Diu

1. Introdução
Valendo pelos seus espantosos edifícios, pelas suas magníficas Igrejas, pela imponente fortaleza, pelas pessoas cujo olhar retribui em igual grau a nossa curiosidade, Diu vale, sobretudo, pelo que ali se passou.
Para se entender integralmente Diu, é necessário ler dois textos da secção “Descobridores, heróis e as suas histórias” relativos aos dois cercos que os mouros impuseram a esta cidade. Saber os feitos heróicos que, no século XVI tiveram lugar, permite recuperar o que, hoje, só se vê em ruínas.
Valendo pelos seus espantosos edifícios, pelas suas magníficas Igrejas, pela imponente fortaleza, pelas pessoas cujo olhar retribui em igual grau a nossa curiosidade, Diu vale, sobretudo, pelo que ali se passou.
Para se entender integralmente Diu, é necessário ler dois textos da secção “Descobridores, heróis e as suas histórias” relativos aos dois cercos que os mouros impuseram a esta cidade. Saber os feitos heróicos que, no século XVI tiveram lugar, permite recuperar o que, hoje, só se vê em ruínas.
De facto, o que lá está ainda deixa antever a história, porque ainda há muitas partes bem conservadas. As muralhas, recuperadas ao longo dos anos, ainda nos impressionam pela sua solidez, apesar de todas as guerras que viram passar.
Muito do património de Diu precisa de urgnete recuperação. Por exemplo, na Igreja de S. Tomé, hoje transformada em museu, existem dezenas de estátuas antigas e pedras que pedem por um tratamento mais cuidado do que estarem abandonadas no chão, a desfazerem-se com os dejectos dos pombos que nidificam no interior no edifício.
Muito do património de Diu precisa de urgnete recuperação. Por exemplo, na Igreja de S. Tomé, hoje transformada em museu, existem dezenas de estátuas antigas e pedras que pedem por um tratamento mais cuidado do que estarem abandonadas no chão, a desfazerem-se com os dejectos dos pombos que nidificam no interior no edifício.
Documento histórico importantíssimo que passa despercebido no meio dos tesouros que jazem abandonados no museu é a pedra gravada que assinala a morte do filho de D. João de Castro, D. Fernando de Castro. Num museu de Lisboa, estes tesouros permitiriam uma exposição única. Ali, parecem esquecidos no chão de pedra.
Por tudo isto, e para procurar alertar os interessados, mais uma vez cito José Mattoso, no seu "Património de Origem Portuguesa no Mundo":
Por tudo isto, e para procurar alertar os interessados, mais uma vez cito José Mattoso, no seu "Património de Origem Portuguesa no Mundo":
2. “Enquadramento histórico e Urbanismo
Em 3 de Fevereiro de 1509 travou-se na barra de Diu, em plena costa do reino ou sultanado do Gujarate – ou de Cambaia, como os portugueses o designavam – a mais importante batalha naval da história da presença portuguesa no Oriente, pois atribuiu-lhes o domínio do Índico durante tempo suficiente para estabelecerem o que veio a ser o Estado da Índia. Comandados pelo Vice-rei Francisco de Almeida, os portugueses destruíram uma frota comandada por Mir Hussein (Hussein Al Kurdi) e composta por forças do sultanado mameluco do Cairo e Alexandria, mercenários rumes e efectivos do samorim de Calecute do sultão de Gujarate, estes armados por Meliqueaz (Malik Aiyaz), antigo escravo tártaro que era o governante de Diu e, assim, vassalo daquele sultão. A coligação inimiga, que há pouco mais de um ano patrulhava o Índico de forma a contrariar os propósitos portugueses e assim proteger os interesses mercantis muçulmanos, contava ainda com o apoio das repúblicas (católicas) adriáticas de Veneza e Ragusa.
Paradoxalmente, pelo menos para a historiografia tradicional, esse marco estratégico na história da presença portuguesa no Oriente tem sido essencialmente assumido como resultado de uma mera vingança pessoal do comandante português pela morte do seu filho, Lourenço de Almeida, um ano antes, no encontro naval entre as mesmas armadas frente a Chaul, cujo resultado foi desastroso para os portugueses, asserção essa que é suportada por factos e fontes credíveis. Na realidade foi o seu último acto digno de nota enquanto vice-rei, aliás produzido em desobediência, pois já recebera ordens expressas do rei para entregar o governo a Afonso de Albuquerque. Foi, porém, uma acção coerente com as estratégias que definira, de mero domínio dos mares e combate às redes mercantis estrangeiras visando substituí-las sem desígnios de soberania sob os governos autóctones. Os feitos imediatos de Afonso de Albuquerque em Goa (1510) e Malaca (1511) não teriam sido possíveis sem a destruição desta primeira frota de coligação muçulmana, com um mal disfarçado apoio das repúblicas mercantis do Adriático.
Em 3 de Fevereiro de 1509 travou-se na barra de Diu, em plena costa do reino ou sultanado do Gujarate – ou de Cambaia, como os portugueses o designavam – a mais importante batalha naval da história da presença portuguesa no Oriente, pois atribuiu-lhes o domínio do Índico durante tempo suficiente para estabelecerem o que veio a ser o Estado da Índia. Comandados pelo Vice-rei Francisco de Almeida, os portugueses destruíram uma frota comandada por Mir Hussein (Hussein Al Kurdi) e composta por forças do sultanado mameluco do Cairo e Alexandria, mercenários rumes e efectivos do samorim de Calecute do sultão de Gujarate, estes armados por Meliqueaz (Malik Aiyaz), antigo escravo tártaro que era o governante de Diu e, assim, vassalo daquele sultão. A coligação inimiga, que há pouco mais de um ano patrulhava o Índico de forma a contrariar os propósitos portugueses e assim proteger os interesses mercantis muçulmanos, contava ainda com o apoio das repúblicas (católicas) adriáticas de Veneza e Ragusa.
Paradoxalmente, pelo menos para a historiografia tradicional, esse marco estratégico na história da presença portuguesa no Oriente tem sido essencialmente assumido como resultado de uma mera vingança pessoal do comandante português pela morte do seu filho, Lourenço de Almeida, um ano antes, no encontro naval entre as mesmas armadas frente a Chaul, cujo resultado foi desastroso para os portugueses, asserção essa que é suportada por factos e fontes credíveis. Na realidade foi o seu último acto digno de nota enquanto vice-rei, aliás produzido em desobediência, pois já recebera ordens expressas do rei para entregar o governo a Afonso de Albuquerque. Foi, porém, uma acção coerente com as estratégias que definira, de mero domínio dos mares e combate às redes mercantis estrangeiras visando substituí-las sem desígnios de soberania sob os governos autóctones. Os feitos imediatos de Afonso de Albuquerque em Goa (1510) e Malaca (1511) não teriam sido possíveis sem a destruição desta primeira frota de coligação muçulmana, com um mal disfarçado apoio das repúblicas mercantis do Adriático.
D. Nuno da Cunha, "Rei de Diu"
No estabelecimento e estruturação de uma rede de portos no Índico os oponentes eram, de facto, os muçulmanos e Diu era nisso um porto chave. Situada no extremo da península de Katiavar, na confluência de territórios e de culturas diversas, era central em relação aos fluxos comerciais entre o Golfo Pérsico, o Mar Vermelho e todo o Hindustão, com especial destaque para a sua posição como ponto de acesso aos ricos portos do Golfo de Cambaia. Era ainda importante a sua fácil articulação náutica com a costa oriental africana. Excelentes condições naturais coroavam a sua posição geográfica. Com efeito, Diu sendo uma ilha separada do território continental gujarati por um canal apenas navegável na entrada oriental, determinou que a urbe e sistema fortificado se desenvolvessem nesse extremo da ilha, aliás de forma afilada e algo alcantilada. Diu significa “luz”.
No estabelecimento e estruturação de uma rede de portos no Índico os oponentes eram, de facto, os muçulmanos e Diu era nisso um porto chave. Situada no extremo da península de Katiavar, na confluência de territórios e de culturas diversas, era central em relação aos fluxos comerciais entre o Golfo Pérsico, o Mar Vermelho e todo o Hindustão, com especial destaque para a sua posição como ponto de acesso aos ricos portos do Golfo de Cambaia. Era ainda importante a sua fácil articulação náutica com a costa oriental africana. Excelentes condições naturais coroavam a sua posição geográfica. Com efeito, Diu sendo uma ilha separada do território continental gujarati por um canal apenas navegável na entrada oriental, determinou que a urbe e sistema fortificado se desenvolvessem nesse extremo da ilha, aliás de forma afilada e algo alcantilada. Diu significa “luz”.
Apesar da estrondosa vitória, o domínio sobre o local não foi imediato. Os ensaios de conquista de Afonso de Albuquerque, em 1513, e de Diogo Lopes de Sequeira, em 1521, falharam. Pelo meio ficou a autorização, obtida por Albuquerque em 1514, para a instalação de uma feitoria, que funcionou com enorme rendimento precisamente até àquela última tentativa. O controlo do Golfo Pérsico e do Mar Vermelho tardava e uma instalação mais sólida no litoral hindustânico de soberania muçulmana foi gradual e apenas assumidamente pretendida com a governação territorializante de Nuno da Cunha (1529-1538). Favoreceu-o a pressão exercida pelo Império Mogol sobre o Gujarate, que permitiu a ocupação dos territórios de Baçaim em Dezembro de 1534 e, em Setembro seguinte, a autorização para uma instalação efectiva em Diu, especificamente através da célere conformação de uma fortaleza no extremo nascente da ilha. O sultão gujarati, Bahadur, sofrera uma pesada derrota e refugiara-se com a sua corte em Diu, solicitando aos portugueses apoio para a defesa, pois o ataque mogol era eminente. Tal como em Baçaim, o comando operacional foi de Martim Afonso de Sousa.
Por estas razões, os estatutos de cedência de Baçaim e de Diu são muito diversos, e deram origem a situações urbanas necessariamente muito diferentes. Do ponto de vista político-administrativo, Diu surgiu como uma espécie de protecturado português de uma pequena porção do sultanado gujarati, que acabaria por ir integrando toda a ilha, a sua população e, ainda, uma ínfima porção do território mais próximo no continente. O resultado imediato foi uma partilha de poder entre o rei local, que se manteve soberano sobre o território continental e o Estado da Índia, que almejava tutelar a soberania dos mares e o comércio nas portas do Golfo de Cambaia. Ao invés de outras instalações como Baçaim ou Goa, à instalação de Diu nunca esteve subjacente qualquer desígnio de controlo e expansão territorial, de senhorialização e rendimento fundiário. A instalação era de controlo militar, marítimo e comercial, no que aliás cedo fraquejou, pois os portugueses nunca lograram controlar o Golfo de Cambaia – nem mesmo com a ocupação de Damão em 1559 – e os muçulmanos desenvolveram alternativas. Sob o domínio português, Diu exportava essencialmente a produção própria, pois do continente pouco ali passou a afluir.
Porém, o entendimento do sultão sobre o negócio que fizera era bastante diferente do dos portugueses e uma vez afastada, no imediato, a ameaça mogol e formada a fortaleza, tentou livrar-se dos portugueses, o que lhe valeu a morte em Fevereiro de 1537, ou melhor, o assassinato, pois tratou-se de um acidente simulado. Mas de novo se formava uma armada turca e mameluca a partir do Cairo e ao longo do Suez para dar combate aos portugueses, sendo Diu o objectivo concreto e imediato de ataque. Mais uma vez, estavam coordenados com a resistência local gujarati. Os portugueses reforçaram o dispositivo defensivo, preparando-se para um cerco. Coube a António da Silveira comandar a defesa do cerco, instalado em Agosto de 1538. Os gujaratis ocuparam então a cidade, obrigando os portugueses a confiar-se à fortaleza. A esquadra turca desembarcou um mês depois. Tudo parecia perdido, mas a estrutura defensiva aguentou e em 5 de Novembro os turcos levantaram ferro e os gujaratis o cerco.

Rapariga de 14 anos a trabalhar no Bairro dos Baneanes
Em 1546 a história repetiu-se, sendo que desta vez o ataque apanhou de surpresa as duas centenas de portugueses colocados em Diu. O infernal cerco durou de 21 de Abril a 11 de Novembro, atravessando toda a monção, o que impedia o socorro português, que necessariamente tinha de chegar por mar. Os sitiante contaram com a colaboração de mercenários italianos, designadamente engenheiros militares, e lograram romper a cortina defensiva, dando azo a combates corpo a corpo. De facto, mais uma vez tudo pareceu perdido, mas finda a monção, a chegada do Vice-rei D. João de Castro com reforços resolveu o cerco numa semana. Ambas as vitórias foram amplamente celebradas e deram origem a um gradual aumento de soberania portuguesa sobre a ilha. Por exemplo, em 1554 passaram a arrecadar todas as receitas da alfândega, em vez do terço que haviam negociado anteriormente. Claro que a oportunidade foi determinada por mais um facto local que gerou uma grande convulsão no Gujarate: a morte do sultão Mahmuid III. De 1570 a 1574 os portugueses intervieram na muralha urbana, o que significa a assunção do controlo global da cidade, então e sempre de uma forma razoavelmente cordata, respeitando princípios de identidade e liberdade religiosa de uma forma sem paralelo em qualquer outra posição no Hindustão.
3. Arquitectura religiosa
Compreensivelmente, e evangelização foi sempre mais difícil e menos bem sucedida em territórios de predominância islâmica, mesmo quando a tolerância se logrou instalar, como é o caso de Diu. Com o fim da soberania portuguesa em 1961 e, assim, com a saída dos já poucos portugueses que ali permaneciam em serviço, essa comunidade está reduzida a um número ínfimo, o que leva a que apenas um dos conjuntos, São Paulo, mantenha o culto religioso como paroquial e a sua escola, aliás frequentada por crianças e adolescentes de diversas confissões, tendo as demais sido adaptadas a outros usos.
(…)
Compreensivelmente, e evangelização foi sempre mais difícil e menos bem sucedida em territórios de predominância islâmica, mesmo quando a tolerância se logrou instalar, como é o caso de Diu. Com o fim da soberania portuguesa em 1961 e, assim, com a saída dos já poucos portugueses que ali permaneciam em serviço, essa comunidade está reduzida a um número ínfimo, o que leva a que apenas um dos conjuntos, São Paulo, mantenha o culto religioso como paroquial e a sua escola, aliás frequentada por crianças e adolescentes de diversas confissões, tendo as demais sido adaptadas a outros usos.
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Igreja de São Tomé
A igreja de São Tomé foi construída extra-muros em 1598 por ordem do arcebispo Frei Aleixo de Menezes, devendo funcionar como paroquial da cidade. Implantada sobre uma colina isolada, com a capela-mor orientada a poente (como todas as igrejas de Diu), tem uma frontaria virada para o mar, impondo-se como o elemento edificado de maior impacto paisagístico da cidade, depois da fortaleza, claro. Impõe-se pela escala das suas duas torres da frontaria, rematadas por uma estrutura decorativa que contrasta com a fachada da nave, quase sem ornamentação. São uma espécie de estrelas de sineira, prolongamento do paramento fronteiro de cada uma das torres, funcionando como simulação de remate em calote esférica, falsa por conseguinte.
É particularmente relevante o facto de a cobertura da nave denunciar no exterior a abóbada, com um extradorso visível e cintado, todo ele caiado. É uma solução que, além de São Tiago, faz lembrar igrejas que se encontram no Coromandel, designadamente as ligadas aos locais de martírio e sepultamento do orago, São Tomé, em Meliapor (Madras), embora aqui o lançamento vertical seja muito superior, longe do atarracamento daqueles modelos. Mas na realidade é uma solução que se encontra em todas as Igrejas existentes em Diu e que, por certo, encontrará justificação e origem mais óbvia em tradições construtivas e expressivas locais. Por exemplo, as coberturas em telha são quase inexistentes, imperando as coberturas em terraço.
Volumetricamente, a igreja de São Tomé surge assim como uma arca, apenas ultrapassada pelas torres e por uma coluna de claro sabor islâmico, que irrompe a meio da frontaria sobre o arco, aliás igual às que rematam as torres. Para quem se aproxima da ilha por leste, sobrepõem-se à fortaleza como uma espécie de remate e farol de alvura conspícua. O interior é absolutamente despojado, para o que contribui o facto de já não ter culto. Funciona desde 1904 como museu arqueológico, onde estão recolhidos múltiplos elementos arquitectónicos e lápides de edifícios relevantes que têm vindo a desaparecer na cidade.
É particularmente relevante o facto de a cobertura da nave denunciar no exterior a abóbada, com um extradorso visível e cintado, todo ele caiado. É uma solução que, além de São Tiago, faz lembrar igrejas que se encontram no Coromandel, designadamente as ligadas aos locais de martírio e sepultamento do orago, São Tomé, em Meliapor (Madras), embora aqui o lançamento vertical seja muito superior, longe do atarracamento daqueles modelos. Mas na realidade é uma solução que se encontra em todas as Igrejas existentes em Diu e que, por certo, encontrará justificação e origem mais óbvia em tradições construtivas e expressivas locais. Por exemplo, as coberturas em telha são quase inexistentes, imperando as coberturas em terraço.
Volumetricamente, a igreja de São Tomé surge assim como uma arca, apenas ultrapassada pelas torres e por uma coluna de claro sabor islâmico, que irrompe a meio da frontaria sobre o arco, aliás igual às que rematam as torres. Para quem se aproxima da ilha por leste, sobrepõem-se à fortaleza como uma espécie de remate e farol de alvura conspícua. O interior é absolutamente despojado, para o que contribui o facto de já não ter culto. Funciona desde 1904 como museu arqueológico, onde estão recolhidos múltiplos elementos arquitectónicos e lápides de edifícios relevantes que têm vindo a desaparecer na cidade.