AS PARTICULARIDADES DA VIDA DOS PORTUGUESES NO ORIENTE
(Nesta secção estão compilados alguns textos de proveniências variadas mas que dão uma visão clara do modo de vida dos Portugueses no Oriente. O resultado foi um texto denso. Talvez o leitor prefira imprimir as linhas que se seguem para as poder ler de forma mais confortável. Não me interessou tanto aqui acompanhar o texto com imagens, mas deixar apenas o conteúdo)
Os temas abordados são: a originalidade da expansão portuguesa; “Cristãos e especiaria”; Miscigenação; Comércio; Vasco da Gama; D. Francisco de Almeida; Afonso de Albuquerque; A população em Goa; Estagnação e contracção no Oriente (1663-1750)
Os temas abordados são: a originalidade da expansão portuguesa; “Cristãos e especiaria”; Miscigenação; Comércio; Vasco da Gama; D. Francisco de Almeida; Afonso de Albuquerque; A população em Goa; Estagnação e contracção no Oriente (1663-1750)
ORIGINALIDADE DA EXPANSÃO PORTUGUESA – ORLANDO RIBEIRO
Um mundo que se descerra
Para se avaliar o que a expansão representa de original, de inteiramente novo, novo não apenas na nossa história mas na própria História, é preciso recordar o que era o mundo de relação, pequena porção da Terra onde os homens se conheciam e que apenas estava aberta à curiosidade dos viajantes nas rotas consabidas do princípio do século XV. O Mediterrânio, o mais histórico de todos os mares, onde entravam em luta, por vezes, e por vezes em contacto fecundo, duas grandes civilizações: a cristã e a muçulmana (…).
(…) O Oceano Índico tinha relações indirectas com a Europa, frequentado como era por italianos, Levantinos e Berberiscos. Quando os portugueses lá chegaram encontraram com surpresam no litoral africano, cidades muçulmanas que de certo modo lhes recordava o seu mundo familiar da Península: Mombaça que, com os seus eirados e jardins, parecia uma cidade espanhola; Melinde, que, segundo as palavras do autor do Roteiro da viagem de Vasco da Gama “se quer parecer com Alcochete”. Em Calecute esperava-os outra surpresa: mouros que os saudavam numa algaravia de palavras italianas, espanholas e portuguesas. Mas, até essa memorável viagem, não havia outra forma de chegar à Índia ou ao litoral oriental de África, que mantinha relações constantes com ela, senão atravessando o Egipto e as plagas inóspitas do deserto. (…)
Não eram porém apenas a luta e os descobrimentos, mas a ocupação efectiva das terras que suscitavam problemas inteiramente novos. (…)
Em menos de um século, desde a conquista de Ceuta até à viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães, Portugal abrira o mundo a uma vida de relação até esse tempo completamente desconhecida na História.
(…) O Oceano Índico tinha relações indirectas com a Europa, frequentado como era por italianos, Levantinos e Berberiscos. Quando os portugueses lá chegaram encontraram com surpresam no litoral africano, cidades muçulmanas que de certo modo lhes recordava o seu mundo familiar da Península: Mombaça que, com os seus eirados e jardins, parecia uma cidade espanhola; Melinde, que, segundo as palavras do autor do Roteiro da viagem de Vasco da Gama “se quer parecer com Alcochete”. Em Calecute esperava-os outra surpresa: mouros que os saudavam numa algaravia de palavras italianas, espanholas e portuguesas. Mas, até essa memorável viagem, não havia outra forma de chegar à Índia ou ao litoral oriental de África, que mantinha relações constantes com ela, senão atravessando o Egipto e as plagas inóspitas do deserto. (…)
Não eram porém apenas a luta e os descobrimentos, mas a ocupação efectiva das terras que suscitavam problemas inteiramente novos. (…)
Em menos de um século, desde a conquista de Ceuta até à viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães, Portugal abrira o mundo a uma vida de relação até esse tempo completamente desconhecida na História.
“Cristãos e especiaria”
Como se fez a expansão portuguesa? É preciso considerar que, no momento culminante dos descobrimentos e conquistas, a população da metrópole não alcançava milhão e meio de habitantes. Portanto, para aumentar estes homens que se gastavam por tantos lugares, era necessário encontrar uma solução: multiplica-los. Os processos de multiplicação foram dois: a assimilação e a mestiçagem. A base da assimilação era aquele elemento que ao tempo constituía certamente o símbolo mais vivo duma civilização – a religião. Em toda a parte onde os portugueses chegaram, as suas ambições evangelizadoras foram amplas, o seu proselitismo foi ardente. Em toda a parte esse proselitismo fez conversões, os homens que foram integrados pelo caminho da religião na civilização nova, fossem eles de qualquer raça, fossem eles de qualquer cor, eram iguais aos Portugueses que lhes tinham aberto este caminho. (…)
Quando Vasco da Gama largou em Calecute, para estabelecer o primeiro contacto com a terra, um dos degredados que levava a bordo das naus, e a quem se confiavam as missões mais arriscadas, este ficou surpreendido por ter encontrado um mouro que lhe falava meio em português, meio em espanhol, e lhe perguntou quem eram, de onde vinham o que vieram fazer tão longe. E este homem simples, este colaborador obscuro de quem nunca saberemos o nome, respondeu realmente por toda a armada: “Viemos levar cristãos e especiaria.”. Era o objectivo comercial, mas era também o objectivo religioso. Quando D. Manuel mandou preparar a armada seguinte, entre as instruções minuciosas que deu a Pedro Álvares Cabral para a sua acção na Índia figurava a cristianização. A frota compunha-se de treze velas, a maior que até então se armara, e ia provida de armas materiais, mas ia provida também de armas espirituais, alguns frades franciscanos e alguns curas, a quem se recomendava que admoestassem as populações, fizessem ver o erro em que viviam os Mouros, os heréticos e os gentios, e se a admoestação não chegasse, então – palavras textuais do cronista – “lhe fizessem ferro e fogo e lhe fizessem crua guerra.”. Compreendia-se assim neste tempo a evangelização. Os que a levavam a cabo eram homens duros, que se sentiam obrigados a fazer partilhar a outros homens a única doutrina de salvação em que profundamente acreditavam. (…)
Quando Vasco da Gama largou em Calecute, para estabelecer o primeiro contacto com a terra, um dos degredados que levava a bordo das naus, e a quem se confiavam as missões mais arriscadas, este ficou surpreendido por ter encontrado um mouro que lhe falava meio em português, meio em espanhol, e lhe perguntou quem eram, de onde vinham o que vieram fazer tão longe. E este homem simples, este colaborador obscuro de quem nunca saberemos o nome, respondeu realmente por toda a armada: “Viemos levar cristãos e especiaria.”. Era o objectivo comercial, mas era também o objectivo religioso. Quando D. Manuel mandou preparar a armada seguinte, entre as instruções minuciosas que deu a Pedro Álvares Cabral para a sua acção na Índia figurava a cristianização. A frota compunha-se de treze velas, a maior que até então se armara, e ia provida de armas materiais, mas ia provida também de armas espirituais, alguns frades franciscanos e alguns curas, a quem se recomendava que admoestassem as populações, fizessem ver o erro em que viviam os Mouros, os heréticos e os gentios, e se a admoestação não chegasse, então – palavras textuais do cronista – “lhe fizessem ferro e fogo e lhe fizessem crua guerra.”. Compreendia-se assim neste tempo a evangelização. Os que a levavam a cabo eram homens duros, que se sentiam obrigados a fazer partilhar a outros homens a única doutrina de salvação em que profundamente acreditavam. (…)
Miscigenação
(…) As determinações régias (vão) no sentido de que os homens, na Índia, se não demandem, mas tomem por legítimas esposas as mulheres da terra; os esforços de Afonso de Albuquerque (são) para constituir em Goa uma população verdadeiramente mestiçada, uma população luso-indiana; os conselhos de pensadores, como o célebre doutor André de Gouveia, escrevendo a D. João III que, se mais cedo tivesse mandado homens par ao Brasil, eles certamente se agradariam com as mulheres de lá, e teríamos então uma população mais numerosa e com ela se poderia garantir o êxito na luta contra os primeiros ataques dos corsários franceses.
Estes mestiços, ao contrário do que sucedeu em outras nações europeias, não constituíram nunca uma população marginal e desprezível. Pelo contrário, eles tiveram acesso a todas as situações , a todas as honras, e são muitas vezes os mais fiéis, os mais representativos defensores dos interesses portugueses. Lembremos que o maior prosador da nossa História, o Padre António Vieira, não era homem de sangue limpo: era um jesuíta moreno, porque lhe corria nas veias o sangue de uma avó mulata. (…)
Estes mestiços, ao contrário do que sucedeu em outras nações europeias, não constituíram nunca uma população marginal e desprezível. Pelo contrário, eles tiveram acesso a todas as situações , a todas as honras, e são muitas vezes os mais fiéis, os mais representativos defensores dos interesses portugueses. Lembremos que o maior prosador da nossa História, o Padre António Vieira, não era homem de sangue limpo: era um jesuíta moreno, porque lhe corria nas veias o sangue de uma avó mulata. (…)
Comércio
Outro elemento de maior relevo na expansão portuguesa foi o comércio. “Cristãos e especiaria”, na síntese do degredado da armada de Vasco da Gama. Cristianizar e negociar eram assim, mesmo para os mais humildes colaboradores dessa obra, dois objectivos essenciais. Já vimos que meios se usaram para obter o primeiro. Para alcançarmos o segundo procuraram os portugueses difundir certo número de produtos, começando por introduzir, por exemplo, o açúcar e o vinho em todas as ilhas do Oceano Atlântico, mesmo naquelas onde dificilmente este se podia aclimatar. Introduziram ainda o algodão em Cabo Verde, nos Açores, na Madeira, no Nordeste do Brasil; introduziram o pastel, um produto de grande importância, usado em tinturaria, nos Açores, e sobretudo negociaram com a pimenta e outras especiarias do Oriente e com o ouro da Guiné, Monomotapa e de Minas. Se em qualquer vila ou cidade portuguesa, por mais modesta que seja, é raro não se encontrar uma igreja ou um palácio manuelino ou barroco (do tempo de D. João V), se o desenvolvimento das nossas povoações principais está marcado por estas duas épocas de apogeu económico, foram as especiarias do Oriente que sustentaram a primeira, foi o ouro de Minas que sustentou a segunda.
Vasco da Gama
Vasco da Gama partiu de Lisboa com três navios e um barco de mantimentos em Julho de 1497. Fez escala na ilha de Santiago, em Cabo Verde, e daí navegou directamente para o sul, no que viria a ser a mais longa viagem distante de terra até então empreendida. Virou a sudoeste para evitar as calmarias do Golfo da Guiné, depois a sueste para alcançar novamente a costa africana. Passados noventa dias sem avistar terra, aportou à Baía de Santa Helena, na África do Sul de hoje (Novembro de 1497). Passou o Cabo da Boa Esperança com certa dificuldade, causada pelo tempo. Depois de ultrapassar o limite das navegações de Bartolomeu Dias, a expedição iniciou as suas descobertas próprias: Natal, no dia 25 de Dezembro, o rio Zambeze, um mês mais tarde, a Ilha de Moçambique, em começos de Março. Estava-se em terra já muçulmana e havia pilotos disponíveis. A frota atingiu Mombaça, na actual Quénia, depois Melinde, um pouco a norte (Abril de 1498), onde se puderam estabelecer relações amigáveis e obter um piloto árabe famoso (Ahmad Ibn Majid) que levou os barcos até à Índia. Empurrada pela monção de sudoeste, a frota estava à vista da Índia em 18 de Maio. O desembarque realizou-se quatro dias mais tarde. Chegara a bom termo o grande feito.
Depois de três meses de negociações, com alternativas de amizade e de hostilidade aberta, Vasco da Gama iniciou o caminho de regresso, trazendo os navios carregados de especiarias e de outras mercadorias de preço. Largando aos 29 de Agosto, chegou a Lisboa, depois de grandes dificuldades e de ter perdido um navio, nos finais do Verão de 1499. A viagem durara, ao todo, mais de dois anos, mas os resultados eram espectaculares e promissores.
(…) Os portugueses tinham chegado à Índia com o objectivo de conseguir especiarias e outra mercadoria lucrativa. Apresentavam-se também como cruzados em luta permanente contra o Islão. Depressa se deram conta de que, para obter o controlo das fontes de especiarias e do comércio no Oceano Índico, precisavam de destruir a rede antiquíssima dos mercadores e das feitorias muçulmanas. Para mais, vinham achar o islamismo como uma das principais religiões da costa asiática. Nestes termos, especiarias e guerra santa tinham que estar sempre juntas, e quaisquer finalidades pacíficas que a princípio tivessem, cedo haveriam de se converter em política de agressão estratégica, destruição radical e conquista final.
De 1498 a 1505, os portugueses limitaram-se ao cômputo do que tinham a fazer. Conseguiram obter licença de alguns rajás locais para estabelecer feitorias em Cochim, Cananor, Coulão, na costa ocidental da Índia, e em S. Tomé de Meliapor, na costa oriental. Contudo, a política de violência começara desde logo. Intrigas locais, onde os muçulmanos desempenhavam sempre papel de relevo, somadas à inevitável desconfiança e falta de tacto dos portugueses, levaram Vasco da Gama a bombardear Calecute (1498) e a regressar à Europa já como inimigo. Por razões idênticas (apesar de um suspicioso começo), a frota de Pedro Álvares Cabral repetiu a façanha em 1500. A cidade seria bombardeada de novo em 1503 e 1504, até que um tratado lhe foi imposto pela superioridade das armas ocidentais.
Depois de três meses de negociações, com alternativas de amizade e de hostilidade aberta, Vasco da Gama iniciou o caminho de regresso, trazendo os navios carregados de especiarias e de outras mercadorias de preço. Largando aos 29 de Agosto, chegou a Lisboa, depois de grandes dificuldades e de ter perdido um navio, nos finais do Verão de 1499. A viagem durara, ao todo, mais de dois anos, mas os resultados eram espectaculares e promissores.
(…) Os portugueses tinham chegado à Índia com o objectivo de conseguir especiarias e outra mercadoria lucrativa. Apresentavam-se também como cruzados em luta permanente contra o Islão. Depressa se deram conta de que, para obter o controlo das fontes de especiarias e do comércio no Oceano Índico, precisavam de destruir a rede antiquíssima dos mercadores e das feitorias muçulmanas. Para mais, vinham achar o islamismo como uma das principais religiões da costa asiática. Nestes termos, especiarias e guerra santa tinham que estar sempre juntas, e quaisquer finalidades pacíficas que a princípio tivessem, cedo haveriam de se converter em política de agressão estratégica, destruição radical e conquista final.
De 1498 a 1505, os portugueses limitaram-se ao cômputo do que tinham a fazer. Conseguiram obter licença de alguns rajás locais para estabelecer feitorias em Cochim, Cananor, Coulão, na costa ocidental da Índia, e em S. Tomé de Meliapor, na costa oriental. Contudo, a política de violência começara desde logo. Intrigas locais, onde os muçulmanos desempenhavam sempre papel de relevo, somadas à inevitável desconfiança e falta de tacto dos portugueses, levaram Vasco da Gama a bombardear Calecute (1498) e a regressar à Europa já como inimigo. Por razões idênticas (apesar de um suspicioso começo), a frota de Pedro Álvares Cabral repetiu a façanha em 1500. A cidade seria bombardeada de novo em 1503 e 1504, até que um tratado lhe foi imposto pela superioridade das armas ocidentais.
D. Francisco de Almeida
Enviado por D. Manuel com a categoria de Vice-Rei, D. Francisco de Almeida chegou à Índia em 1505 com um programa definido de acção política. As instruções que levava incluíam a construção de diversas fortalezas em pontos estratégicos chave (de preferência em ilhas perto da costa), acrescidas de competente guarnição e o estabelecimento continuado de uma esquadra no Oceano Índico. Devia ainda impor o monopólio português no comércio à distância e estabelecer um regime de licenças pagas (cartazes) sobre todos os navios mercantes que não fossem portugueses. Através da violência e de atitudes belicosas, o Vice-Rei teria de lembrar a todos e por toda a parte a presença do poderio dos portugueses. Contudo, D. Francisco de Almeida recebera também instruções para sistematicamente procurar e efectivar alianças políticas e militares com os príncipes indígenas, mesmo que muçulmanos. Bem cônscios da sua impossibilidade física de conquista território, e em boa verdade pouco interessados em construir impérios políticos tão longe da Europa, os portugueses pretendiam apenas um domínio do mar eficaz, aliado a uma hegemonia política na forma de áreas de influência.
Tais objectivos foram geralmente alcançados, embora à custa de tremendas dificuldades e de um quase permanente estado de guerra. Até começos do século XVII, o Oceano Índico tornou-se, na prática, um mar português. As inevitáveis falhas e pontos fracos que a sua extensão implicava, corresponderam todavia, e regularmente, vitórias estrondosas e poucas derrotas de somenos importância.
Tais objectivos foram geralmente alcançados, embora à custa de tremendas dificuldades e de um quase permanente estado de guerra. Até começos do século XVII, o Oceano Índico tornou-se, na prática, um mar português. As inevitáveis falhas e pontos fracos que a sua extensão implicava, corresponderam todavia, e regularmente, vitórias estrondosas e poucas derrotas de somenos importância.
D. Afonso de Albuquerque
D. Francisco de Almeida (1505-1509) fez construir fortalezas em Quiloa, Sofala e Moçambique, todas na costa africana; em Angediva, Cananor e Cochim, na parte Ocidental da Índia, e em Socotorá, ao largo da península arábica, à entrada do Mar Vermelho. Além disso, atacou e deixou em ruínas bom número de cidades hostis, matando e capturando centenas de pessoas. Cedeu o cargo ao Governador-Geral Afonso de Albuquerque (1509-1515), que lhe continuou a política. Todavia, conhecendo já melhor as terras e as gentes (estavs na Índia desde 1506 e fora aí uma primeira vez em 1503: chefiava uma expedição à Arábia e superintendera na construção da fortaleza de Socotorá), sabendo utilizar com maior ousadia as forças militares de que dispunha, e possuindo um génio estratégico muito superior, Afonso de Albuquerque foi não só o “verdadeiro fundador do Império Português na Ásia mas também a melhor garantia da sua permanência. Em pouco mais de seis anos, ancorara os portugueses no Oceano Índico oriental pela conquista de Malaca (1511), controlando assim todo o tráfego marítimo com o Pacífico; impusera a autoridade e a suserania portuguesas sobre Ormuz, dominando o Golfo Pérsico (1507 e 1515); e estabelecera uma base territorial para a sede da administração portuguesa, pela conquista de Goa (1510). Diversos chefes locais prestaram-lhe vassalagem e pagaram-lhe tributo. Construíram-se mais fortalezas e estabeleceram-se novas feitorias. Guerra e destruição devastaram grande número de cidades marítimas, impondo por toda a parte a autoridade de Portugal. Aclamado por alguns como um novo Alexandre, conseguiu sobretudo fazer dos portugueses os sucessores viáveis dos muçulmanos e lembrar aos povos da Ásia costeira a presença portuguesa como de poderosos senhores. Falhou apenas na Arábia onde, apesar de bombardeamentos e destruições, não conseguiu conquistar Aden, resolvendo até abandonar e desmantelar a fortaleza de Socotorá (1511).
Os sucessores de Albuquerque foram em regra menos famosos e têm sido mais criticados pelos seus fracassos, crueldades e sinais de corrupção. Contudo, a fortuna dos portugueses estava longe de declinar, antes se expandia e aumentava até meados do século XVI. Colombo, em Ceilão, foi conquistada em 1518, tornando-se a ilha uma das pedras angulares do sistema português. Edificaram-se outras fortalezas em Chaul, nas ilhas Maldivas, em Pacém (Samatra), em Ternate (nas Molucas), em Chale, etc… Diu, Damão e Baçaim, todas na Índia, converteram-se em autênticas cidades portuguesas, tal como Goa, que nunca cessou de crescer até aos começos do século XVII. Na China, finalmente, os portugueses obtiveram Macau (1557) numa espécie de arrendamento perpétuo, ao mesmo tempo que se fixavam em colónias de mercadores por várias outras cidades chinesas.
Os sucessores de Albuquerque foram em regra menos famosos e têm sido mais criticados pelos seus fracassos, crueldades e sinais de corrupção. Contudo, a fortuna dos portugueses estava longe de declinar, antes se expandia e aumentava até meados do século XVI. Colombo, em Ceilão, foi conquistada em 1518, tornando-se a ilha uma das pedras angulares do sistema português. Edificaram-se outras fortalezas em Chaul, nas ilhas Maldivas, em Pacém (Samatra), em Ternate (nas Molucas), em Chale, etc… Diu, Damão e Baçaim, todas na Índia, converteram-se em autênticas cidades portuguesas, tal como Goa, que nunca cessou de crescer até aos começos do século XVII. Na China, finalmente, os portugueses obtiveram Macau (1557) numa espécie de arrendamento perpétuo, ao mesmo tempo que se fixavam em colónias de mercadores por várias outras cidades chinesas.
OLIVEIRA MARQUES – HISTÓRIA DE PORTUGAL
Na Índia, colonização significou pouco mais do que fortalecer e perpetuar os pontos chave do monopólio comercial. A ideia de conquistar a Índia ou qualquer outra grande região da Ásia foi completamente estranha aos dirigentes portugueses. Assim, a política do governador Afonso de Albuquerque de converter Goa numa cidade europeia e de promover casamentos mistos de portugueses e hindus (de acordo com planos da Coroa)visava apenas fortalecer a posição da cidade como capital de um império de comércio. Algures, Albuquerque limitou-se a continuar a política do seu predecessor – ou seja, as instruções régias que ambos eram obrigados a seguir – de espalhar baluartes em pontos estratégicos em todo o Oceano Índico, escudando-os com esquadras permanentes, como meio de controlar o tráfico e proteger as feitorias.
Goa
Os casamentos mistos em Goa começaram por 1509. Cada casal recebia um importante subsídio ou dote em dinheiro, o que rapidamente fez aumentar o número de consórcios. Em três ou quatro anos, mais de quinhentos casamentos se haviam efectuado, a sua maioria em Goa, mas uns quantos também em Cananor e Cochim. Os noivos eram, em geral, artífices e soldados jovens, com meia dúzia de nobres, também, enquanto as mulheres pertenciam às castas mais altas hindus. Este facto irritou, naturalmente, os goeses, que encaravam as uniões com desprezo e só relutantemente ou à força davam o seu consentimento. Mais tarde, aboliram-se os subsídios e a política casamenteira afrouxou, mas já quando estava a surgir uma casta de mestiços devotados a Portugal e contribuindo para fazer a sua presença em Goa várias vezes centenária.
A administração de Goa seguiu o exemplo de Lisboa. Criou-se um município com a sua câmara, vereadores, juízes e procuradores, dez pessoas ao todo, provavelmente eleitos entre os colonos residentes. O capitão de Goa – correspondente ao alcaide nas cidades de Portugal – tinha o direito e o dever de assistir às reuniões da câmara. O foral concedido por Albuquerque foi confirmado pelo rei em 1516 e objecto, depois de sucessivas renovações e confirmações.
A cidade cresceu em área e população. O plano indígena primitivo sofreu grandes mudanças, aproximando-se pouco a pouco do modelo ideal das cidades renascentistas. Edificaram-se novos e opulentos edifícios, onde viviam o governador, a alta burocracia e os ricos mercadores. Erigiam-se também algumas igrejas monumentais. Goa passou a sede de bispado em 1534, com jurisdição sobre a Ásia e a costa oriental africana. Em 1524 podiam contar-se na cidade um mínimo de 450 fogos de portugueses (umas 2500 pessoas). Em 1.540 havia já cerca de 1800 fogos de europeus ou descendentes de europeus, ou seja, umas 10.000 pessoas, sem contar com os hindus, os muçulmanos e os escravos, o que elevava aquele número a três ou quatro vezes mais.
A alta taxa de mortalidade entre os europeus era constantemente compensada por novas e crescentes chegadas de Portugal. Goa tornou-se bem depressa uma das principais metrópoles portuguesas, rivalizando com a própria Lisboa.
Algures, os padrões tendiam a ser semelhantes. Onde quer que os portugueses conquistassem uma cidade, e dela desposassem os senhores locais, tentavam europeizá-la e convertê-la numa réplica dos lugares que conheciam na pátria. Estimulavam igualmente uma política de miscigenação, tendente a um surto rápidos de habitantes e a uma presença portuguesa permanente e forte. À maneria dos Fenícios e dos Gregos da Antiguidade, interessava-lhes mais tecer uma vasta rede de colónias urbanas, espalhadas ao longo da costa, do que conquistar impérios territoriais.
A administração de Goa seguiu o exemplo de Lisboa. Criou-se um município com a sua câmara, vereadores, juízes e procuradores, dez pessoas ao todo, provavelmente eleitos entre os colonos residentes. O capitão de Goa – correspondente ao alcaide nas cidades de Portugal – tinha o direito e o dever de assistir às reuniões da câmara. O foral concedido por Albuquerque foi confirmado pelo rei em 1516 e objecto, depois de sucessivas renovações e confirmações.
A cidade cresceu em área e população. O plano indígena primitivo sofreu grandes mudanças, aproximando-se pouco a pouco do modelo ideal das cidades renascentistas. Edificaram-se novos e opulentos edifícios, onde viviam o governador, a alta burocracia e os ricos mercadores. Erigiam-se também algumas igrejas monumentais. Goa passou a sede de bispado em 1534, com jurisdição sobre a Ásia e a costa oriental africana. Em 1524 podiam contar-se na cidade um mínimo de 450 fogos de portugueses (umas 2500 pessoas). Em 1.540 havia já cerca de 1800 fogos de europeus ou descendentes de europeus, ou seja, umas 10.000 pessoas, sem contar com os hindus, os muçulmanos e os escravos, o que elevava aquele número a três ou quatro vezes mais.
A alta taxa de mortalidade entre os europeus era constantemente compensada por novas e crescentes chegadas de Portugal. Goa tornou-se bem depressa uma das principais metrópoles portuguesas, rivalizando com a própria Lisboa.
Algures, os padrões tendiam a ser semelhantes. Onde quer que os portugueses conquistassem uma cidade, e dela desposassem os senhores locais, tentavam europeizá-la e convertê-la numa réplica dos lugares que conheciam na pátria. Estimulavam igualmente uma política de miscigenação, tendente a um surto rápidos de habitantes e a uma presença portuguesa permanente e forte. À maneria dos Fenícios e dos Gregos da Antiguidade, interessava-lhes mais tecer uma vasta rede de colónias urbanas, espalhadas ao longo da costa, do que conquistar impérios territoriais.
Administração central
O representante da Coroa portuguesa nos estabelecimentos portugueses de Sofala e Macau era o governador-geral, nomeado pelo rei por um período de três anos e raras vezes reconduzido. Cada governador novo trazia consigo três cartas seladas (numeradas 1, 2, 3) onde estavam indicados os nomes dos seus sucessores em caso de emergência. Este sistema serviu bastante bem, compensando a distância de ano e meio até Portugal e novas nomeações. Em casos de linhagem mais distinta ou de favoritismos régios, ou ainda quando as circunstâncias exigiam alguém com maior prestígio e autoridade, o governador geral passava a vice-rei com prerrogativas quase reais. De 1505 a 1550, onze governadores mas quatro vice-reis apenas (D. Francisco de Almeida, D. Vasco da Gama, D. Garcia de Noronha e D. João de Castro) governaram o Império Português oriental. Governadores e vice-reis nomeavam as autoridades locais, dirigiam as campanhas agressivas, superintendiam na política económica e ficavam responsáveis pela manutenção e cumprimento da lei.
ESTAGNAÇÃO E CONTRACÇÃO NO ORIENTE (1663-1750) - CR BOXER – “O IMPÉRIO COLONIAL PORTUGUÊS”
O Padre Manuel Godinho, um jesuíta que fez uma viagem por terra desde a Índia até Portugal, via Golfo Pérsico e Iraque, em 1663, começou a narração das suas viagens, publicadas em Lisboa dois anos mais tarde, com o seguinte lamento pelas glórias passadas e pelas misérias presentes:
“O Império ou Estado Indiano Lusitano, que anteriormente dominava a totalidade do Oriente e compreendia oito mil léguas de soberania, vinte e nove cidades capitais de província e muitas outra de menor importância, e que ditava leis a trinta e três reinos tributários, espantando todo o mundo com a sua enorme extensão, assombrosas vitórias, próspero comércio e imensas riquezas, está agora reduzido, por causa dos seus próprios pecados ou devido à inevitável decadência dos grandes impérios, a tão poucas terras e cidades que se pode muito bem duvidar de que o Estado fosse mais pequeno mesmo no princípio do que é agora no fim.”
Depois de comparar o início, crescimento, prosperidade e decadência da Índia Portuguesa com as quatro idades do Homem, o jesuíta conclui com tristeza:
“Se ainda não expirou completamente, é porque não encontrou um túmulo digno da sua anterior grandeza. Se era uma árvore, é agora um tronco; se era um edifício, é agora uma ruína; se era um homem, é agora um coto; se era um gigante, é agora um pigmeu; se era grande, não é nada agora; se era a vice-realeza da Índia, está agora reduzido a Goa, Macau, Chaul, Baçaim, Damão, Diu, Moçambique e Mombaça, com algumas outras fortalezas e locais de menor importância – em resumo, relíquias e o pouco do grande corpo desse Estado, que os nossos inimigos nos deixaram, ou como um memorial daquilo que dantes possuíramos na Ásia, ou como uma lembrança amarga do pouco que, agora, lá possuímos.”
A jeremiada do Padre Godinho foi repetida por muitos dos seus contemporâneos, incluindo o vice-rei João Nunes da Cunha, que escreveu para a Coroa em Junho de 1669: “Há muito menos portugueses em todo este Estado do que em Alhos Vedros”, uma aldeia ao sul de Lisboa que contava apenas 200 famílias. Calculando que cada família fosse constituída por cinco ou seus pessoas, , isto daria um total de menos de 1500 portugueses brancos nas colónias portuguesas que restavam de Sofala até Macau. O vice-rei devia estar a exagerar, mas não exagerava muito. A correspondência oficial entre Lisboa e Goa no século que vai de 1650 a 1750 reflecte constantemente uma preocupação pelo número insuficiente de portugueses nascidos na Europa, residentes no Oriente e pela elevada taxa de mortalidade existente entre eles nos locais pouco saudáveis como Goa e a Ilha de Moçambique. Mais particularmente a escassez permanente de mulheres brancas – havia apenas uma em Mascate em 1553, e outra em Macau, em 1636, por exemplo – foi agravada, a acreditar no que o Padre jesuíta Fernão de Queiroz escreveu em Goa em 1687, pelo facto de “Ainda hoje a gravidez das mulheres portuguesas termina quase sempre de forma fatal tanto para a mãe como para o filho”.
Escreve o cronista do Convento de Santa Mónica, em Goa:
“Se bem que os Portugueses estejam já no Oriente há quase duzentos anos e todos os anos um grande número de homens e também algumas mulheres embarquem para lá, ainda assim, com esta multidão, não aumentaram absolutamente nada, nem existe descendência directa de filhos para filhos por mais de três gerações, nem qualquer aumento natural da nossa nação que valha por mencionar.”
Aqui novamente há um tanto de exagero, porquanto havia algumas famílias brancas em Goa que podiam gabar-se de uma linha directa de descendência durante mais de três gerações. Mas eram realmente poucas e estavam espalhadas, e a esmagadora maioria era constituída por Euro-Asiáticos à segunda ou terceira geração.
Outra das razões para o fracasso dos portugueses em “aumentarem e multiplicarem-se” nas suas colónias costeiras asiáticas e africanas durante os séculos XVII e XVIII foi a extrema insalubridade de algumas das suas posições chave, especialmente a de Goa e a da ilha de Moçambique. (…)
Os arquivos do Hospital Real para os Soldados de Goa mostravam que nos primeiros 30 anos do século XVII, morreram lá 25.000 portugueses, sem contar com os homens que tinham morrido nos locais de aboletamento ou em serviço, a bordo de navios das frotas portuguesas. Se bem que faltem longas séries de estatísticas de confiança, não há razão para supor que esta perda de homens tenha experimentado qualquer declínio nos 150 anos seguintes. Nem os próprios cidadãos se encontravam em muito melhores circunstâncias, uma vez que bairros inteiros da anteriormente populosa capital ficaram desabitados e foram, na mesma altura, conquistados pela selva, apesar dos esforços feitos pelo conselho municipal para deter este catastrófico declínio. A Velha Goa foi oficialmente abandonada em 1760, tendo sido ocupado o local mais pequeno e mais saudável de Pangim, mais perto algumas milhas da foz do rio Mandovi.
Uma causa de menor importância, mas que também contribuiu para o fracasso da população branca e euro-asiática, incapaz de se reproduzir em número suficiente na Índia Portuguesa durante este período, foi o elevado número de deserções ocorrido entre os contingentes recém-chegados de recrutas inexperientes e de soldados cadastrados que constituíam uma grande percentagem da guarnição. As queixas acerca destas deserções remontam ao tempo de Afonso de Albuquerque, mas entre 1650 e 1750 atingiram um crescendo.
Em 1742 o vice-rei, D. Pedro de Almeida, Marquês de Castelo-Novo, escreveu ao Secretário de Estado em Lisboa, informando-o de que não sabia o que fazer para lutar contra a corrente de deserções. Tinha consciência de que a melhor maneira de impedir os soldados de desertarem era pagar-lhes, vesti-los e alimentá-los bem, e não exasperá-los com castigos brutais. “É este o modo como são tratados neste Estado e, no entanto, apesar de tudo, as deserções são em número tão elevado e tão frequentes que receio que em breve não tenhamos um único soldado europeu”. Entre os que ficavam em Goa, um número considerável entrava nas Ordens Religiosas, o que constituía objecto permanente de queixas na correspondência dos vice-reis e governadores com a Coroa, além de afectar adversamente a taxa de natalidade potencial. (…)
Outra das razões que ajudam a explicar a estagnação e a decadência das possessões portuguesas na Ásia e na África Oriental durante a maior parte deste período foi a “falta de justiça”, tema de queixas contínuas tanto na correspondência oficial como na não oficial durante vários séculos, em locais tão distantes como Moçambique, Goa e Macau. Gaspar Correia, durante algum tempo secretário de Afonso de Albuquerque e que passou a vida inteira no Oriente, escreveu uma eloquente denúncia da falta de justiça do seu tempo, a qual foi repetida por Diogo do Couto e por muitos outros homens honestos e íntegros nos séculos XVII e XVIII.
“A maior parte dos males é a justiça não ser feita ao povo: porque os capitães das fortalezas da Índia são indivíduos acima do povo, poderosos devido à autoridade que lhes é concedida pelo rei, e assumem eles próprios, poderes ainda maiores. Cometem acções muito vis, como o rei sabe muito bem, tais como roubos, injúrias, assassínios, violações, adultérios com mulheres casadas, viúvas, virgens, órfãs, e concubinagens públicas, praticando tais vilezas sem medo de Deus nem do Rei, sobre cristãos, muçulmanos, hindus, nativos e estrangeiros. E, tal como eles, também se comportam assim os juízes da Coroa, os magistrados, os beleguins e os funcionários do Tesouro. Nada disto aconteceria se o Rei ordenasse que um Governador da Índia fosse publicamente executado num cais de Goa, com a proclamação de que o Rei tinha ordenado que ele fosse decapitado porque não cumprira o seu dever.”.
Admitindo que exista algum exagero nas acusações de Correia, aceitando que existiam oficiais honestos e conscienciosos, ainda que poucos e espalhados, continua a ser um facto que a falta de justiça ocupou sempre um lugar proeminente na correspondência oficial entre as autoridades de Lisboa e Goa, e que não foi menor no Conselho Municipal goês. (…)
Em vista das dificuldades esmagadoras, agravadas em muitos casos por erros cometidos por eles próprios, com que os portugueses se debateram nos séculos XVII e XVIII, e tendo em conta os seus recursos demográficos e económicos relativamente exíguos, pode perguntar-se como é que conseguiram mesmo sobreviver na Ásia e na África Oriental. Nessa altura, circulavam a tostão profecias acerca da perda iminente do muito sofredor “Estado na Índia”. Definiam-no muitas vezes como estando “no seu leito de morte, com uma vela na mão”: afinal, a vela meio derretida não se apagou à força senão quando da invasão não provocada de Goa, Damão e Diu efectuada pelos indianos em 1961. Durante séculos, os portugueses têm mostrado uma notável capacidade para sobreviverem ao mau governo vindo de cima e à indisciplina vinda de baixo e, neste período particular, foram auxiliados por alguns outros factores.
Em primeiro lugar, os seus inimigos tinham geralmente dissensões entre si, por vezes ainda mais graves que as suas. Os imãs Ya´arubi, que governaram Oman de 1624 a 1738, estavam divididos em feudos e facções internas num grau quase nunca visto mesmo no desavindo mundo árabe e, durante a maior parte do tempo, viviam preocupados em lutar contra os persas ao mesmo tempo que combatiam os portugueses. Do mesmo modo, os maratas raramente apresentavam durante muito tempo uma frente unida, e tinham outros inimigos com quem lutar na retaguarda. De qualquer modo, mostravam-se provavelmente relutantes em dar o coup de grace a Goa, quando esta esteve à sua mercê em 1739, porque começavam a ficar apreensivos com o crescente poder inglês na Índia e consideravam, até certo ponto, os portugueses como uma força que poderia contrabalançar esse poder. (…)
Mas uma das razões principais por que os portugueses conseguiram conservar uma parte tão vasta do seu império Oriental, quando tiveram de competir não só com formidáveis inimigos asiáticos mas também com uma concorrência comercial intensa por parte das muito mais ricas Companhias Holandesa e Inglesa das Índias Orientais, foi a sua própria tenacidade capacidade de recuperação. “Quem teima, consegue” resume muito das vicissitudes de outro modo insuperáveis, que tiveram neste período. Desastrosas como foram muitas das suas derrotas em terra e no mar, humilhantes como foram muitas das indignidades a que foram por vezes sujeito em locais como Macau e Madrasta, os portugueses no Oriente mantiveram-se sempre orgulhosamente conscientes daquilo que consideravam o seu glorioso passado quinhentista. Estavam convencidos de que, como descendentes dos conquistadores de Afonso de Albuquerque, e vassalos do seu “poderoso” rei, eram ipso facto, muito superiores aos mercadores das companhias comerciais europeias que tinham chegado depois, por muito ricos que estes pudessem ser. Estavam igualmente convencidos da sua superioridade sobre os povos asiáticos que haviam dominado no Índico durante tanto tempo – uma convicção expressa pelo Padre Francisco de Sousa, S. J., quando referiu no seu Oriente Conquistado de 1710 o “carácter português, que naturalmente despreza todas as raças asiáticas”. Deus, sentiam os portugueses, estava ao lado deles durante o caminho, ainda que, como reconheciam com franqueza, os estivesse a castigar entretanto pelos seus pecados com a perda de Malaca, Ceilão, Malabar e Mombaça. (…)
Este orgulho (na raça portuguesa e nos seus feitos no Oriente) era partilhado por todas as posições e classes sociais em Portugal, com a excepção quase única do rei D. João IV, que uma vez confiou a um enviado francês em Lisboa que abandonaria com prazer o pesado fardo de tentar manter a Índia Portuguesa se pudesse contar numa maneira honrosa de o fazer. Mas foi o primeiro e último monarca português a fazer tal confissão e os seus sucessores não hesitaram em fazer sacrifícios consideráveis para manter o decrépito “Estado da Índia” à tona de água. O governador e conselheiro inglês em Bombaim observou em 1737, bastante correctamente: “A Coroa de Portugal tem mantido durante tanto tempo a posse dos seus territórios na Índia apenas à custa de uma despesa anual considerável; puramente, ao que parece, por um ponto de Honra e Religião”. Além disso, esta atitude era até aprovada pelos “iluminados” homens de Estado que criticavam as loucuras e estravagâncias do “Magnânimo” D. João V, mas que concordavam com ele que (nas palavras de D. Luís da Cunha, o mais experiente diplomata português desse tempo) “as conquistas são o que nos honra e sustenta”. Se Portugal contava ainda alguma coisa nos conselhos dos grandes poderes da Europa era antes de mais pela importância do seu império ultramarino; e se, em 1700, o Brasil era de longe a joia mais lucrativa da Coroa Portuguesa, a Índia ainda era a mais prestigiada. (…)
(…) Se Alexander Hamilton escarnecia da pobreza miserável dos portugueses “em toda a parte das suas colónias na Índia” no fim do século XVII, vemos o globe-trotter italiano Gemeli Careri a afirmar depois da sua visita a Damão e Goa, em 1695: “Os portugueses vivem muito bem na Índia, tanto no que diz respeito à mesa como ao vestuário e ao número de Cafres ou escravos que os servem”. Há muitas outras provas fornecidas por testemunhas oculares igualmente de confiança que apontam neste sentido. Para além dos numerosos escravos negros da África Oriental que os portugueses empregavam, dispunham também de trabalhadores livres indianos, indonésios e chineses em grande quantidade e a preços extremamente baixos. Se houve sempre, indubitavelmente (como o Padre Francisco de Sousa, S.J. escreveu em 1710), um numeroso e empobrecido proletariado em todos os redutos da Ásia portuguesa, também não faltavam ricos mercadores e prósperos capitães. “Porque pobres tens sempre contigo”, como diz o Evangelho, mas também por essa razão existem sempre os ricos.
As magníficas igrejas e fortalezas maciças de Moçambique e Macau, cujas ruínas ainda impressionam o viajante do século XX, foram quase todas construídas (ou, de qualquer modo, extensamente reconstruídas) entre 1600 e 1750, e não nos dias tranquilos do século XVI, como muitas vezes se pensa. O ouro e o marfim da África Oriental continuaram a chegar a Goa durante a primeira metade do século XVIII, ainda que o mesmo já não sucedesse com o ouro e a pimenta de Sumatra. Goa era um importante centro de comércio de diamantes em 1650-1730, mesmo talvez mais importante que Madrasta; e os navios mercantes da carreira da Índia que navegavam do Mandovi para o Tejo iam ainda quase sempre muito ricamente carregados, ainda que partissem apenas um ou dois por ano, em vez de cinco ou seis. Por volta de 1725, o centro económico do Império Ultramarino Português tinha-se deslocado de Goa “Dourada” para a cidade de São Salvador da Baía de Todos-os-Santos, no Brasil, mas a pequena nobreza ou fidalguia de Goa gabava-se ainda de ser a única nobreza de estilo e garbo “e de que, em comparação, a de Portugal é uma sombra”.
“O Império ou Estado Indiano Lusitano, que anteriormente dominava a totalidade do Oriente e compreendia oito mil léguas de soberania, vinte e nove cidades capitais de província e muitas outra de menor importância, e que ditava leis a trinta e três reinos tributários, espantando todo o mundo com a sua enorme extensão, assombrosas vitórias, próspero comércio e imensas riquezas, está agora reduzido, por causa dos seus próprios pecados ou devido à inevitável decadência dos grandes impérios, a tão poucas terras e cidades que se pode muito bem duvidar de que o Estado fosse mais pequeno mesmo no princípio do que é agora no fim.”
Depois de comparar o início, crescimento, prosperidade e decadência da Índia Portuguesa com as quatro idades do Homem, o jesuíta conclui com tristeza:
“Se ainda não expirou completamente, é porque não encontrou um túmulo digno da sua anterior grandeza. Se era uma árvore, é agora um tronco; se era um edifício, é agora uma ruína; se era um homem, é agora um coto; se era um gigante, é agora um pigmeu; se era grande, não é nada agora; se era a vice-realeza da Índia, está agora reduzido a Goa, Macau, Chaul, Baçaim, Damão, Diu, Moçambique e Mombaça, com algumas outras fortalezas e locais de menor importância – em resumo, relíquias e o pouco do grande corpo desse Estado, que os nossos inimigos nos deixaram, ou como um memorial daquilo que dantes possuíramos na Ásia, ou como uma lembrança amarga do pouco que, agora, lá possuímos.”
A jeremiada do Padre Godinho foi repetida por muitos dos seus contemporâneos, incluindo o vice-rei João Nunes da Cunha, que escreveu para a Coroa em Junho de 1669: “Há muito menos portugueses em todo este Estado do que em Alhos Vedros”, uma aldeia ao sul de Lisboa que contava apenas 200 famílias. Calculando que cada família fosse constituída por cinco ou seus pessoas, , isto daria um total de menos de 1500 portugueses brancos nas colónias portuguesas que restavam de Sofala até Macau. O vice-rei devia estar a exagerar, mas não exagerava muito. A correspondência oficial entre Lisboa e Goa no século que vai de 1650 a 1750 reflecte constantemente uma preocupação pelo número insuficiente de portugueses nascidos na Europa, residentes no Oriente e pela elevada taxa de mortalidade existente entre eles nos locais pouco saudáveis como Goa e a Ilha de Moçambique. Mais particularmente a escassez permanente de mulheres brancas – havia apenas uma em Mascate em 1553, e outra em Macau, em 1636, por exemplo – foi agravada, a acreditar no que o Padre jesuíta Fernão de Queiroz escreveu em Goa em 1687, pelo facto de “Ainda hoje a gravidez das mulheres portuguesas termina quase sempre de forma fatal tanto para a mãe como para o filho”.
Escreve o cronista do Convento de Santa Mónica, em Goa:
“Se bem que os Portugueses estejam já no Oriente há quase duzentos anos e todos os anos um grande número de homens e também algumas mulheres embarquem para lá, ainda assim, com esta multidão, não aumentaram absolutamente nada, nem existe descendência directa de filhos para filhos por mais de três gerações, nem qualquer aumento natural da nossa nação que valha por mencionar.”
Aqui novamente há um tanto de exagero, porquanto havia algumas famílias brancas em Goa que podiam gabar-se de uma linha directa de descendência durante mais de três gerações. Mas eram realmente poucas e estavam espalhadas, e a esmagadora maioria era constituída por Euro-Asiáticos à segunda ou terceira geração.
Outra das razões para o fracasso dos portugueses em “aumentarem e multiplicarem-se” nas suas colónias costeiras asiáticas e africanas durante os séculos XVII e XVIII foi a extrema insalubridade de algumas das suas posições chave, especialmente a de Goa e a da ilha de Moçambique. (…)
Os arquivos do Hospital Real para os Soldados de Goa mostravam que nos primeiros 30 anos do século XVII, morreram lá 25.000 portugueses, sem contar com os homens que tinham morrido nos locais de aboletamento ou em serviço, a bordo de navios das frotas portuguesas. Se bem que faltem longas séries de estatísticas de confiança, não há razão para supor que esta perda de homens tenha experimentado qualquer declínio nos 150 anos seguintes. Nem os próprios cidadãos se encontravam em muito melhores circunstâncias, uma vez que bairros inteiros da anteriormente populosa capital ficaram desabitados e foram, na mesma altura, conquistados pela selva, apesar dos esforços feitos pelo conselho municipal para deter este catastrófico declínio. A Velha Goa foi oficialmente abandonada em 1760, tendo sido ocupado o local mais pequeno e mais saudável de Pangim, mais perto algumas milhas da foz do rio Mandovi.
Uma causa de menor importância, mas que também contribuiu para o fracasso da população branca e euro-asiática, incapaz de se reproduzir em número suficiente na Índia Portuguesa durante este período, foi o elevado número de deserções ocorrido entre os contingentes recém-chegados de recrutas inexperientes e de soldados cadastrados que constituíam uma grande percentagem da guarnição. As queixas acerca destas deserções remontam ao tempo de Afonso de Albuquerque, mas entre 1650 e 1750 atingiram um crescendo.
Em 1742 o vice-rei, D. Pedro de Almeida, Marquês de Castelo-Novo, escreveu ao Secretário de Estado em Lisboa, informando-o de que não sabia o que fazer para lutar contra a corrente de deserções. Tinha consciência de que a melhor maneira de impedir os soldados de desertarem era pagar-lhes, vesti-los e alimentá-los bem, e não exasperá-los com castigos brutais. “É este o modo como são tratados neste Estado e, no entanto, apesar de tudo, as deserções são em número tão elevado e tão frequentes que receio que em breve não tenhamos um único soldado europeu”. Entre os que ficavam em Goa, um número considerável entrava nas Ordens Religiosas, o que constituía objecto permanente de queixas na correspondência dos vice-reis e governadores com a Coroa, além de afectar adversamente a taxa de natalidade potencial. (…)
Outra das razões que ajudam a explicar a estagnação e a decadência das possessões portuguesas na Ásia e na África Oriental durante a maior parte deste período foi a “falta de justiça”, tema de queixas contínuas tanto na correspondência oficial como na não oficial durante vários séculos, em locais tão distantes como Moçambique, Goa e Macau. Gaspar Correia, durante algum tempo secretário de Afonso de Albuquerque e que passou a vida inteira no Oriente, escreveu uma eloquente denúncia da falta de justiça do seu tempo, a qual foi repetida por Diogo do Couto e por muitos outros homens honestos e íntegros nos séculos XVII e XVIII.
“A maior parte dos males é a justiça não ser feita ao povo: porque os capitães das fortalezas da Índia são indivíduos acima do povo, poderosos devido à autoridade que lhes é concedida pelo rei, e assumem eles próprios, poderes ainda maiores. Cometem acções muito vis, como o rei sabe muito bem, tais como roubos, injúrias, assassínios, violações, adultérios com mulheres casadas, viúvas, virgens, órfãs, e concubinagens públicas, praticando tais vilezas sem medo de Deus nem do Rei, sobre cristãos, muçulmanos, hindus, nativos e estrangeiros. E, tal como eles, também se comportam assim os juízes da Coroa, os magistrados, os beleguins e os funcionários do Tesouro. Nada disto aconteceria se o Rei ordenasse que um Governador da Índia fosse publicamente executado num cais de Goa, com a proclamação de que o Rei tinha ordenado que ele fosse decapitado porque não cumprira o seu dever.”.
Admitindo que exista algum exagero nas acusações de Correia, aceitando que existiam oficiais honestos e conscienciosos, ainda que poucos e espalhados, continua a ser um facto que a falta de justiça ocupou sempre um lugar proeminente na correspondência oficial entre as autoridades de Lisboa e Goa, e que não foi menor no Conselho Municipal goês. (…)
Em vista das dificuldades esmagadoras, agravadas em muitos casos por erros cometidos por eles próprios, com que os portugueses se debateram nos séculos XVII e XVIII, e tendo em conta os seus recursos demográficos e económicos relativamente exíguos, pode perguntar-se como é que conseguiram mesmo sobreviver na Ásia e na África Oriental. Nessa altura, circulavam a tostão profecias acerca da perda iminente do muito sofredor “Estado na Índia”. Definiam-no muitas vezes como estando “no seu leito de morte, com uma vela na mão”: afinal, a vela meio derretida não se apagou à força senão quando da invasão não provocada de Goa, Damão e Diu efectuada pelos indianos em 1961. Durante séculos, os portugueses têm mostrado uma notável capacidade para sobreviverem ao mau governo vindo de cima e à indisciplina vinda de baixo e, neste período particular, foram auxiliados por alguns outros factores.
Em primeiro lugar, os seus inimigos tinham geralmente dissensões entre si, por vezes ainda mais graves que as suas. Os imãs Ya´arubi, que governaram Oman de 1624 a 1738, estavam divididos em feudos e facções internas num grau quase nunca visto mesmo no desavindo mundo árabe e, durante a maior parte do tempo, viviam preocupados em lutar contra os persas ao mesmo tempo que combatiam os portugueses. Do mesmo modo, os maratas raramente apresentavam durante muito tempo uma frente unida, e tinham outros inimigos com quem lutar na retaguarda. De qualquer modo, mostravam-se provavelmente relutantes em dar o coup de grace a Goa, quando esta esteve à sua mercê em 1739, porque começavam a ficar apreensivos com o crescente poder inglês na Índia e consideravam, até certo ponto, os portugueses como uma força que poderia contrabalançar esse poder. (…)
Mas uma das razões principais por que os portugueses conseguiram conservar uma parte tão vasta do seu império Oriental, quando tiveram de competir não só com formidáveis inimigos asiáticos mas também com uma concorrência comercial intensa por parte das muito mais ricas Companhias Holandesa e Inglesa das Índias Orientais, foi a sua própria tenacidade capacidade de recuperação. “Quem teima, consegue” resume muito das vicissitudes de outro modo insuperáveis, que tiveram neste período. Desastrosas como foram muitas das suas derrotas em terra e no mar, humilhantes como foram muitas das indignidades a que foram por vezes sujeito em locais como Macau e Madrasta, os portugueses no Oriente mantiveram-se sempre orgulhosamente conscientes daquilo que consideravam o seu glorioso passado quinhentista. Estavam convencidos de que, como descendentes dos conquistadores de Afonso de Albuquerque, e vassalos do seu “poderoso” rei, eram ipso facto, muito superiores aos mercadores das companhias comerciais europeias que tinham chegado depois, por muito ricos que estes pudessem ser. Estavam igualmente convencidos da sua superioridade sobre os povos asiáticos que haviam dominado no Índico durante tanto tempo – uma convicção expressa pelo Padre Francisco de Sousa, S. J., quando referiu no seu Oriente Conquistado de 1710 o “carácter português, que naturalmente despreza todas as raças asiáticas”. Deus, sentiam os portugueses, estava ao lado deles durante o caminho, ainda que, como reconheciam com franqueza, os estivesse a castigar entretanto pelos seus pecados com a perda de Malaca, Ceilão, Malabar e Mombaça. (…)
Este orgulho (na raça portuguesa e nos seus feitos no Oriente) era partilhado por todas as posições e classes sociais em Portugal, com a excepção quase única do rei D. João IV, que uma vez confiou a um enviado francês em Lisboa que abandonaria com prazer o pesado fardo de tentar manter a Índia Portuguesa se pudesse contar numa maneira honrosa de o fazer. Mas foi o primeiro e último monarca português a fazer tal confissão e os seus sucessores não hesitaram em fazer sacrifícios consideráveis para manter o decrépito “Estado da Índia” à tona de água. O governador e conselheiro inglês em Bombaim observou em 1737, bastante correctamente: “A Coroa de Portugal tem mantido durante tanto tempo a posse dos seus territórios na Índia apenas à custa de uma despesa anual considerável; puramente, ao que parece, por um ponto de Honra e Religião”. Além disso, esta atitude era até aprovada pelos “iluminados” homens de Estado que criticavam as loucuras e estravagâncias do “Magnânimo” D. João V, mas que concordavam com ele que (nas palavras de D. Luís da Cunha, o mais experiente diplomata português desse tempo) “as conquistas são o que nos honra e sustenta”. Se Portugal contava ainda alguma coisa nos conselhos dos grandes poderes da Europa era antes de mais pela importância do seu império ultramarino; e se, em 1700, o Brasil era de longe a joia mais lucrativa da Coroa Portuguesa, a Índia ainda era a mais prestigiada. (…)
(…) Se Alexander Hamilton escarnecia da pobreza miserável dos portugueses “em toda a parte das suas colónias na Índia” no fim do século XVII, vemos o globe-trotter italiano Gemeli Careri a afirmar depois da sua visita a Damão e Goa, em 1695: “Os portugueses vivem muito bem na Índia, tanto no que diz respeito à mesa como ao vestuário e ao número de Cafres ou escravos que os servem”. Há muitas outras provas fornecidas por testemunhas oculares igualmente de confiança que apontam neste sentido. Para além dos numerosos escravos negros da África Oriental que os portugueses empregavam, dispunham também de trabalhadores livres indianos, indonésios e chineses em grande quantidade e a preços extremamente baixos. Se houve sempre, indubitavelmente (como o Padre Francisco de Sousa, S.J. escreveu em 1710), um numeroso e empobrecido proletariado em todos os redutos da Ásia portuguesa, também não faltavam ricos mercadores e prósperos capitães. “Porque pobres tens sempre contigo”, como diz o Evangelho, mas também por essa razão existem sempre os ricos.
As magníficas igrejas e fortalezas maciças de Moçambique e Macau, cujas ruínas ainda impressionam o viajante do século XX, foram quase todas construídas (ou, de qualquer modo, extensamente reconstruídas) entre 1600 e 1750, e não nos dias tranquilos do século XVI, como muitas vezes se pensa. O ouro e o marfim da África Oriental continuaram a chegar a Goa durante a primeira metade do século XVIII, ainda que o mesmo já não sucedesse com o ouro e a pimenta de Sumatra. Goa era um importante centro de comércio de diamantes em 1650-1730, mesmo talvez mais importante que Madrasta; e os navios mercantes da carreira da Índia que navegavam do Mandovi para o Tejo iam ainda quase sempre muito ricamente carregados, ainda que partissem apenas um ou dois por ano, em vez de cinco ou seis. Por volta de 1725, o centro económico do Império Ultramarino Português tinha-se deslocado de Goa “Dourada” para a cidade de São Salvador da Baía de Todos-os-Santos, no Brasil, mas a pequena nobreza ou fidalguia de Goa gabava-se ainda de ser a única nobreza de estilo e garbo “e de que, em comparação, a de Portugal é uma sombra”.