6 - A INOVAÇÃO NOS DESCOBRIMENTOS

Os Descobrimentos Portugueses inscrevem um período áureo da cultura portuguesa na história mundial, que foi descrito de forma notável por Luís de Camões sob a forma de epopeia e poema épico. (...)
Nesta reflexão, vai interessar-me a perspetiva da gestão da inovação e perceber traços da nossa essência como povo, bem como desconstruir alguns mitos e preconceitos que temos sobre nós mesmos. Vou ousar observar-nos com um outro olhar, e demonstrar que aquilo a que agora chamamos de "espírito de desenrasca", de "chico espertismo" e de "visão de curto prazo", essas características não podiam estar presentes nem serviam o empreendimento dos Descobrimentos. Pelo contrário, foi preciso seremos planeados, metódicos, sistemáticos, focados na melhoria continua, e ter uma missão e uma visão de longo prazo. (...)
A intenção estratégica

Na parte final do reinado de D. Diniz ocorreu um facto importante que permitiu estabelecer uma parceria que viria a ser decisiva para o financiamento e desenvolvimento dos Descobrimentos. Em 1311, o rei de França decidiu extinguir a Ordem do Templo e perseguir os cavaleiros Templários. Para preservar o conhecimento, o património e os membros dos Templários, D. Diniz decidiu fundar em 1319 a Ordem de Cristo, doando-lhe a Vila de Casto Marim para consolidar e defender os territórios conquistados aos Mouros.
Em 1290 é fundada a Universidade de Coimbra, organizada a marinha portuguesa, e instituída a Língua Portuguesa em todo o território nacional.
D. Diniz ordena também a plantação e expansão do pinhal de Leiria, que tinha sido iniciada pelo seu pai D. Afonso III, para impedir a erosão costeira e servir de proteção das terras férteis, bem como para produção de madeira e resina. Se é bem verdade que as caravelas eram feitas essencialmente da madeira de carvalho, também é verdade que o desenvolvimento dos Descobrimentos viriam, cem anos depois, a utilizar a madeira de pinho de riga para fazer os mastros, e o pinheiro bravo para forrar e calafetar as embarcações, bem como fazer as estruturas para os estaleiros de construção naval.
Apesar de, no seculo XIV, só termos registo de uma expedição às ilhas Canárias em 1336, tudo indica que a intenção estratégica e o planeamento dos Descobrimentos Portugueses terá começado cerca de cem anos antes da conquista de Ceuta (1415). Tanto mais que, com a mudança em 1356 da Ordem de Cristo para Tomar, funda-se também a Escola de Capitania de Tomar, fundamental para formar os futuros capitães que irão integrar as futuras missões.
Em 1290 é fundada a Universidade de Coimbra, organizada a marinha portuguesa, e instituída a Língua Portuguesa em todo o território nacional.
D. Diniz ordena também a plantação e expansão do pinhal de Leiria, que tinha sido iniciada pelo seu pai D. Afonso III, para impedir a erosão costeira e servir de proteção das terras férteis, bem como para produção de madeira e resina. Se é bem verdade que as caravelas eram feitas essencialmente da madeira de carvalho, também é verdade que o desenvolvimento dos Descobrimentos viriam, cem anos depois, a utilizar a madeira de pinho de riga para fazer os mastros, e o pinheiro bravo para forrar e calafetar as embarcações, bem como fazer as estruturas para os estaleiros de construção naval.
Apesar de, no seculo XIV, só termos registo de uma expedição às ilhas Canárias em 1336, tudo indica que a intenção estratégica e o planeamento dos Descobrimentos Portugueses terá começado cerca de cem anos antes da conquista de Ceuta (1415). Tanto mais que, com a mudança em 1356 da Ordem de Cristo para Tomar, funda-se também a Escola de Capitania de Tomar, fundamental para formar os futuros capitães que irão integrar as futuras missões.
A Missão

A missão dos Descobrimentos Portugueses tinha duas vertentes, que traduziam o espírito da parceria com a Ordem de Cristo: por um lado, evangelizar e expandir a fé cristã; por outro lado, procurar especiarias.
Antecipando os tempos modernos, o patrocínio do empreendimento vinha bem expresso com a cruz de Cristo nas velas das caravelas e das naus e nos padrões dos Descobrimentos.
Antecipando os tempos modernos, o patrocínio do empreendimento vinha bem expresso com a cruz de Cristo nas velas das caravelas e das naus e nos padrões dos Descobrimentos.
A gestão de Conhecimento nos Descobrimentos

Não há inovação sem gestão de conhecimento. E os nossos líderes sabiam-no bem. Por isso, fundaram a Universidade de Coimbra no final de Séc. XIII, e cerca de cinquenta anos mais tarde, fundaram a Escola de Capitania em Tomar. Em 1433, o Infante D. Henrique fundou a Escola de Sagres. Criaram também um Conselho de Cosmólogos e um Conselho de Matemáticos para assessorar o poder político e executivo, porque sabiam que as decisões necessitavam de suporte científico. Isto permitiu que tivéssemos recusado em 1487 o financiamento da expedição de Colombo, porque sabíamos que a Índia não ficava para Oeste, mas sim para Leste. Permitiu também que tivéssemos negociado com os Espanhóis o Tratado de Tordesilhas em 1494, porque Duarte Pacheco e a sua equipa já sabia que existiam territórios a 270 léguas a Ocidente das ilhas de Cabo Verde, que viriam a chamar-se Brasil.
Mandaram traduzir livros Árabes de Matemática e Astronomia, tendo também contratado os melhores estrangeiros para trabalhar no projeto. Faziam inteligência competitiva através de uma rede sofisticada de espionagem e contraespionagem, para saber e acompanhar tudo o que de melhor se fazia na Europa ao nível da cartografia e das técnicas náuticas. Como não havia registo de patentes e proteção intelectual, desenvolveram processos de gestão de informação confidencial que eram segredo de Estado.
Mandaram traduzir livros Árabes de Matemática e Astronomia, tendo também contratado os melhores estrangeiros para trabalhar no projeto. Faziam inteligência competitiva através de uma rede sofisticada de espionagem e contraespionagem, para saber e acompanhar tudo o que de melhor se fazia na Europa ao nível da cartografia e das técnicas náuticas. Como não havia registo de patentes e proteção intelectual, desenvolveram processos de gestão de informação confidencial que eram segredo de Estado.
A Inovação dos Descobrimentos

Como veremos mais adiante, nós fomos exímios na inovação nos processos e na inovação incremental. Ao contrário do que possa parecer, não criámos nova tecnologia, nem fomos disruptivos na criação de novos equipamentos. No entanto, fomos sábios na gestão, reutilização e transformação do conhecimento existente, na sistematização dos processos de técnicas de navegação e construção naval, que nos permitiram ser pioneiros e iniciar o processo de globalização.
Entre os processos desenvolvidos estavam:
Entre os processos desenvolvidos estavam:
a) As embarcações
A vela triangular latina já existia há centenas de anos em pequenas embarcações do Mediterrâneo. A caravela latina surge da adaptação e melhoria da barca portuguesa e do barriel, substituindo a vela quadrangular pela vela triangular para poder bolinar, elevando a popa para lhe dar mais estabilidade, colocando-lhe mais mastros para lhe dar mais velocidade e conferindo-lhe mais volume e robustez para navegar em mar alto.
A caravela era uma embarcação excelente para a exploração marítima. A vela triangular permitia navegar e progredir melhor contra o vento, era fácil de manobrar e tinha um baixo calado que permitia entrar em embocaduras de rios, navegar à costa e aventurar-se em águas abertas. Com a necessidade de fazer viagens mais longas, desenvolveu-se a caravela de três mastros, a caravela redonda de quatro mastros e as naus que podiam atingir mais de 30 metros e levar mais de 150 toneis e cerca de 100 tripulantes. Como transportavam mercadoria e informação valiosa, para sua defesa eram equipadas com canhões no convés.
Na época, a Ribeira das Naus em Lisboa e noutros estaleiros situados a Norte do país, eram autênticas fábricas de produção naval, empregando centenas de carpinteiros especializados, calafates e mestres de embarcações. Era também um espaço de discussão e partilha de ideias, para acolher as opiniões e a experiência dos pilotos e marinheiros. (...)
Foi a melhoria contínua, a atenção aos detalhes e a foco na sua função e utilização que nos permitiu sermos pioneiros e desenvolver os vários modelos de caravelas portuguesas.
A vela triangular latina já existia há centenas de anos em pequenas embarcações do Mediterrâneo. A caravela latina surge da adaptação e melhoria da barca portuguesa e do barriel, substituindo a vela quadrangular pela vela triangular para poder bolinar, elevando a popa para lhe dar mais estabilidade, colocando-lhe mais mastros para lhe dar mais velocidade e conferindo-lhe mais volume e robustez para navegar em mar alto.
A caravela era uma embarcação excelente para a exploração marítima. A vela triangular permitia navegar e progredir melhor contra o vento, era fácil de manobrar e tinha um baixo calado que permitia entrar em embocaduras de rios, navegar à costa e aventurar-se em águas abertas. Com a necessidade de fazer viagens mais longas, desenvolveu-se a caravela de três mastros, a caravela redonda de quatro mastros e as naus que podiam atingir mais de 30 metros e levar mais de 150 toneis e cerca de 100 tripulantes. Como transportavam mercadoria e informação valiosa, para sua defesa eram equipadas com canhões no convés.
Na época, a Ribeira das Naus em Lisboa e noutros estaleiros situados a Norte do país, eram autênticas fábricas de produção naval, empregando centenas de carpinteiros especializados, calafates e mestres de embarcações. Era também um espaço de discussão e partilha de ideias, para acolher as opiniões e a experiência dos pilotos e marinheiros. (...)
Foi a melhoria contínua, a atenção aos detalhes e a foco na sua função e utilização que nos permitiu sermos pioneiros e desenvolver os vários modelos de caravelas portuguesas.

b) A navegação astronómica e as técnicas de navegação
Quando se pretende navegar de um ponto para outro, o problema que temos que resolver é: como conhecer o rumo a seguir e determinar, num dado instante, a posição do navio? No passado, um piloto determinava a posição do navio por navegação costeira - tendo como referência a terra para a sua orientação; ou determinava a posição do navio por estimativa – tendo como referência uma outra posição anterior já conhecida, usando processos simples com mapas portulanos que marcavam as distâncias entre pontos. Estes dois processos tinham grandes limitações para navegar grandes distâncias em mar alto.
A ciência náutica portuguesa do século XV notabilizou-se porque agregou um somatório sucessivo de conhecimentos relativos à navegação astronómica no Oceano Atlântico, baseados na experiência e na compilação sistemática do registo das observação dos pilotos. A navegação e a determinação da posição do navio passaram a basear-se na observação dos astros. A medição da altura do Sol e da Estrela Polar em relação ao horizonte, permitia determinar a latitude no Hemisfério Norte. A medição da posição do Sol e do Cruzeiro do Sul permita calcular a latitude quando se navegava no Hemisfério Sul.
Com a observação e estudo sistemático dos astros e o registo metódico nos mapas e roteiros de bordo, os marinheiros portugueses definiram tábuas astronómicas como o “Regimento do Sol”, o “Regimento da Estrela no Norte”, e o famoso Almanach Perpetuum de Abraão Zacuto.
A longitude, que consiste em medir a posição nas coordenadas Este-Oeste, era um problema mais delicado para o qual parecia não haver soluções. Porque a precariedade da medição do tempo foi a principal dificuldade na delimitação da longitude que era obtida por estimativa, a partir da distância/rumo percorrida pelo barco. O cálculo da velocidade era obtida com um pedaço de madeira, de forma triangular preso por um cabo marcado com nós espaçados, que se deixava correr por um determinado período de tempo. A medida exata da longitude só veio a ser possível com a invenção do cronómetro.
O termo "volta do mar" foi definido e guardado em segredo pelos navegadores portugueses e decorreu da observação dos regimes de ventos e correntes do Atlântico. Identificaram uma “volta do mar” no Atlântico Norte quando faziam o regresso da costa africana, da capitania de S. Jorge da Mina, onde os ventos e as correntes os levavam para a latitude dos Açores, antes de chegar a Lisboa. Mais tarde, identificaram uma “volta do mar” no Atlântico Sul que passa pela costa do Brasil e leva as embarcações até à costa de Africa do Sul. O conhecimento profundo desde regime de ventos e correntes marítimas deu uma vantagem competitiva aos portuguese e permitiu traçar a rota para a Índia.

c) A Cartografia
A navegação astronómica no Atlântico e a consequente introdução da escala de latitudes nas cartas são um dos grandes contributos dos portugueses para a história da Ciência Náutica e da Cartografia.
O contributo dos estudos do matemático Pedro Nunes que demonstram que a distância mais curta entre dois pontos na superfície terrestre é uma linha curva e que se navegarmos fixando sempre o mesmo rumo, deslocamo-nos em espiral até ao polo.
A Cartografia portuguesa herdou os conhecimentos da escola italiana das cartas-portulanos do Mediterrâneo, melhorando o detalhe e o rigor da representação, fruto do trabalho de medida e registo sistemático dos navegadores. Para poder regressar aos mesmos locais e poder partilhar essa informação com outros marinheiros, os descobridores portugueses necessitaram de desenvolver um processo sistemático de recolha de informação que exigia disciplina e rigor.

d) Os instrumentos de navegação
A bússola foi inventada pelos chineses mais de 1500 anos antes da época dos Descobrimentos. A bússola na Idade Média indicava até doze regimes de ventos. Os portugueses, através da observação e experimentação, utilizavam a rosa-dos-ventos, indicando 16 e 32 rumos, e tinham conhecimento da declinação magnética que traduz a diferença entre o Norte magnético e o Norte geográfico, que varia com a longitude. Para diminuir os erros de leitura, a bússola era construída numa caixa de madeira e afastada das peças de artilharia, âncoras e outros materiais metálicos.
O astrolábio era um antigo instrumento para medir a altura dos astros acima do horizonte, utilizado na Idade Média para fins astrológicos e astronómicos, era também utilizado para resolver problemas geométricos, como calcular a altura de um edifício ou a profundidade de um poço. O astrolábio náutico foi uma versão simplificada do tradicional e tinha a possibilidade de apenas medir a altura dos astros para determinar a localização em alto mar, que foi sendo aperfeiçoado pelos portugueses, ajustando a graduação de acordo com as tabelas de declinações dos astros e tornando-o mais pesado (em cobre), para melhorar a precisão de leitura. Já o quadrante era um instrumento em madeira, com a forma de um quarto de círculo, com uma escala graduada com a mesma função do astrolábio. A balestilha é um instrumento posterior ao astrolábio, tudo indica que teve contribuição portuguesa e foi inspirado no kamal (balestilha de mouro). Foi um importante auxiliar de orientação em alto mar através da observação das estrelas e do Sol. Para medir o Sol, a operação era feita de costas para o astro, para não ferir a vista.
Na época dos Descobrimentos não existiam relógios. A ampulheta era um instrumento para medir o tempo e regular toda a vida a bordo. Existiam ampulhetas para tempos de uma, duas ou mais horas, mas as mais usadas eram as de meia hora, também conhecidas por relógio. Ao virar a ampulheta, o marinheiro tocava o sino: uma badalada às meias horas e um par de badalada à hora. Para calcular a velocidade, os marinheiros jogavam ao mar um pedaço de madeira amarrado a uma corda cheia de nós, contando o número de nós que passavam por entre os dedos durante um período de meia hora, medindo o tempo com o auxílio de uma ampulheta colocada no convés. Ainda hoje a velocidade dos navios é medida em "nós".
A bússola foi inventada pelos chineses mais de 1500 anos antes da época dos Descobrimentos. A bússola na Idade Média indicava até doze regimes de ventos. Os portugueses, através da observação e experimentação, utilizavam a rosa-dos-ventos, indicando 16 e 32 rumos, e tinham conhecimento da declinação magnética que traduz a diferença entre o Norte magnético e o Norte geográfico, que varia com a longitude. Para diminuir os erros de leitura, a bússola era construída numa caixa de madeira e afastada das peças de artilharia, âncoras e outros materiais metálicos.
O astrolábio era um antigo instrumento para medir a altura dos astros acima do horizonte, utilizado na Idade Média para fins astrológicos e astronómicos, era também utilizado para resolver problemas geométricos, como calcular a altura de um edifício ou a profundidade de um poço. O astrolábio náutico foi uma versão simplificada do tradicional e tinha a possibilidade de apenas medir a altura dos astros para determinar a localização em alto mar, que foi sendo aperfeiçoado pelos portugueses, ajustando a graduação de acordo com as tabelas de declinações dos astros e tornando-o mais pesado (em cobre), para melhorar a precisão de leitura. Já o quadrante era um instrumento em madeira, com a forma de um quarto de círculo, com uma escala graduada com a mesma função do astrolábio. A balestilha é um instrumento posterior ao astrolábio, tudo indica que teve contribuição portuguesa e foi inspirado no kamal (balestilha de mouro). Foi um importante auxiliar de orientação em alto mar através da observação das estrelas e do Sol. Para medir o Sol, a operação era feita de costas para o astro, para não ferir a vista.
Na época dos Descobrimentos não existiam relógios. A ampulheta era um instrumento para medir o tempo e regular toda a vida a bordo. Existiam ampulhetas para tempos de uma, duas ou mais horas, mas as mais usadas eram as de meia hora, também conhecidas por relógio. Ao virar a ampulheta, o marinheiro tocava o sino: uma badalada às meias horas e um par de badalada à hora. Para calcular a velocidade, os marinheiros jogavam ao mar um pedaço de madeira amarrado a uma corda cheia de nós, contando o número de nós que passavam por entre os dedos durante um período de meia hora, medindo o tempo com o auxílio de uma ampulheta colocada no convés. Ainda hoje a velocidade dos navios é medida em "nós".

e) O planeamento e a organização das expedições
“Se queres ir para o mar, prepara-te em terra”, terá sido a velha máxima dos marinheiros portugueses. As viagens podiam durar vários meses em mar alto, sem recurso a abastecimento. Por isso, era crucial o planeamento e a experiência adquirida, bem como impor uma disciplina férrea a bordo. As caravelas e naus do século XV eram autênticos quartéis flutuantes, onde o vértice do comando era o capitão-mor. A tripulação tinha que ter um correcto equilíbrio entre funções, exigindo: um mestre, um chefe de embarcação, um padre, pilotos, marinheiros, calafates, artilheiros, grumetes e pajens. Submetidos a uma dieta pobre e a regras rígidas, os tripulantes não desfrutavam de conforto algum e raríssimos eram os momentos de lazer. A maioria dos homens dormia ao relento, no convés, pois os porões eram ocupados por tonéis com água, vinho, vinagre, carne e peixe salgado, azeite, azeitonas, farinha, queijo, cebolas e alhos, feijão, mel, frutos secos, biscoitos e alguns animais vivos. O número de tonéis a bordo definia a capacidade dos navios - ainda hoje chamada de "tonelagem".
Os homens recebiam rações rigorosamente iguais. O vinho não podia faltar. Apesar do vinho e da carne ser a base da alimentação a bordo dos navios dos Descobrimentos, eram os duros ”biscoitos de marear” de água e sal, que faziam a diferença. Os biscoitos - palavra composta por “bis” (dois) e “coctus” (cozido) - eram cozidos duas vezes para durar mais tempo. Ainda assim, com o tempo e a humidade, ficavam podres das baratas e cobertos de bolor. A produção dos biscoitos confunde-se com a própria história da expansão ultramarina, eram cozidos nos fornos reais, como os do Vale do Zebro, em Lisboa.
Apesar destes esforços, demorámos tempo a incluir os citrinos na dieta a bordo para combater o escorbuto, e as carências alimentares tinham profundos reflexos nas condições físicas e psíquicas das tripulações. A água disponível a bordo ficava com mau cheiro e provocava diarreias. Por isso, era vital encontrar embocaduras de rios para abastecer de água doce e parar para reparar as embarcações e lavá-las com vinagre, para desinfetar a imundice acumulada. Nesses momentos, porque já tresandavam, os marinheiros aproveitavam para tomar o seu banho semestral. Sim, porque vá-se lá saber porquê: não temiam o mar, mas tinham medo do banho.
“Se queres ir para o mar, prepara-te em terra”, terá sido a velha máxima dos marinheiros portugueses. As viagens podiam durar vários meses em mar alto, sem recurso a abastecimento. Por isso, era crucial o planeamento e a experiência adquirida, bem como impor uma disciplina férrea a bordo. As caravelas e naus do século XV eram autênticos quartéis flutuantes, onde o vértice do comando era o capitão-mor. A tripulação tinha que ter um correcto equilíbrio entre funções, exigindo: um mestre, um chefe de embarcação, um padre, pilotos, marinheiros, calafates, artilheiros, grumetes e pajens. Submetidos a uma dieta pobre e a regras rígidas, os tripulantes não desfrutavam de conforto algum e raríssimos eram os momentos de lazer. A maioria dos homens dormia ao relento, no convés, pois os porões eram ocupados por tonéis com água, vinho, vinagre, carne e peixe salgado, azeite, azeitonas, farinha, queijo, cebolas e alhos, feijão, mel, frutos secos, biscoitos e alguns animais vivos. O número de tonéis a bordo definia a capacidade dos navios - ainda hoje chamada de "tonelagem".
Os homens recebiam rações rigorosamente iguais. O vinho não podia faltar. Apesar do vinho e da carne ser a base da alimentação a bordo dos navios dos Descobrimentos, eram os duros ”biscoitos de marear” de água e sal, que faziam a diferença. Os biscoitos - palavra composta por “bis” (dois) e “coctus” (cozido) - eram cozidos duas vezes para durar mais tempo. Ainda assim, com o tempo e a humidade, ficavam podres das baratas e cobertos de bolor. A produção dos biscoitos confunde-se com a própria história da expansão ultramarina, eram cozidos nos fornos reais, como os do Vale do Zebro, em Lisboa.
Apesar destes esforços, demorámos tempo a incluir os citrinos na dieta a bordo para combater o escorbuto, e as carências alimentares tinham profundos reflexos nas condições físicas e psíquicas das tripulações. A água disponível a bordo ficava com mau cheiro e provocava diarreias. Por isso, era vital encontrar embocaduras de rios para abastecer de água doce e parar para reparar as embarcações e lavá-las com vinagre, para desinfetar a imundice acumulada. Nesses momentos, porque já tresandavam, os marinheiros aproveitavam para tomar o seu banho semestral. Sim, porque vá-se lá saber porquê: não temiam o mar, mas tinham medo do banho.
O legado dos descobrimentos e a nossa natureza
Os Vikings chegaram à América vários séculos antes Colombo e o chinês Cheng Ho, entre 1414 e 1433, fez várias expedições por todo o Índico, para concluir que o comércio com esses povos não tinha interesse nem satisfazia suas necessidades, como diz Daniel Boortin no seu livro “Os Descobridores”: “[…] perfeitamente equipados com tecnologia, a inteligência e os recursos naturais para se tornarem descobridores, os Chineses condenaram-se a serem descobertos”.
Ao contrário, os Portugueses tinham uma estratégia e um objetivo bem definido, estavam convencidos de que seria possível navegar para a Índia pelo Atlântico, e que isso representaria uma enorme vantagem comercial, podendo colocar Lisboa no centro do comércio europeu, e alterar o domínio dos árabes e das cidades de Génova e Veneza, no comércio de especiarias. Isso foi possível porque os Portugueses estudaram de forma sistemática as correntes marítimas, o regime dos ventos e desenvolveram inovadoras técnicas de navegação. Isso foi possível porque se deram estímulos à atitude empreendedora da burguesia mercantil portuguesa. O mais espantoso é que, no seculo XV, Portugal tinha pouco mais de um milhão e meio de habitantes. Só a expedição ao Brasil levou mais de 1500 pessoas e, durante todo o período dos descobrimentos, teremos deslocado mais de 20% da população. Um esforço desmedido para um país tão pequeno.
A “sociedade do conhecimento” e a “economia do conhecimento” deram os primeiros passos com a época dos Descobrimentos, porque o conhecimento foi uma das molas propulsoras do empreendimento marítimo português. Iniciámos o processo de globalização, levando o hábito do chá aos ingleses, as malaguetas aos indianos e as armas de fogo aos japoneses. Construímos fortalezas e igrejas em todas as latitudes. Construímos pontes culturais. Difundimos a língua portuguesa nos quatro continentes, influenciando e assimilando novas expressões e conceitos. O Português, o nosso maior património, é a terceira língua mais falada no mundo ocidental e a quinta mais falada em todo o mundo.
A expansão marítima proporcionou-nos uma atenta observação da Natureza, que poria em causa muitos dogmas estabelecidos. Adquirimos uma mais correta percepção dos continentes e oceanos, explicando e prevendo os regimes de ventos e de correntes marítimas, bem como calculando distâncias e latitudes. Provámos a habitabilidade das zonas equatoriais e a esfericidade da Terra. Substituímos a acanhada perspetiva local por uma visão oceânica do Mundo.
O método e as técnicas de observação e descrição da natureza eram suportados em factos e medidas. Os números eram o suporte necessário para o cálculo de distâncias, pesos, durações, latitudes, profundidades e proporções. Sem termos sido cientistas, nem termos feito ciência, a nossa abordagem sistemática, potenciou a matematização do real que se iniciou no Renascimento. O espirito crítico permitiu-nos questionar e alterar dogmas, ajudando a construir um novo saber, baseado na curiosidade, no experiencialismo, nas observações e descrições empíricas da Natureza. A abertura aos outros e a tolerância das diferenças são ainda hoje um traço distintivo da nossa cultura como povo, que temos esquecido de potenciar. A nossa inata capacidade de comunicação e adaptação é incomparavelmente superior a um espanhol, inglês ou alemão, que apresentam uma confrangedora inabilidade para línguas. (...)
Fonte: http://salvocondutos.blogspot.pt/2013/01/a-inovacao-nos-descobrimentos.html
Ao contrário, os Portugueses tinham uma estratégia e um objetivo bem definido, estavam convencidos de que seria possível navegar para a Índia pelo Atlântico, e que isso representaria uma enorme vantagem comercial, podendo colocar Lisboa no centro do comércio europeu, e alterar o domínio dos árabes e das cidades de Génova e Veneza, no comércio de especiarias. Isso foi possível porque os Portugueses estudaram de forma sistemática as correntes marítimas, o regime dos ventos e desenvolveram inovadoras técnicas de navegação. Isso foi possível porque se deram estímulos à atitude empreendedora da burguesia mercantil portuguesa. O mais espantoso é que, no seculo XV, Portugal tinha pouco mais de um milhão e meio de habitantes. Só a expedição ao Brasil levou mais de 1500 pessoas e, durante todo o período dos descobrimentos, teremos deslocado mais de 20% da população. Um esforço desmedido para um país tão pequeno.
A “sociedade do conhecimento” e a “economia do conhecimento” deram os primeiros passos com a época dos Descobrimentos, porque o conhecimento foi uma das molas propulsoras do empreendimento marítimo português. Iniciámos o processo de globalização, levando o hábito do chá aos ingleses, as malaguetas aos indianos e as armas de fogo aos japoneses. Construímos fortalezas e igrejas em todas as latitudes. Construímos pontes culturais. Difundimos a língua portuguesa nos quatro continentes, influenciando e assimilando novas expressões e conceitos. O Português, o nosso maior património, é a terceira língua mais falada no mundo ocidental e a quinta mais falada em todo o mundo.
A expansão marítima proporcionou-nos uma atenta observação da Natureza, que poria em causa muitos dogmas estabelecidos. Adquirimos uma mais correta percepção dos continentes e oceanos, explicando e prevendo os regimes de ventos e de correntes marítimas, bem como calculando distâncias e latitudes. Provámos a habitabilidade das zonas equatoriais e a esfericidade da Terra. Substituímos a acanhada perspetiva local por uma visão oceânica do Mundo.
O método e as técnicas de observação e descrição da natureza eram suportados em factos e medidas. Os números eram o suporte necessário para o cálculo de distâncias, pesos, durações, latitudes, profundidades e proporções. Sem termos sido cientistas, nem termos feito ciência, a nossa abordagem sistemática, potenciou a matematização do real que se iniciou no Renascimento. O espirito crítico permitiu-nos questionar e alterar dogmas, ajudando a construir um novo saber, baseado na curiosidade, no experiencialismo, nas observações e descrições empíricas da Natureza. A abertura aos outros e a tolerância das diferenças são ainda hoje um traço distintivo da nossa cultura como povo, que temos esquecido de potenciar. A nossa inata capacidade de comunicação e adaptação é incomparavelmente superior a um espanhol, inglês ou alemão, que apresentam uma confrangedora inabilidade para línguas. (...)
Fonte: http://salvocondutos.blogspot.pt/2013/01/a-inovacao-nos-descobrimentos.html