as duas centenas de portugueses colocados em Diu. O infernal cerco durou de 21 de Abril a 11 de Novembro, atravessando toda a monção, o que impedia o socorro português, que necessariamente tinha de chegar por mar. Os sitiante contaram com a colaboração de mercenários italianos, designadamente engenheiros militares, e lograram romper a cortina defensiva, dando azo a combates corpo a corpo. De facto, mais uma vez tudo pareceu perdido, mas finda a monção, a chegada do Vice-rei D. João de Castro com reforços resolveu o cerco numa semana. Ambas as vitórias foram amplamente celebradas e deram origem a um gradual aumento de soberania portuguesa sobre a ilha. Por exemplo, em 1554 passaram a arrecadar todas as receitas da alfândega, em vez do terço que haviam negociado anteriormente. Claro que a oportunidade foi determinada por mais um facto local que gerou uma grande convulsão no Gujarate: a morte do sultão Mahmuid III. De 1570 a 1574 os portugueses intervieram na muralha urbana, o que significa a assunção do controlo global da cidade, então e sempre de uma forma razoavelmente cordata, respeitando princípios de identidade e liberdade religiosa de uma forma sem paralelo em qualquer outra posição no Hindustão.
3. Arquitectura religiosa
Compreensivelmente, e evangelização foi sempre mais difícil e menos bem sucedida em territórios de predominância islâmica, mesmo quando a tolerância se logrou instalar, como é o caso de Diu. Com o fim da soberania portuguesa em 1961 e, assim, com a saída dos já poucos portugueses que ali permaneciam em serviço, essa comunidade está reduzida a um número ínfimo, o que leva a que apenas um dos conjuntos, São Paulo, mantenha o culto religioso como paroquial e a sua escola, aliás frequentada por crianças e adolescentes de diversas confissões, tendo as demais sido adaptadas a outros usos.
(…)
Compreensivelmente, e evangelização foi sempre mais difícil e menos bem sucedida em territórios de predominância islâmica, mesmo quando a tolerância se logrou instalar, como é o caso de Diu. Com o fim da soberania portuguesa em 1961 e, assim, com a saída dos já poucos portugueses que ali permaneciam em serviço, essa comunidade está reduzida a um número ínfimo, o que leva a que apenas um dos conjuntos, São Paulo, mantenha o culto religioso como paroquial e a sua escola, aliás frequentada por crianças e adolescentes de diversas confissões, tendo as demais sido adaptadas a outros usos.
(…)
Igreja de São Tomé
A igreja de São Tomé foi construída extra-muros em 1598 por ordem do arcebispo Frei Aleixo de Menezes, devendo funcionar como paroquial da cidade. Implantada sobre uma colina isolada, com a capela-mor orientada a poente (como todas as igrejas de Diu), tem uma frontaria virada para o mar, impondo-se como o elemento edificado de maior impacto paisagístico da cidade, depois da fortaleza, claro. Impõe-se pela escala das suas duas torres da frontaria, rematadas por uma estrutura decorativa que contrasta com a fachada da nave, quase sem ornamentação. São uma espécie de estrelas de sineira, prolongamento do paramento fronteiro de cada uma das torres, funcionando como simulação de remate em calote esférica, falsa por conseguinte.
É particularmente relevante o facto de a cobertura da nave denunciar no exterior a abóbada, com um extradorso visível e cintado, todo ele caiado. É uma solução que, além de São Tiago, faz lembrar igrejas que se encontram no Coromandel, designadamente as ligadas aos locais de martírio e sepultamento do orago, São Tomé, em Meliapor (Madras), embora aqui o lançamento vertical seja muito superior, longe do atarracamento daqueles modelos. Mas na realidade é uma solução que se encontra em todas as Igrejas existentes em Diu e que, por certo, encontrará justificação e origem mais óbvia em tradições construtivas e expressivas locais. Por exemplo, as coberturas em telha são quase inexistentes, imperando as coberturas em terraço.
Volumetricamente, a igreja de São Tomé surge assim como uma arca, apenas ultrapassada pelas torres e por uma coluna de claro sabor islâmico, que irrompe a meio da frontaria sobre o arco, aliás igual às que rematam as torres. Para quem se aproxima da ilha por leste, sobrepõem-se à fortaleza como uma espécie de remate e farol de alvura conspícua. O interior é absolutamente despojado, para o que contribui o facto de já não ter culto. Funciona desde 1904 como museu arqueológico, onde estão recolhidos múltiplos elementos arquitectónicos e lápides de edifícios relevantes que têm vindo a desaparecer na cidade.
É particularmente relevante o facto de a cobertura da nave denunciar no exterior a abóbada, com um extradorso visível e cintado, todo ele caiado. É uma solução que, além de São Tiago, faz lembrar igrejas que se encontram no Coromandel, designadamente as ligadas aos locais de martírio e sepultamento do orago, São Tomé, em Meliapor (Madras), embora aqui o lançamento vertical seja muito superior, longe do atarracamento daqueles modelos. Mas na realidade é uma solução que se encontra em todas as Igrejas existentes em Diu e que, por certo, encontrará justificação e origem mais óbvia em tradições construtivas e expressivas locais. Por exemplo, as coberturas em telha são quase inexistentes, imperando as coberturas em terraço.
Volumetricamente, a igreja de São Tomé surge assim como uma arca, apenas ultrapassada pelas torres e por uma coluna de claro sabor islâmico, que irrompe a meio da frontaria sobre o arco, aliás igual às que rematam as torres. Para quem se aproxima da ilha por leste, sobrepõem-se à fortaleza como uma espécie de remate e farol de alvura conspícua. O interior é absolutamente despojado, para o que contribui o facto de já não ter culto. Funciona desde 1904 como museu arqueológico, onde estão recolhidos múltiplos elementos arquitectónicos e lápides de edifícios relevantes que têm vindo a desaparecer na cidade.
8. Chaul
a) Abordagem histórica e geral

Em Março de 1508, o porto e o mar ao largo de Chaul foram palco de uma das mais referidas batalhas navais da presença portuguesa na Ásia: a Batalha de Chaul, primeira derrota naval portuguesa na Ásia. Uma pequena frota foi surpreendida pela frota islâmica comandada por Mir Hussein e armada por Meliqueaz (Malik Aiyaz), o governante de Diu. Tratava‐se de uma unidade fortíssima, composta e armada pela conjugação de esforços do sultanato mameluco do Cairo e Alexandria, de mercenários rumes (turcos), do Samorim de Calecute, de Veneza, entre outros.
O comandante português, D. Lourenço de Almeida, filho do primeiro vice‐rei, D. Francisco de Almeida, morreu com a destruição do seu navio na barra de Chaul, ao bater em retirada. Jogava‐se então o tudo por tudo para o domínio dos mares da Índia, entre os portugueses recém‐chegados e o status quo mercantil muçulmano suportado pelo império otomano, pois era através dele que as mercadorias do Oriente chegavam à Europa.
A retaliação não se fez esperar, aqui assumidamente com um carácter de vingança pessoal. Naquela que é considerada a mais emblemática batalha da Marinha Portuguesa, a 3 de Fevereiro de 1509, a armada portuguesa comandada pelo próprio D. Francisco de Almeida desfez a frota do Samorim de Calecute, arrasou a cidade de Dabul e destruiu a armada islâmica ao largo de Diu, instalando um patamar de domínio português nos mares da Índia por algumas décadas, ainda que continuassem a ser frequentes os encontros com armadas turcas. Na ida forçou o feudatário de Chaul, vassalo do sultanato de Ahmednagar, a tornar‐se vassalo do rei de Portugal, pagando um tributo regular em troca de apoio na luta contra o sultanato de Bijapur.
O comandante português, D. Lourenço de Almeida, filho do primeiro vice‐rei, D. Francisco de Almeida, morreu com a destruição do seu navio na barra de Chaul, ao bater em retirada. Jogava‐se então o tudo por tudo para o domínio dos mares da Índia, entre os portugueses recém‐chegados e o status quo mercantil muçulmano suportado pelo império otomano, pois era através dele que as mercadorias do Oriente chegavam à Europa.
A retaliação não se fez esperar, aqui assumidamente com um carácter de vingança pessoal. Naquela que é considerada a mais emblemática batalha da Marinha Portuguesa, a 3 de Fevereiro de 1509, a armada portuguesa comandada pelo próprio D. Francisco de Almeida desfez a frota do Samorim de Calecute, arrasou a cidade de Dabul e destruiu a armada islâmica ao largo de Diu, instalando um patamar de domínio português nos mares da Índia por algumas décadas, ainda que continuassem a ser frequentes os encontros com armadas turcas. Na ida forçou o feudatário de Chaul, vassalo do sultanato de Ahmednagar, a tornar‐se vassalo do rei de Portugal, pagando um tributo regular em troca de apoio na luta contra o sultanato de Bijapur.

Já antes se haviam produzido algumas trocas comerciais, o que levou ao estabelecimento de um feitor, designado por Goa, na foz do Rio Kundalika, cuja navegabilidade permitia trazer do interior produtos de grande valia comercial. Por outro lado, a posição na orla marítima, a meio caminho entre as especiarias do Malabar e as riquezas de Cambaia, tornava estratégico o seu controlo militar, até porque as características geográficas potenciavam o estabelecimento de um eficaz sistema defensivo.
O rio entrega‐se caprichosamente ao mar através de um sifão. O interior da curva, um raso de praia aberto a sul, era o local ideal para se implantar feitoria e fortaleza, até porque, como em Baçaim, um esteiro pantanoso isolava esse raso do lado de terra, a nascente. Praticamente só a norte havia um contacto franco com terra. Na margem sul, sobre o morro em istmo (Korlai) que obriga o rio a lançar‐se no mar no sentido norte, era óbvia a importância da instalação de um forte, pois não só permitiria cruzar fogos, como impediria que dali impunemente se alvejasse a margem norte.
A montante daquele local, ideal para a implantação da feitoria e fortaleza e, assim, onde se veio a desenvolver a cidade portuguesa, encontrava‐se a cidade de Chaul. Segundo diversas crónicas, no início de Quinhentos, apesar de bastante pequena e quase despovoada nos meses em que a monção tornava impraticável a navegação, o comércio e a guerra, a cidade estava bem defendida e era dotada de bons edifícios. No fundo era terminal portuário, por isso sazonal, de um reino interior, o sultanato de Ahmednagar.
O rio entrega‐se caprichosamente ao mar através de um sifão. O interior da curva, um raso de praia aberto a sul, era o local ideal para se implantar feitoria e fortaleza, até porque, como em Baçaim, um esteiro pantanoso isolava esse raso do lado de terra, a nascente. Praticamente só a norte havia um contacto franco com terra. Na margem sul, sobre o morro em istmo (Korlai) que obriga o rio a lançar‐se no mar no sentido norte, era óbvia a importância da instalação de um forte, pois não só permitiria cruzar fogos, como impediria que dali impunemente se alvejasse a margem norte.
A montante daquele local, ideal para a implantação da feitoria e fortaleza e, assim, onde se veio a desenvolver a cidade portuguesa, encontrava‐se a cidade de Chaul. Segundo diversas crónicas, no início de Quinhentos, apesar de bastante pequena e quase despovoada nos meses em que a monção tornava impraticável a navegação, o comércio e a guerra, a cidade estava bem defendida e era dotada de bons edifícios. No fundo era terminal portuário, por isso sazonal, de um reino interior, o sultanato de Ahmednagar.

Apesar da simbólica submissão em vassalagem de 1509 e da fixação de um feitor, só em 1516 se solicitou e obteve autorização do sultão Nizam ul‐Mulk de Ahmednagar (Nizamaluco para os portugueses) para a construção de uma feitoria. O modesto edifício foi erguido no já referido raso, um sítio chamado Revdanda, topónimo hoje em uso para designar a antiga Chaul‐de‐Baixo, a portuguesa. Decorridos cinco anos, e uma vez mais tirando partido de perturbações no equilíbrio político local, obteve‐se autorização para a construção de um forte. Foi um passo importante, pois passava a ser a mais avançada base portuguesa na conquista do norte e do domínio do rico trato de Cambaia.
Em 1524, apesar do cerco imediatamente posto ao porto por uma nova armada turca, o forte estava pronto. Fora precedido de uma obra rápida em madeira, dentro da qual então se trabalhara em pedraria. Entretanto, desde a instalação da feitoria que, em campo aberto, se desenvolvia uma urbe que talvez tenha recebido um pequeno cerco provisório, inevitavelmente uma tranqueira.
Nos anos que se seguiram, Chaul, além da sua intensa actividade comercial, desempenhou papel activo na luta permanente pela conquista aos muçulmanos da hegemonia marítima e comercial no Índico Norte. A partir de 1540, a pressão permanente da armada turca e as sucessivas mudanças de humor do sultão que os acolhera quase deixaram de se fazer sentir, mas ao tomar conhecimento da morte daquele em 1557, os portugueses perceberam de imediato que a paz terminara e, como medida preventiva urgente, propuseram a ocupação e a fortificação de Korlai, o morro fronteiro onde, aliás, haviam erguido uma tranqueira‐bateria durante o cerco da década de 1520. O novo sultão recusou e iniciou, ele próprio, a fortificação. A pronta intervenção do vice‐rei interrompeu a construção e tudo ficou por algum tempo como estava. A verdade é que o sultão acabou por retomar a obra. Em 1594, numa conjuntura completamente diversa, os portugueses conquistaram o morro num heróico assalto.
Em 1524, apesar do cerco imediatamente posto ao porto por uma nova armada turca, o forte estava pronto. Fora precedido de uma obra rápida em madeira, dentro da qual então se trabalhara em pedraria. Entretanto, desde a instalação da feitoria que, em campo aberto, se desenvolvia uma urbe que talvez tenha recebido um pequeno cerco provisório, inevitavelmente uma tranqueira.
Nos anos que se seguiram, Chaul, além da sua intensa actividade comercial, desempenhou papel activo na luta permanente pela conquista aos muçulmanos da hegemonia marítima e comercial no Índico Norte. A partir de 1540, a pressão permanente da armada turca e as sucessivas mudanças de humor do sultão que os acolhera quase deixaram de se fazer sentir, mas ao tomar conhecimento da morte daquele em 1557, os portugueses perceberam de imediato que a paz terminara e, como medida preventiva urgente, propuseram a ocupação e a fortificação de Korlai, o morro fronteiro onde, aliás, haviam erguido uma tranqueira‐bateria durante o cerco da década de 1520. O novo sultão recusou e iniciou, ele próprio, a fortificação. A pronta intervenção do vice‐rei interrompeu a construção e tudo ficou por algum tempo como estava. A verdade é que o sultão acabou por retomar a obra. Em 1594, numa conjuntura completamente diversa, os portugueses conquistaram o morro num heróico assalto.

A mudança surgiu com a submissão do reino hindu de Vijayanagar ao domínio muçulmano e a aliança que os reinos muçulmanos estabeleceram entre si para expulsar da Índia os portugueses. A par com o que foi feito a Goa, Chaul sofreu um pesado cerco em finais de 1570 e inícios do ano seguinte. Até ao fim de Junho combates e permanentes bombardeamentos deixaram a cidade quase arrasada. Celebrou‐se então um tratado de paz.
Para além do forte, conventos, igrejas e casas particulares haviam servido como estruturas defensivas, e quase tudo sofreu pesada destruição. Tornou‐se então evidente ser fundamental modernizar as defesas, fortificando. Assim se iniciou o encercamento da cidade que lhe conferiu a forma‐urbis que a caracteriza, não apenas em desenho, mas também na sua fotogénica imagem de vaso abaluartado sobre a praia recheado de coqueiros.
Que urbe era esta que em 1545 D. João III elevou à categoria de cidade? Não é fácil perceber, pois além do perímetro abaluartado, o casco urbano desapareceu sob um denso palmeiral de domínio privado, claramente enraizado mais de um metro acima do que seria o chão da cidade. É uma camada por certo rica de materiais que só a arqueologia poderá exumar e estudar de forma adequada. Subsistem, contudo, ruínas de algumas estruturas, as quais estão a desaparecer a um ritmo acelerado.
A iconografia antiga disponível é elucidativa acerca do perímetro defensivo, mas parca em relação aos edifícios e estrutura urbanística. O mais fiável recurso contra o denso palmeiral é o relatório de 1964 do levantamento efetuado pela historiadora alemã Gritli Von Mitterwalner.
O forte inicial não era mais do que uma pequena roqueta quadrada, com cerca de dois mil e quinhentos metros quadrados de superfície e muralhas com cerca de quatro metros e meio de espessura, onde ainda se vislumbram torreões em três dos cantos, sendo um de menagem. Foi implantado no extremo sul‐sudeste, junto à feitoria e à praia. Só nos meados da década de 1530 se terá erguido um primeiro templo cristão – Nossa Senhora do Mar, a primeira matriz – de fora do ângulo sudeste do forte. Sucessivas reformas vieram a transformá‐lo num edifício de respeitável dimensão e qualidade arquitectónica, chegando a motivar o desaparecimento do quarto torreão do forte. A poente, atravessado um largo, encontrava‐se a feitoria.
Simultânea à fundação da igreja matriz foi a instalação dos franciscanos que, aliás, faziam a respectiva gestão espiritual. Mas a construção do seu convento terá sido iniciada apenas em 1561, tendo durado três anos. Em 1549, foi a vez dos dominicanos. De consideráveis dimensões, ambos os conjuntos se implantaram perto da praia entre oeste e sudoeste, estabelecendo assim um pólo oposto ao núcleo inicial e que deixa perspectivar o desenvolvimento prévio de casario e da malha urbana intermédios. A Misericórdia, instituída bem cedo, acabou por se fixar a meia distância, descaída sobre o norte.
Para além do forte, conventos, igrejas e casas particulares haviam servido como estruturas defensivas, e quase tudo sofreu pesada destruição. Tornou‐se então evidente ser fundamental modernizar as defesas, fortificando. Assim se iniciou o encercamento da cidade que lhe conferiu a forma‐urbis que a caracteriza, não apenas em desenho, mas também na sua fotogénica imagem de vaso abaluartado sobre a praia recheado de coqueiros.
Que urbe era esta que em 1545 D. João III elevou à categoria de cidade? Não é fácil perceber, pois além do perímetro abaluartado, o casco urbano desapareceu sob um denso palmeiral de domínio privado, claramente enraizado mais de um metro acima do que seria o chão da cidade. É uma camada por certo rica de materiais que só a arqueologia poderá exumar e estudar de forma adequada. Subsistem, contudo, ruínas de algumas estruturas, as quais estão a desaparecer a um ritmo acelerado.
A iconografia antiga disponível é elucidativa acerca do perímetro defensivo, mas parca em relação aos edifícios e estrutura urbanística. O mais fiável recurso contra o denso palmeiral é o relatório de 1964 do levantamento efetuado pela historiadora alemã Gritli Von Mitterwalner.
O forte inicial não era mais do que uma pequena roqueta quadrada, com cerca de dois mil e quinhentos metros quadrados de superfície e muralhas com cerca de quatro metros e meio de espessura, onde ainda se vislumbram torreões em três dos cantos, sendo um de menagem. Foi implantado no extremo sul‐sudeste, junto à feitoria e à praia. Só nos meados da década de 1530 se terá erguido um primeiro templo cristão – Nossa Senhora do Mar, a primeira matriz – de fora do ângulo sudeste do forte. Sucessivas reformas vieram a transformá‐lo num edifício de respeitável dimensão e qualidade arquitectónica, chegando a motivar o desaparecimento do quarto torreão do forte. A poente, atravessado um largo, encontrava‐se a feitoria.
Simultânea à fundação da igreja matriz foi a instalação dos franciscanos que, aliás, faziam a respectiva gestão espiritual. Mas a construção do seu convento terá sido iniciada apenas em 1561, tendo durado três anos. Em 1549, foi a vez dos dominicanos. De consideráveis dimensões, ambos os conjuntos se implantaram perto da praia entre oeste e sudoeste, estabelecendo assim um pólo oposto ao núcleo inicial e que deixa perspectivar o desenvolvimento prévio de casario e da malha urbana intermédios. A Misericórdia, instituída bem cedo, acabou por se fixar a meia distância, descaída sobre o norte.

Tudo parece indicar, incluindo as descrições dos combates do cerco de 1570‐1571, que, grosso modo, o perímetro da cidade era balizado por estes equipamentos (no sentido dos ponteiros do relógio): matriz, forte, dominicanos, franciscanos e Misericórdia. O único largo que se consegue referenciar era o já mencionado, compreendido entre o forte e a feitoria. Já no meio do hinterland rural, a norte, haviam sido fundadas algumas igrejas, como a da Madre de Deus, que para além de suporte à evangelização, teve um papel central na definição de uma linha defensiva avançada, como se verá na entrada seguinte.
O perímetro abaluartado erguido nas últimas décadas de Quinhentos, mas permanentemente em melhoramentos até ao fim da presença portuguesa, cercou a cidade e deixou‐lhe dois pontos de acesso, as habituais portas do mar e de terra, sendo extraordinário que numa primeira fase a igreja matriz tenha ficado de fora. Isso explica‐se pelo facto de já antes ter sido iniciada a construção de um muro com cerca de dois metros e meio de espessura e outro tanto de altura, que do forte seguia para o esteiro a nascente, deixando a igreja de fora, mas assim pré‐encerrando essa frente. Era uma couraça para ligar o forte à casa da pólvora e estava em obras em 1531 sob empreitada do mestre André Fernandes. É significativo que nada leve a admitir uma ligação clara – retilínea ou sequer directa (direita) – entre ambas as portas. As casas conventuais preexistentes reergueram‐se mantendo os anteriores partidos urbanísticos, sendo muito provável que com os restantes edifícios algo de semelhante se tenha passado. Mas a cidade retomou‐se como era, sem reformas sensíveis na sua estrutura urbana além, claro, de passar a ter um limite. Limite esse que, contudo, ampliou para mais do dobro a área anteriormente ocupada.
Foi nesse espaço que, prolongada a rua que unia o convento dominicano à Misericórdia, se veio a instalar o tribunal e o convento dos agostinhos (1587), ou seja, pouco antes de se atingir a Porta de Terra. Numa via sensivelmente paralela por nascente instalaram‐se em 1580 os jesuítas. Com esforçada expceção para estas duas ruas e uma outra a poente – também servindo a casa agostinha e o tribunal – não é possível vislumbrar outros indícios de um eventual desígnio de regularidade na malha urbana de Chaul que, tudo leva a crer, seria muito pouco densa, com casas dotadas de relativamente espaçosos quintais.
Contudo, a extensão da área urbana proporcionada pela muralha não evitou que a cidade se expandisse para norte onde, aliás, ao longo da outrora rua central hoje persiste um animado núcleo edificado. Apesar de corresponder às paróquias de S. Sebastião e de S. João, poderemos considerar este bairro como da Madre de Deus, pois sobre a praia ali foram erguidos em 1584 uma igreja e convento capucho dessa invocação, os quais eram também o pólo de uma linha avançada de defesa, dotada de muralha própria com baluarte.
No corolário do processo de assédio marata à Província do Norte, com as demais posições do distrito de Baçaim perdidas, em 1740 as partes negociaram um acordo segundo o qual Portugal cedeu Chaul em troca da paz para Damão e Goa.
A cidade fundada pelos portugueses, que nunca terá tido mais do que duas ou três centenas de reinóis residentes que conviviam com muitos naturais fiéis, perdeu então a sua condição urbana. Quem não conseguiu fugir para outros postos portugueses, refugiou‐se do outro lado do rio, na aldeia de Kolai, no sopé do morro. Ainda hoje há ali testemunhos claros dessa ascendência.
O perímetro abaluartado erguido nas últimas décadas de Quinhentos, mas permanentemente em melhoramentos até ao fim da presença portuguesa, cercou a cidade e deixou‐lhe dois pontos de acesso, as habituais portas do mar e de terra, sendo extraordinário que numa primeira fase a igreja matriz tenha ficado de fora. Isso explica‐se pelo facto de já antes ter sido iniciada a construção de um muro com cerca de dois metros e meio de espessura e outro tanto de altura, que do forte seguia para o esteiro a nascente, deixando a igreja de fora, mas assim pré‐encerrando essa frente. Era uma couraça para ligar o forte à casa da pólvora e estava em obras em 1531 sob empreitada do mestre André Fernandes. É significativo que nada leve a admitir uma ligação clara – retilínea ou sequer directa (direita) – entre ambas as portas. As casas conventuais preexistentes reergueram‐se mantendo os anteriores partidos urbanísticos, sendo muito provável que com os restantes edifícios algo de semelhante se tenha passado. Mas a cidade retomou‐se como era, sem reformas sensíveis na sua estrutura urbana além, claro, de passar a ter um limite. Limite esse que, contudo, ampliou para mais do dobro a área anteriormente ocupada.
Foi nesse espaço que, prolongada a rua que unia o convento dominicano à Misericórdia, se veio a instalar o tribunal e o convento dos agostinhos (1587), ou seja, pouco antes de se atingir a Porta de Terra. Numa via sensivelmente paralela por nascente instalaram‐se em 1580 os jesuítas. Com esforçada expceção para estas duas ruas e uma outra a poente – também servindo a casa agostinha e o tribunal – não é possível vislumbrar outros indícios de um eventual desígnio de regularidade na malha urbana de Chaul que, tudo leva a crer, seria muito pouco densa, com casas dotadas de relativamente espaçosos quintais.
Contudo, a extensão da área urbana proporcionada pela muralha não evitou que a cidade se expandisse para norte onde, aliás, ao longo da outrora rua central hoje persiste um animado núcleo edificado. Apesar de corresponder às paróquias de S. Sebastião e de S. João, poderemos considerar este bairro como da Madre de Deus, pois sobre a praia ali foram erguidos em 1584 uma igreja e convento capucho dessa invocação, os quais eram também o pólo de uma linha avançada de defesa, dotada de muralha própria com baluarte.
No corolário do processo de assédio marata à Província do Norte, com as demais posições do distrito de Baçaim perdidas, em 1740 as partes negociaram um acordo segundo o qual Portugal cedeu Chaul em troca da paz para Damão e Goa.
A cidade fundada pelos portugueses, que nunca terá tido mais do que duas ou três centenas de reinóis residentes que conviviam com muitos naturais fiéis, perdeu então a sua condição urbana. Quem não conseguiu fugir para outros postos portugueses, refugiou‐se do outro lado do rio, na aldeia de Kolai, no sopé do morro. Ainda hoje há ali testemunhos claros dessa ascendência.
b) Uma outra abordagem histórica
i) introdução

Chaul localiza-se a cerca de 350 quilómetros ao norte de Goa e apenas a 60 quilómetros ao sul de Bombaim.
Em 1508, Egípcios Mamelucos, aliados ao Sultanato de Guzerate, derrotaram as forças portuguesas na batalha naval de Chaul.
O primeiro estabelecimento português em Chaul teve lugar quando o Vice-Rei, D. Diogo Lopes de Sequeira, após se ter constactado a inviabilidade da construção de uma fortaleza em Diu, obteve autorização do Sultanato Ahmadnagar para levantar uma fortificação nas imediações desta cidade e porto, em 1521, no banco sul do rio Kundalika. Este acordo seria renovado e ampliado, em 1539, 1542 e 1548.
Em 1508, Egípcios Mamelucos, aliados ao Sultanato de Guzerate, derrotaram as forças portuguesas na batalha naval de Chaul.
O primeiro estabelecimento português em Chaul teve lugar quando o Vice-Rei, D. Diogo Lopes de Sequeira, após se ter constactado a inviabilidade da construção de uma fortaleza em Diu, obteve autorização do Sultanato Ahmadnagar para levantar uma fortificação nas imediações desta cidade e porto, em 1521, no banco sul do rio Kundalika. Este acordo seria renovado e ampliado, em 1539, 1542 e 1548.
Mais tarde, em Outubro de 1531, as forças portuguesas deram início a uma nova fortificação, de planta quadrada, em alvenaria de pedra, sob a invocação de Santa Maria ("Santa Maria do Castelo"), que em seu interior continha alojamento para 120 homens e uma igreja. A cidade portuguesa ("Chaul de Baixo") desenvolveu-se ao abrigo dos muros da fortificação mas, em 1558 um tratado impediu o muralhamento da cidade.
De 1570 a 1571 a cidade resistiu com sucesso um duro assédio imposto pelas forças do então Sultão de Ahmadnagar, Nizam Shahi. Encontrava-se sob o comando de D. Francisco de Mascarenhas, Luís Freire de Andrade e D. Jorge de Meneses Baroche. O Sultão pediu a paz e aceitou de novo a soberania do rei de Portugal, a quem voltou a pagar tributo, e a cidade foi reconstruída e agora envolvida por muralhas, amparadas por baluartes em formato de orelhão. Os trabalhos estavam concluídos após 1528.
Ataques posteriores à cidade levaram a que as suas defesas fossem reforçadas, destacando-se os trabalhos de ampliação das mesmas em 1613.
Antes de Baçaim ascender à posição de capital dos chamados "Estados do Norte", Chaul constitui-se no principal entreposto de comércio, e na principal estação naval e arsenal dos portugueses nesta parte da Índia.
O porto de Chaul mantinha um activo comércio marítimo que ligava a costa de Moçambique à da China (pão, louça, ópio, índigo, côco, canela, pimenta, cravo, tecidos, ouro, marfim, e escravos cafres), e anualmente organizava expedições missionárias e foi visitada por personalidades importantes de seu tempo como Afonso de Albuquerque, Vasco da Gama, S. Francisco Xavier, Diogo do Couto e Luís de Camões.
De 1570 a 1571 a cidade resistiu com sucesso um duro assédio imposto pelas forças do então Sultão de Ahmadnagar, Nizam Shahi. Encontrava-se sob o comando de D. Francisco de Mascarenhas, Luís Freire de Andrade e D. Jorge de Meneses Baroche. O Sultão pediu a paz e aceitou de novo a soberania do rei de Portugal, a quem voltou a pagar tributo, e a cidade foi reconstruída e agora envolvida por muralhas, amparadas por baluartes em formato de orelhão. Os trabalhos estavam concluídos após 1528.
Ataques posteriores à cidade levaram a que as suas defesas fossem reforçadas, destacando-se os trabalhos de ampliação das mesmas em 1613.
Antes de Baçaim ascender à posição de capital dos chamados "Estados do Norte", Chaul constitui-se no principal entreposto de comércio, e na principal estação naval e arsenal dos portugueses nesta parte da Índia.
O porto de Chaul mantinha um activo comércio marítimo que ligava a costa de Moçambique à da China (pão, louça, ópio, índigo, côco, canela, pimenta, cravo, tecidos, ouro, marfim, e escravos cafres), e anualmente organizava expedições missionárias e foi visitada por personalidades importantes de seu tempo como Afonso de Albuquerque, Vasco da Gama, S. Francisco Xavier, Diogo do Couto e Luís de Camões.
ii) A fortaleza do morro de Chaul
A primeira tentativa de estabelecimento português no morro de Chaul, um promontório rochoso a norte no lado do rio oposto à cidade, registou-se ainda em 1521, quando, tirando proveito da confusão no período que se seguiu à morte do Sultão Burhan Nizam, principiou-se uma fortificação de campanha. As forças do sultanato entretanto contra-atacaram, ocupando a posição. Posteriormente uma trégua foi negociada, e nenhuma nova fortificação foi tentada na ilha. Apenas uma cruz de madeira ali permaneceu como um sinal da presença portuguesa.
Em 1594, Abranches, um capitão português que comandava uma força combinada de 1500 soldados e 1500 nativos empreendeu a conquista da fortificação no morro de Chaul. As forças do Sultanato, sitiadas, tentaram bloquear o avanço português dispondo os corpos de um elefante morto na porta principal e de um cavalo também morto na porta interior, mas sem sucesso, tendo sido forçadas à capitulação. Os conquistadores portugueses, sem forças suficientes para a sua guarnição, decidiram arrasá-lo, conservando apenas a torre central e uma bateria.
Antes da sua destruição, a estrutura havia sido descrita por viajantes como "uma magnífica fortaleza, tão forte como qualquer outra no mundo". Pelo lado de terra, único lado por era passível de ser assaltada, era protegida por um fosso, que só podia ser ultrapassado por uma ponte levadiça. A entrada principal era guardada por um leão de bronze e a torre mais alta por uma águia também de bronze. Tinha capacidade para 7000 homens e cavalos.
Em 1594, Abranches, um capitão português que comandava uma força combinada de 1500 soldados e 1500 nativos empreendeu a conquista da fortificação no morro de Chaul. As forças do Sultanato, sitiadas, tentaram bloquear o avanço português dispondo os corpos de um elefante morto na porta principal e de um cavalo também morto na porta interior, mas sem sucesso, tendo sido forçadas à capitulação. Os conquistadores portugueses, sem forças suficientes para a sua guarnição, decidiram arrasá-lo, conservando apenas a torre central e uma bateria.
Antes da sua destruição, a estrutura havia sido descrita por viajantes como "uma magnífica fortaleza, tão forte como qualquer outra no mundo". Pelo lado de terra, único lado por era passível de ser assaltada, era protegida por um fosso, que só podia ser ultrapassado por uma ponte levadiça. A entrada principal era guardada por um leão de bronze e a torre mais alta por uma águia também de bronze. Tinha capacidade para 7000 homens e cavalos.
iii) Da retirada aos nossos dias

Charles Dellon relata que, em 1687 Chaul se mantinha forte e resistia com sucesso às investidas indianas e neerlandesas. No final do século XVII e início do XVIII, o Estado Português da Índia declinou política e economicamente e Chaul viu perder a sua antiga importância. Simultaneamente, o poder do Império Mogol diminuiu no início do século XVIII, o que permitiu ao Império Marata estender o seu domínio à Índia Central e Ocidental. O estabelecimento português em Kalyan foi conquistado pelos Marata em 1720 e, em 1737 o general Maratha Angria iniciou uma campanha conjunta para capturar os restantes territórios portugueses na região. Um cerco foi imposto às posições portuguesas em Chaul e no Morro de Chaul em Março de 1739, entretanto levantado em outubro do mesmo ano.
Após a captura de Baçaim em 1740, um tratado de paz foi celebrado e, em 18 de Setembro de 1740, Chaul foi cedida por tratado aos Marata. A cidade foi posteriormente abandonada, caindo em ruínas.
Actualmente o conjunto encontra-se em avançado estado de degradação, oculto sob a vegetação tropical.
Após a captura de Baçaim em 1740, um tratado de paz foi celebrado e, em 18 de Setembro de 1740, Chaul foi cedida por tratado aos Marata. A cidade foi posteriormente abandonada, caindo em ruínas.
Actualmente o conjunto encontra-se em avançado estado de degradação, oculto sob a vegetação tropical.
c) Características da fortaleza

A fortificação mede 2828 pés de comprimento, com uma largura média de 89 pés. A muralha exterior ergue-se a 5 pés e 3 polegadas de altura, encimada por 305 ameias. É acedida por onze portas - quatro exteriores e sete interiores. No lado norte, à distância de um tiro de pistola da bateria principal, encontra-se a cisterna, denominada de "Santa Cruz". A área intra-muros da fortificação é dividida em três espaços por duas linhas de fortificações abaluartadas. Cada um dos sete baluartes encontra-se sob a invocação de um santo: os dois ocidentais, S. Diogo e S. Francisco, e dos demais guardaram-se os nomes de S. Pedro, S. Inácio e S. Filipe.
O topo da colina constitui-se também num baluarte, cercado por um parapeito. Em seu interior abre-se uma vasta cisterna para recolhimento das águas da chuva, com três bocas de um pé de largura cada uma, podendo ainda ser observadas as ruínas de um paiol e de uma capela. Esta foi erguida em 1630 para uso das forças portuguesas, tendo funcionado até à sua retirada, em 1728.
No conjunto é possível a leitura de três inscrições epigráficas portuguesas. A que se encontra por cima do Portão de Armas, reza:
"Este castelo foi ordenado para ser construído pelo Vice-Rei da Índia Dom Filipe Mascarenhas em Novembro do ano 1646 e Fernão Miranda Henriques sendo Capitão de Chaul, e foi terminada em Maio de 1680, Cristóvão de Abreu de Azevedo sendo Capitão deste forte."
A inscrição é encimada por uma cruz com o brasão de armas de Portugal. Outras inscrições por cima da entrada principal e por cima de um altar na capela encontram-se desgastadas e ilegíveis.
Durante o breve período de dominação Marata, os nomes dos bastiões foram modificados mas hoje, a única indicação da sua presença são alguns relicários desmantelados.
O topo da colina constitui-se também num baluarte, cercado por um parapeito. Em seu interior abre-se uma vasta cisterna para recolhimento das águas da chuva, com três bocas de um pé de largura cada uma, podendo ainda ser observadas as ruínas de um paiol e de uma capela. Esta foi erguida em 1630 para uso das forças portuguesas, tendo funcionado até à sua retirada, em 1728.
No conjunto é possível a leitura de três inscrições epigráficas portuguesas. A que se encontra por cima do Portão de Armas, reza:
"Este castelo foi ordenado para ser construído pelo Vice-Rei da Índia Dom Filipe Mascarenhas em Novembro do ano 1646 e Fernão Miranda Henriques sendo Capitão de Chaul, e foi terminada em Maio de 1680, Cristóvão de Abreu de Azevedo sendo Capitão deste forte."
A inscrição é encimada por uma cruz com o brasão de armas de Portugal. Outras inscrições por cima da entrada principal e por cima de um altar na capela encontram-se desgastadas e ilegíveis.
Durante o breve período de dominação Marata, os nomes dos bastiões foram modificados mas hoje, a única indicação da sua presença são alguns relicários desmantelados.
d) Perímetro abaluartado

A dada altura, no Livro das Cidades e Fortalezas…(1582) lê-se: “Alevantados os cercos de Goa e Chaul ficando o Hidalcaõ e Nizamaluco por uassallos e tributarios da Coroa de Portugal como dantes eraõ, se começou a restaurar e redificar a cidade de Chaul que ficou muy dãnificada e destruida dos imigos, o que se fez com tanta presteza e demaneira, que está hoje muito mais fermosa e muito mais pouada que dantes./A qual se começou a cercar de muro de pedra e cal, com seus baluartes á custa de hua imposição de hum por cento, que se para isso pós nas mercadorias, que importará treze ou quatorze Mil cruzados cadanno, com que está já muita parte della muito bem cercada.”
Fica assim mais claro o contexto da construção do perímetro abaluartado de Chaul dado na entrada precedente. Em 1577 toda a frente de praia, de noroeste a sudeste, estava encerrada por uma muralha ritmada com pequenos torreões em jeito de baluartes. A frente de terra poucos anos demoraria a também ser murada. O processo foi, porém, contínuo, sendo claro como essa renovação foi decorrendo na frente de terra, onde os baluartes foram ganhando dimensão e complexidade, assumindo os tipos clássicos.
O mais exuberante e portentoso, o de Santa Cruz, é já do século XVIII e ficou incompleto, ou seja, sem a cortina interior e o necessário terrapleno. A Porta do Mar ficou inevitavelmente implantada junto à feitoria e ao forte primitivo, sobre a ribeira e o rio. A Porta de Terra ficou a norte, obviamente, garantindo a ligação com o arrabalde exterior. Ambas seguem o até então tradicional modelo de portas duplas em sifão.
Como em outros locais, de que se dá como exemplo Baçaim, sobre o mar (literalmente) a muralha era mais fraca, ou seja, menos espessa, menos alta (seis a sete metros) e com baluartes de menor expressão. Os do lado de terra atingem os onze metros de altura.
Mais do que qualquer descrição, a imagem e a planta são a melhor forma de se ler o perímetro abaluartado da cidade, estrutura que, no fundo, é o que melhor continua a testemunhar no local a memória desta fundação urbana portuguesa ex nihilo.
Mas para além do que persiste – o forte inicial, o perímetro abaluartado e a magnífica e insólita estrutura erguida no festo do morro – as estruturas defensivas de Chaul foram bem mais complexas, sendo disso prova e excelente ilustração um desenho anónimo, técnica e artisticamente ingénuo, provavelmente do período do assédio marata de 1684. Note se como a cidade preparara todo o território em redor, destacando se a construção de uma linha/tranqueira avançada a partir do convento capucho fortificado da Madre de Deus. A fortificação deste e a edificação de um torreão no Campo de Chaul datam do conflito de 1613 1614 com Ahmedanagar.
A verdade é que o complexo dispositivo funcionou, pois Chaul não foi conquistada, mas sim cedida no âmbito do acordo que pôs fim às hostilidades e, também, à Província do Norte.
Fica assim mais claro o contexto da construção do perímetro abaluartado de Chaul dado na entrada precedente. Em 1577 toda a frente de praia, de noroeste a sudeste, estava encerrada por uma muralha ritmada com pequenos torreões em jeito de baluartes. A frente de terra poucos anos demoraria a também ser murada. O processo foi, porém, contínuo, sendo claro como essa renovação foi decorrendo na frente de terra, onde os baluartes foram ganhando dimensão e complexidade, assumindo os tipos clássicos.
O mais exuberante e portentoso, o de Santa Cruz, é já do século XVIII e ficou incompleto, ou seja, sem a cortina interior e o necessário terrapleno. A Porta do Mar ficou inevitavelmente implantada junto à feitoria e ao forte primitivo, sobre a ribeira e o rio. A Porta de Terra ficou a norte, obviamente, garantindo a ligação com o arrabalde exterior. Ambas seguem o até então tradicional modelo de portas duplas em sifão.
Como em outros locais, de que se dá como exemplo Baçaim, sobre o mar (literalmente) a muralha era mais fraca, ou seja, menos espessa, menos alta (seis a sete metros) e com baluartes de menor expressão. Os do lado de terra atingem os onze metros de altura.
Mais do que qualquer descrição, a imagem e a planta são a melhor forma de se ler o perímetro abaluartado da cidade, estrutura que, no fundo, é o que melhor continua a testemunhar no local a memória desta fundação urbana portuguesa ex nihilo.
Mas para além do que persiste – o forte inicial, o perímetro abaluartado e a magnífica e insólita estrutura erguida no festo do morro – as estruturas defensivas de Chaul foram bem mais complexas, sendo disso prova e excelente ilustração um desenho anónimo, técnica e artisticamente ingénuo, provavelmente do período do assédio marata de 1684. Note se como a cidade preparara todo o território em redor, destacando se a construção de uma linha/tranqueira avançada a partir do convento capucho fortificado da Madre de Deus. A fortificação deste e a edificação de um torreão no Campo de Chaul datam do conflito de 1613 1614 com Ahmedanagar.
A verdade é que o complexo dispositivo funcionou, pois Chaul não foi conquistada, mas sim cedida no âmbito do acordo que pôs fim às hostilidades e, também, à Província do Norte.
e) Convento e Igreja de S. Bárbara

Para além das muralhas e baluartes, o monumento arqueológico paisagisticamente mais visível de Chaul é a torre do arruinado Convento de S. Bárbara.
A esta torre encostam se as escassas ruínas da igreja e convento, hoje em dia transformados em palmeiral e campo de cultivo. Não existem dados seguros sobre a fundação da casa franciscana em Chaul. Embora o missionário franciscano Frei António do Porto tenha visitado Chaul cerca de 1540, a primeira menção ao convento data do período do vice reinado de Francisco Coutinho, 1561 1564. O convento sofreu extensos estragos durante o cerco a Chaul de 1570, pois foi transformado no principal bastião do perímetro defensivo improvisado em redor da fortaleza primitiva.
No interior da igreja montaram se peças de artilharia e, adjacente por oeste, construiu se um baluarte em madeira, que susteve durante meses várias tentativas de assalto. O convento acabou por ser evacuado pelos portugueses na fase final do conflito. Depois, o convento foi reconstruído e ampliado.
Data seguramente desta reconstrução a referida torre, com vinte e nove metros de altura. O seu desenho e sólida construção conferem-lhe uma aparência militar; contudo, para além de servir como posto de observação e marco de apoio à navegação, o Convento de S. Bárbara não deve ter sido fortificado novamente após o cerco de 1570 1571. A igreja seria orientada segundo um eixo aproximado a norte sul. A fachada desapareceu quase por completo. Teria três portas que abriam para a nave. Segundo o levantamento de Gritli von Mitterwallner, existiam três capelas laterais de cada lado da nave, sendo ainda visíveis os vestígios das do lado do evangelho. Não é possível determinar se estas capelas seriam intercomunicantes, mas é natural que assim fosse, tendo em conta a igreja franciscana de Baçaim. Entre as capelas laterais e a capela mor estaria um transepto circunscrito. A capela mor tinha uma abóbada de pedra, que caiu entre 1847 e 1855. Na parede do lado esquerdo estão duas janelas rectangulares e no lado direito duas portas – uma conduz a uma hipotética ante sacristia, sobre a qual se desenvolve a torre, e a outra ao espaço da sacristia. A nave da igreja teria uma cobertura em forro de madeira e telhado. A poente da igreja, entre esta e a muralha da cidade, localizava se um pequeno claustro. Subsistem vestígios dos lanços que o limitavam a poente e a norte.
A esta torre encostam se as escassas ruínas da igreja e convento, hoje em dia transformados em palmeiral e campo de cultivo. Não existem dados seguros sobre a fundação da casa franciscana em Chaul. Embora o missionário franciscano Frei António do Porto tenha visitado Chaul cerca de 1540, a primeira menção ao convento data do período do vice reinado de Francisco Coutinho, 1561 1564. O convento sofreu extensos estragos durante o cerco a Chaul de 1570, pois foi transformado no principal bastião do perímetro defensivo improvisado em redor da fortaleza primitiva.
No interior da igreja montaram se peças de artilharia e, adjacente por oeste, construiu se um baluarte em madeira, que susteve durante meses várias tentativas de assalto. O convento acabou por ser evacuado pelos portugueses na fase final do conflito. Depois, o convento foi reconstruído e ampliado.
Data seguramente desta reconstrução a referida torre, com vinte e nove metros de altura. O seu desenho e sólida construção conferem-lhe uma aparência militar; contudo, para além de servir como posto de observação e marco de apoio à navegação, o Convento de S. Bárbara não deve ter sido fortificado novamente após o cerco de 1570 1571. A igreja seria orientada segundo um eixo aproximado a norte sul. A fachada desapareceu quase por completo. Teria três portas que abriam para a nave. Segundo o levantamento de Gritli von Mitterwallner, existiam três capelas laterais de cada lado da nave, sendo ainda visíveis os vestígios das do lado do evangelho. Não é possível determinar se estas capelas seriam intercomunicantes, mas é natural que assim fosse, tendo em conta a igreja franciscana de Baçaim. Entre as capelas laterais e a capela mor estaria um transepto circunscrito. A capela mor tinha uma abóbada de pedra, que caiu entre 1847 e 1855. Na parede do lado esquerdo estão duas janelas rectangulares e no lado direito duas portas – uma conduz a uma hipotética ante sacristia, sobre a qual se desenvolve a torre, e a outra ao espaço da sacristia. A nave da igreja teria uma cobertura em forro de madeira e telhado. A poente da igreja, entre esta e a muralha da cidade, localizava se um pequeno claustro. Subsistem vestígios dos lanços que o limitavam a poente e a norte.
f) Convento e Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe

As ruínas da igreja dominicana constituem, a par do perímetro das muralhas, o conjunto arqueológico mais importante de Chaul. Em Novembro de 1548, o vigário geral dos dominicanos na Índia solicitou ao arcebispo de Goa autorização para edificar uma casa em Chaul. Apesar de não ter sido concedida, o arcebispo permitiu a passagem de dois missionários dominicanos a Chaul, doando à ordem a pequena Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe. Não é possível determinar se esta ermida estaria no mesmo local onde, volvidos poucos anos, os dominicanos iniciaram a construção de uma igreja e convento que estariam praticamente concluídos cerca de 1569, altura em que é definida e confirmada a esmola da fazenda régia a atribuir ao convento.
O novo conjunto edificado sofreu consideravelmente com o prolongado cerco de Chaul de 1570 1571, visto estar situado na linha de frente do perímetro defensivo improvisado para defender a cidade. O convento dominicano foi até ocupado pelas forças atacantes no final do conflito. Após o levantamento do cerco, o convento e igreja permaneceram alguns anos arruinados, enquanto os missionários se esforçavam por angariar fundos para a sua reconstrução, que ocorreu entre 1580 e 1590. Não se sabe em que medida esta obra alterou a arquitectura original da igreja, mas é muito pouco provável que tenha afectado o tipo planimétrico e a forma das capelas laterais.
O novo conjunto edificado sofreu consideravelmente com o prolongado cerco de Chaul de 1570 1571, visto estar situado na linha de frente do perímetro defensivo improvisado para defender a cidade. O convento dominicano foi até ocupado pelas forças atacantes no final do conflito. Após o levantamento do cerco, o convento e igreja permaneceram alguns anos arruinados, enquanto os missionários se esforçavam por angariar fundos para a sua reconstrução, que ocorreu entre 1580 e 1590. Não se sabe em que medida esta obra alterou a arquitectura original da igreja, mas é muito pouco provável que tenha afectado o tipo planimétrico e a forma das capelas laterais.

De facto, a igreja dominicana de Chaul é provavelmente das primeiras na arquitectura portuguesa a adoptar o tipo de nave única com capelas laterais inter comunicantes. Segundo os levantamentos de Gritlivon Mitterwallner, Nossa Senhora de Guadalupe – a maior igreja de Chaul em área – tinha cinco capelas laterais de cada lado da nave, ligadas entre si e com o transepto.
O tipo apareceu em Portugal em S. Francisco de Évora, durante uma campanha de obras da década de 1480. Depois, em S. João Evangelista de Vilar de Frades (1513-1523), na igreja jesuíta do Espírito Santo em Évora (depois de 1566) e em S. Domingos de Viana da Foz do Lima, que deve ser contemporânea da igreja de Chaul.
A fachada desapareceu quase por completo. Segundo Mitterwallner, é apenas possível determinar que teria três portas. Não sabemos se a nave da igreja tinha uma cobertura em telhado ou em abóbada. No entanto, as capelas laterais do lado da epístola sustentam ainda abóbadas góticas de cruzaria de ogivas, das mais complexas existentes no antigo Estado da Índia, só tendo paralelo naquelas que podemos ver na Igreja do Rosário, em Velha Goa.
O tipo apareceu em Portugal em S. Francisco de Évora, durante uma campanha de obras da década de 1480. Depois, em S. João Evangelista de Vilar de Frades (1513-1523), na igreja jesuíta do Espírito Santo em Évora (depois de 1566) e em S. Domingos de Viana da Foz do Lima, que deve ser contemporânea da igreja de Chaul.
A fachada desapareceu quase por completo. Segundo Mitterwallner, é apenas possível determinar que teria três portas. Não sabemos se a nave da igreja tinha uma cobertura em telhado ou em abóbada. No entanto, as capelas laterais do lado da epístola sustentam ainda abóbadas góticas de cruzaria de ogivas, das mais complexas existentes no antigo Estado da Índia, só tendo paralelo naquelas que podemos ver na Igreja do Rosário, em Velha Goa.

A capela lateral intermédia (terceira a contar da fachada principal ou do transepto) apresenta uma abóbada ainda mais complexa do que as outras. Em algumas abóbadas ainda se notam vestígios de frescos. Cada capela lateral tinha duas janelas esguias a flanquear a zona do altar. Detrás do arco triunfal situam se as ruínas da capela mor. Do lado esquerdo das alvenarias do arco triunfal existe uma abertura, possivelmente para um sino. A capela mor estava coberta por uma abóbada de caixotões. Nas paredes laterais notam se marcas do cadeiral do coro que, como sucedia na igreja da ordem em Goa, se situaria aqui e não sobre a porta. A localização do coro na capela mor explica a grande dimensão desta relativamente ao corpo da igreja. Talvez condicionadas pela existência do coro, encontram se duas janelas e uma porta em cada lado da capela mor. Existem ainda duas janelas e duas portas na parede testeira, flanqueando a zona do desaparecido retábulo. Estas portas conduziam ao camarim. No friso de arranque da abóbada destacam se mísulas salientes. Na dependência a sul da capela-mor estava a sacristia, onde, em meados do século XIX, ainda havia vestígios de um altar e sepulturas. Todo o chão da igreja está sepultado por cerca de um metro de terra que sustenta vários coqueiros.
A sul e este do corpo da igreja dispunham se o convento e noviciado dominicanos, cujas ruínas praticamente desapareceram.
A sul e este do corpo da igreja dispunham se o convento e noviciado dominicanos, cujas ruínas praticamente desapareceram.