Nesta secção, apresento alguns factos acerca da História de Portugal e do seu Império Marítimo. Esta secção deve ser complementada pela seguinte, onde se fala de alguns protagonistas dos Descobrimentos.
Faltarão sempre dados, sistematização e rigor. Trata-se, portanto, apenas de uma tentativa de aproximação, sempre em construção.
Faltarão sempre dados, sistematização e rigor. Trata-se, portanto, apenas de uma tentativa de aproximação, sempre em construção.
1 - PORTUGAL ANTES DOS DESCOBRIMENTOS - ATÉ 1415:

a) Os antecedentes europeus - 1241-1439:
Os europeus tinham conhecimentos remotos sobre o continente Asiático, vindos de relatos parciais, muitas das vezes obscurecidos por lendas, ainda dos tempos das explorações de Alexandre o Grande e dos seus sucessores. Outra fonte eram relatos árabes do tempo da ocupação cristã da Palestina e dos reinos cristãos da altura das cruzadas. Pouco era conhecido para lá da Anatólia e do mar Cáspio, regiões bárbaras nos limites, sítios dos últimos cristãos "civilizados". O continente africano era conhecido parcialmente, não se conhecendo o seu limite a Sul, ou sequer se haveria esse limite, existindo apenas relatos de grandes reinos africanos para lá do Sahara, sendo o conhecimento real dos europeus das costas mediterrânicas e pouco mais, já que o bloqueio árabe não permitia explorações mais aprofundadas, senão o dos contactos com os escravos negros vendidos na Europa. O conhecimento das costas africanas atlânticas era remoto e provinha essencialmente de mapas antigos e de relatos de um tempo estranho e distante em que os romanos chegaram a explorar a Mauritânia. Do mar Vermelho, sabia-se da sua existência e pouco mais, sendo que só com o desenvolvimento dos laços comerciais das repúblicas marítimas italianas, Génova e Veneza principalmente, se começou a verdadeira exploração dessa zona.
Viagens medievais por terra
O prelúdio para a Era dos Descobrimentos foi uma série de expedições que atravessaram Eurásia por terra na Baixa Idade Média. Embora os mongóis tivessem ameaçado a Europa com a pilhagem e destruição, os estados mongóis também unificaram grande parte da Eurásia. A partir de 1206, a Pax Mongolica permitiu criar rotas comerciais e vias de comunicação que se estendiam desde o Médio Oriente até à China. Uma série de europeus aproveitaram para explorar o Oriente. Estes eram maioritariamente italianos, pois o comércio entre a Europa e o Médio Oriente era então quase totalmente controlado por comerciantes das Repúblicas marítimas - Génova, Veneza e Ragusa. A estreita relação dos italianos com o Levante suscitou uma grande curiosidade e interesse comercial sobre os países situados a oriente.
O primeiro desses viajantes foi Giovanni da Pian del Carpine, que viajou para a Mongólia e de volta entre 1241-1247. O viajante mais famoso, porém, foi o veneziano Marco Pólo que na sua obra "As Viagens" relatou as suas viagens em toda a Ásia entre 1271-1295, descrevendo ter sido um convidado da Dinastia Yuan na corte de Kublai Khan. A sua obra foi lida por toda a Europa e tornou-se num dos grandes mananciais de informação na época. De 1325-1354, um estudioso marroquino de Tânger, Ibn Battuta, viajou do Norte de África ao Sul da Europa, Médio Oriente e Ásia, tendo chegado à China. Após regressar, ditou o relato destas viagens a um estudioso que conhecera em Granada, a Rihla, ("A viagem"), única e então pouco divulgada fonte de informação sobre suas aventuras. Em 1439, Niccolò Da Conti publicou um relato das suas viagens à Índia e ao Sudeste Asiático.
Estas viagens tiveram contudo pouco efeito imediato: o Império Mongol desmoronou-se quase tão rápido como se formara fazendo com que as rotas para o Oriente se tornassem muito mais difíceis e perigosas. A epidemia de peste negra do século XIV também bloqueou as viagens e o comércio e a ascensão da agressiva e expansionista do Império Otomano, que em 1453 viria a tomar Constantinopla, limitou ainda mais as rotas terrestres para a Ásia.
(selecção retirada do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Era_dos_Descobrimentos)
b) A situação interna de Portugal - Elaine Sanceau, “D. Henrique, o Navegador”:
"O reinado de D. João I foi uma época de restauração, e nesta obra trabalharam ele e a sua mulher de mãos dadas. Ela não se intrometia na política, nem ele nos regulamentos da sua casa ou na educação dos filhos. Viajavam juntos pelo seu pequeno reino, que se distinguia dos reinos contemporâneos da Europa em estar já unificado. Desde o Algarve mourisco até ao Minho céltico nem havia dialectos contrários, nem províncias semi-independentes, nem senhores feudais com vassalos e subvassalos próprios. Todos os feudos dependiam directamente do rei, todos os castelos eram pertença da coroa e não havia barões salteadores. As quatro ordens de cavalaria – de S. João, de S. Tiago, de Avis e de Cristo – ainda guarneciam os seus castelos, mas já não tinham em Portugal mouros para combater desde que o reino do Algarve fora conquistado aos infiéis havia mais de cem anos.
Os fidalgos portugueses não viviam em torres fortificadas atrás dum fosso e ponte levadiça, como os seus confrades franceses. Moravam em solares rurais abertos, ou quintas, com o produto das quais mantinham o habitual séquito de escudeiros, homens de armas e outros aderentes, prontos a marchar à voz do rei. Em tempo de paz os fidalgos cultivavam as suas terras, ou caçavam o javali, senão o urso, dias a fio, ou viajavam pelo país visitando-se mutuamente. Era verdadeira praga – queixavam-se os burgueses – ter fidalgos entre si, com os seus criados e escudeiros e pajens e os criados dos seus pajens e os pajens dos seus escudeiros! A grande personagem poderia instalar-se no mosteiro mais próximo, mas aboletava todo o seu pessoal nas casas dos citadinos, a quem isto era simplesmente odioso. Felizes das terras que, como a cidade do Porto, possuíam foral que lhes dava direito a excluírem todos os fidalgos!
Os municípios livres ou concelhos de Portugal usufruíam tantas liberdades quantas alguma vez se concederam na Europa Medieval. Em Portugal houve sempre tendência para a autonomia local, e, na Idade Média, a administração estava muito descentralizada. Os concelhos tratavam por si da maior parte dos seus interesses particulares, mediante a aprovação do rei, que, seguido da corte, andava sempre de jornada duma parte para outra do seu reino. Só dois dos filhos de D. João e D. Filipa nasceram na mesma cidade.
Não eram muitos os concelhos que se podiam orgulhar de terem uma grande cidade para sede administrativa. Portugal medievo era principalmente um país agrícola de aldeias dispersas. A sua população constava de soldados e marítimos, lavradores e pescadores. Quase não havia indústrias, poucos eram os grandes centros da vida urbana, e não havia classe média opulenta. Até os grandes portos de mar, como Lisboa e Porto, eram tão agrícolas como marítimos – os maiorais da cidade cultivavam os campos e enviavam os navios para o mar. Os mercadores mais ricos que financiavam o comércio externo eram estrangeiros, na sua maioria italianos. Este comércio era muito intenso, porque Portugal produzia matérias alimentícias em quantidade superior à que a sua escassa população podia consumir, e importava de fora todos os tecidos mas finos. Partindo do estuário do Tejo, da foz do Douro, de Setúbal, Aveiro, Vila do Conde, Viana e Ponde de Lima, as minúsculas embarcações navegavam para o Norte até Baiona, Bordéus, Flandres e Ilhas Britânicas, ou para Sul e Leste até ao Adriático. Portugal medieval exportava vinhos para a Inglaterra, sal para a Irlanda, cortiça e peles para a Flandres e peixe seco para o Levante. Embarcava a cera e o mel das suas colinas perfumadas para o norte da Europa, e para lá enviava também azeite, figos e amêndoas do Algarve. As frotas de retorno transportavam fardos de pano inglês, linho da Irlanda, panos de lã flamengos, e sedas italianas. O tráfego marítimo era tão intenso, que muitas vezes, segundo nos informam, o porto de Lisboa parecia uma floresta de mastros e as suas ruas estreitas andavam coalhadas de estrangeiros.
Estas multidões e o bulício do mundo exterior mal penetravam além da costa. No interior os robustos camponeses lavravam os campos como os Romanos tinham ensinado a seus pais, e regavam-nos no estio seco à moda dos Mouros. Tinham marchado armados de foices e forcados a derrotar o inimigo castelhano, e, terminada a guerra, regressaram às suas aldeias, perdidas entre as colinas vestidas de pinhais. A subida e queda das dinastias pouco lhes interessava. O que eles queriam era um rei que contivesse os estrangeiros fora da sua terra. Os seus avós tinham combatido por ela contra os Mouros, e os Castelhanos não haviam de governar sobre os seus filhos!
Era este o país e o povo que D. João e D. Filipa foram chamados a governar num momento crucial da história da nação. Até então, apesar de todas as suas comunicações marítimas, os Portugueses tinham de certo modo vivido isolados. Com a sua independência constantemente ameaçada, a nação precisava de todas as suas energias simplesmente para existir. A última crise por pouco não lhe fora fatal, mas a vontade de viver do povo triunfara. Faltava agora construir o futuro.
À dinastia de Avis foi cometida a tarefa de dar a um povo arruinado a orientação que lhe faltava, restabelecendo a confiança, inspirando novos ideais. O reinado de D. João, da Boa Memória, foi mais importante na história da Europa do que ele podia ter sonhado, pois foi o período que preparou Portugal para o seu grande século. E D. João e D. Filipa de Lencastre fizeram ainda mais. É a eles que o mundo deve o homem que havia de dirigir os Portugueses por caminhos que nação alguma trilhara ainda e instaurar na Terra uma nova idade.
A 4 de Março de 1394, na cidade do Porto, a rainha D: Filipa deu à luz o seu quarto filho. Foi ele o Infante D. Henrique – a quem as gerações futuras chamaram “O Navegador”.
Os europeus tinham conhecimentos remotos sobre o continente Asiático, vindos de relatos parciais, muitas das vezes obscurecidos por lendas, ainda dos tempos das explorações de Alexandre o Grande e dos seus sucessores. Outra fonte eram relatos árabes do tempo da ocupação cristã da Palestina e dos reinos cristãos da altura das cruzadas. Pouco era conhecido para lá da Anatólia e do mar Cáspio, regiões bárbaras nos limites, sítios dos últimos cristãos "civilizados". O continente africano era conhecido parcialmente, não se conhecendo o seu limite a Sul, ou sequer se haveria esse limite, existindo apenas relatos de grandes reinos africanos para lá do Sahara, sendo o conhecimento real dos europeus das costas mediterrânicas e pouco mais, já que o bloqueio árabe não permitia explorações mais aprofundadas, senão o dos contactos com os escravos negros vendidos na Europa. O conhecimento das costas africanas atlânticas era remoto e provinha essencialmente de mapas antigos e de relatos de um tempo estranho e distante em que os romanos chegaram a explorar a Mauritânia. Do mar Vermelho, sabia-se da sua existência e pouco mais, sendo que só com o desenvolvimento dos laços comerciais das repúblicas marítimas italianas, Génova e Veneza principalmente, se começou a verdadeira exploração dessa zona.
Viagens medievais por terra
O prelúdio para a Era dos Descobrimentos foi uma série de expedições que atravessaram Eurásia por terra na Baixa Idade Média. Embora os mongóis tivessem ameaçado a Europa com a pilhagem e destruição, os estados mongóis também unificaram grande parte da Eurásia. A partir de 1206, a Pax Mongolica permitiu criar rotas comerciais e vias de comunicação que se estendiam desde o Médio Oriente até à China. Uma série de europeus aproveitaram para explorar o Oriente. Estes eram maioritariamente italianos, pois o comércio entre a Europa e o Médio Oriente era então quase totalmente controlado por comerciantes das Repúblicas marítimas - Génova, Veneza e Ragusa. A estreita relação dos italianos com o Levante suscitou uma grande curiosidade e interesse comercial sobre os países situados a oriente.
O primeiro desses viajantes foi Giovanni da Pian del Carpine, que viajou para a Mongólia e de volta entre 1241-1247. O viajante mais famoso, porém, foi o veneziano Marco Pólo que na sua obra "As Viagens" relatou as suas viagens em toda a Ásia entre 1271-1295, descrevendo ter sido um convidado da Dinastia Yuan na corte de Kublai Khan. A sua obra foi lida por toda a Europa e tornou-se num dos grandes mananciais de informação na época. De 1325-1354, um estudioso marroquino de Tânger, Ibn Battuta, viajou do Norte de África ao Sul da Europa, Médio Oriente e Ásia, tendo chegado à China. Após regressar, ditou o relato destas viagens a um estudioso que conhecera em Granada, a Rihla, ("A viagem"), única e então pouco divulgada fonte de informação sobre suas aventuras. Em 1439, Niccolò Da Conti publicou um relato das suas viagens à Índia e ao Sudeste Asiático.
Estas viagens tiveram contudo pouco efeito imediato: o Império Mongol desmoronou-se quase tão rápido como se formara fazendo com que as rotas para o Oriente se tornassem muito mais difíceis e perigosas. A epidemia de peste negra do século XIV também bloqueou as viagens e o comércio e a ascensão da agressiva e expansionista do Império Otomano, que em 1453 viria a tomar Constantinopla, limitou ainda mais as rotas terrestres para a Ásia.
(selecção retirada do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Era_dos_Descobrimentos)
b) A situação interna de Portugal - Elaine Sanceau, “D. Henrique, o Navegador”:
"O reinado de D. João I foi uma época de restauração, e nesta obra trabalharam ele e a sua mulher de mãos dadas. Ela não se intrometia na política, nem ele nos regulamentos da sua casa ou na educação dos filhos. Viajavam juntos pelo seu pequeno reino, que se distinguia dos reinos contemporâneos da Europa em estar já unificado. Desde o Algarve mourisco até ao Minho céltico nem havia dialectos contrários, nem províncias semi-independentes, nem senhores feudais com vassalos e subvassalos próprios. Todos os feudos dependiam directamente do rei, todos os castelos eram pertença da coroa e não havia barões salteadores. As quatro ordens de cavalaria – de S. João, de S. Tiago, de Avis e de Cristo – ainda guarneciam os seus castelos, mas já não tinham em Portugal mouros para combater desde que o reino do Algarve fora conquistado aos infiéis havia mais de cem anos.
Os fidalgos portugueses não viviam em torres fortificadas atrás dum fosso e ponte levadiça, como os seus confrades franceses. Moravam em solares rurais abertos, ou quintas, com o produto das quais mantinham o habitual séquito de escudeiros, homens de armas e outros aderentes, prontos a marchar à voz do rei. Em tempo de paz os fidalgos cultivavam as suas terras, ou caçavam o javali, senão o urso, dias a fio, ou viajavam pelo país visitando-se mutuamente. Era verdadeira praga – queixavam-se os burgueses – ter fidalgos entre si, com os seus criados e escudeiros e pajens e os criados dos seus pajens e os pajens dos seus escudeiros! A grande personagem poderia instalar-se no mosteiro mais próximo, mas aboletava todo o seu pessoal nas casas dos citadinos, a quem isto era simplesmente odioso. Felizes das terras que, como a cidade do Porto, possuíam foral que lhes dava direito a excluírem todos os fidalgos!
Os municípios livres ou concelhos de Portugal usufruíam tantas liberdades quantas alguma vez se concederam na Europa Medieval. Em Portugal houve sempre tendência para a autonomia local, e, na Idade Média, a administração estava muito descentralizada. Os concelhos tratavam por si da maior parte dos seus interesses particulares, mediante a aprovação do rei, que, seguido da corte, andava sempre de jornada duma parte para outra do seu reino. Só dois dos filhos de D. João e D. Filipa nasceram na mesma cidade.
Não eram muitos os concelhos que se podiam orgulhar de terem uma grande cidade para sede administrativa. Portugal medievo era principalmente um país agrícola de aldeias dispersas. A sua população constava de soldados e marítimos, lavradores e pescadores. Quase não havia indústrias, poucos eram os grandes centros da vida urbana, e não havia classe média opulenta. Até os grandes portos de mar, como Lisboa e Porto, eram tão agrícolas como marítimos – os maiorais da cidade cultivavam os campos e enviavam os navios para o mar. Os mercadores mais ricos que financiavam o comércio externo eram estrangeiros, na sua maioria italianos. Este comércio era muito intenso, porque Portugal produzia matérias alimentícias em quantidade superior à que a sua escassa população podia consumir, e importava de fora todos os tecidos mas finos. Partindo do estuário do Tejo, da foz do Douro, de Setúbal, Aveiro, Vila do Conde, Viana e Ponde de Lima, as minúsculas embarcações navegavam para o Norte até Baiona, Bordéus, Flandres e Ilhas Britânicas, ou para Sul e Leste até ao Adriático. Portugal medieval exportava vinhos para a Inglaterra, sal para a Irlanda, cortiça e peles para a Flandres e peixe seco para o Levante. Embarcava a cera e o mel das suas colinas perfumadas para o norte da Europa, e para lá enviava também azeite, figos e amêndoas do Algarve. As frotas de retorno transportavam fardos de pano inglês, linho da Irlanda, panos de lã flamengos, e sedas italianas. O tráfego marítimo era tão intenso, que muitas vezes, segundo nos informam, o porto de Lisboa parecia uma floresta de mastros e as suas ruas estreitas andavam coalhadas de estrangeiros.
Estas multidões e o bulício do mundo exterior mal penetravam além da costa. No interior os robustos camponeses lavravam os campos como os Romanos tinham ensinado a seus pais, e regavam-nos no estio seco à moda dos Mouros. Tinham marchado armados de foices e forcados a derrotar o inimigo castelhano, e, terminada a guerra, regressaram às suas aldeias, perdidas entre as colinas vestidas de pinhais. A subida e queda das dinastias pouco lhes interessava. O que eles queriam era um rei que contivesse os estrangeiros fora da sua terra. Os seus avós tinham combatido por ela contra os Mouros, e os Castelhanos não haviam de governar sobre os seus filhos!
Era este o país e o povo que D. João e D. Filipa foram chamados a governar num momento crucial da história da nação. Até então, apesar de todas as suas comunicações marítimas, os Portugueses tinham de certo modo vivido isolados. Com a sua independência constantemente ameaçada, a nação precisava de todas as suas energias simplesmente para existir. A última crise por pouco não lhe fora fatal, mas a vontade de viver do povo triunfara. Faltava agora construir o futuro.
À dinastia de Avis foi cometida a tarefa de dar a um povo arruinado a orientação que lhe faltava, restabelecendo a confiança, inspirando novos ideais. O reinado de D. João, da Boa Memória, foi mais importante na história da Europa do que ele podia ter sonhado, pois foi o período que preparou Portugal para o seu grande século. E D. João e D. Filipa de Lencastre fizeram ainda mais. É a eles que o mundo deve o homem que havia de dirigir os Portugueses por caminhos que nação alguma trilhara ainda e instaurar na Terra uma nova idade.
A 4 de Março de 1394, na cidade do Porto, a rainha D: Filipa deu à luz o seu quarto filho. Foi ele o Infante D. Henrique – a quem as gerações futuras chamaram “O Navegador”.
2 - A PROMESSA DO ORIENTE

(Tapeçaria
do BNU em Zurque: Chegada de Vasco da Gama a Calicut)
Calecut no tempo da chegada dos Portugueses:
De Agosto a Outubro vinham todos os anos do mar Vermelho, trazendo cobre, prata e ouro, mercúrio e cinábrio, coral e açafrão, veludo de cor e água de rosas do Médio Oriente a Calicut, de onde partiam novamente em Fevereiro, carregados de especiarias da Índia e mercadorias do remoto Oriente.
Em contacto permanente com a Arábia, o Egipto, a Pérsia e a África Oriental, Calicut foi visitada, já no tempo de Ibne Batuta, por mercadores da China, de Samatra, de Ceilão e das Ilhas Maldivas, chegando a ser o principal empório da costa indiana. Em cada ano chegavam ali mais de seiscentos navios, não havendo qualquer produto asiático que ali se não encontrasse. Ao mesmo tempo que a pimenta indígena, o gengibre e a canela, que foram levados primeiro pelos árabes àquela costa, e especiarias como cardamomo e cana fístula, o cravo, a cânfora, o sândalo, o âmbar, o marfim, e os mais finos tecidos de algodão, seda e brocados, laca e porcelanas e outras mercadorias tão finas como estas, provenientes do Extremo Oriente e da China." - Elaine Sanceau, “O caminho da Índia”.
Calecut no tempo da chegada dos Portugueses:
De Agosto a Outubro vinham todos os anos do mar Vermelho, trazendo cobre, prata e ouro, mercúrio e cinábrio, coral e açafrão, veludo de cor e água de rosas do Médio Oriente a Calicut, de onde partiam novamente em Fevereiro, carregados de especiarias da Índia e mercadorias do remoto Oriente.
Em contacto permanente com a Arábia, o Egipto, a Pérsia e a África Oriental, Calicut foi visitada, já no tempo de Ibne Batuta, por mercadores da China, de Samatra, de Ceilão e das Ilhas Maldivas, chegando a ser o principal empório da costa indiana. Em cada ano chegavam ali mais de seiscentos navios, não havendo qualquer produto asiático que ali se não encontrasse. Ao mesmo tempo que a pimenta indígena, o gengibre e a canela, que foram levados primeiro pelos árabes àquela costa, e especiarias como cardamomo e cana fístula, o cravo, a cânfora, o sândalo, o âmbar, o marfim, e os mais finos tecidos de algodão, seda e brocados, laca e porcelanas e outras mercadorias tão finas como estas, provenientes do Extremo Oriente e da China." - Elaine Sanceau, “O caminho da Índia”.
2.a) Comércio

No século XV, éramos um país pequeno, sem grande importância no cenário europeu.
Por causa da visão de quatro ou cinco grandes figuras, e por causa do esforço de alguns milhares de portugueses, construímos um império comercial marítimo.
E este marítimo é importante: com poucos homens, a única forma possível de nos instalarmos em locais tão distantes seria com base em feitorias: portos localizados em zonas comerciais estratégicas, guarnecidas por fortalezas que, ao longo das costas, trocavam produtos que vinham da Europa e dos restantes territórios do ultramar com aqueles que aí existissem.
Ao contrário de outros países que, com muito mais gente, tiveram capacidade para povoar os territórios que conquistaram, nós nunca tivemos essa possibilidade, pelo que o nosso império foi, realmente, marítimo, apoiado em feitorias, à volta das quais, quando as relações com os povos vizinhos o permitiam, iam crescendo cidades.
E, na verdade, as relações com os autóctones não foram sempre pacíficas. Todo o tempo que durou a nossa presença na Índia ficou marcado por permanentes conflitos e guerras com os reis ou com as populações locais.
Por causa da visão de quatro ou cinco grandes figuras, e por causa do esforço de alguns milhares de portugueses, construímos um império comercial marítimo.
E este marítimo é importante: com poucos homens, a única forma possível de nos instalarmos em locais tão distantes seria com base em feitorias: portos localizados em zonas comerciais estratégicas, guarnecidas por fortalezas que, ao longo das costas, trocavam produtos que vinham da Europa e dos restantes territórios do ultramar com aqueles que aí existissem.
Ao contrário de outros países que, com muito mais gente, tiveram capacidade para povoar os territórios que conquistaram, nós nunca tivemos essa possibilidade, pelo que o nosso império foi, realmente, marítimo, apoiado em feitorias, à volta das quais, quando as relações com os povos vizinhos o permitiam, iam crescendo cidades.
E, na verdade, as relações com os autóctones não foram sempre pacíficas. Todo o tempo que durou a nossa presença na Índia ficou marcado por permanentes conflitos e guerras com os reis ou com as populações locais.
2.b) Missionação

Desde o primeiro momento, quando, no início do sec. XV, D. Henrique planeava tomar Ceuta, um dos fins era continuar a cruzada, converter os mouros e trazê-los a Cristo. Ao longo de toda a Descoberta, este foi um propósito sempre muito presente.
Ainda no início, quando explorávamos a costa africana, havia a tentativa de encontrar um lendário “Preste João”, o rei de um reino cristão que, no coração de África, teria sido evangelizado por S. Tomé.
Em todas as caravelas, a par dos marinheiros e comerciantes, seguiam padres missionários – sobretudo jesuítas, dominicanos, franciscanos e agostinianos – que procuravam converter os mouros e pagãos que íamos encontrando nas terras onde chegávamos.
Já na Índia, a Igreja vivia a braços com uma difícil tarefa: este país fora, desde tempos longínquos, maioritariamente hindu e, mais recentemente, muitos dos seus territórios estavam dominados por muçulmanos. Havia que trabalhar nestas duas frentes.
Ainda no início, quando explorávamos a costa africana, havia a tentativa de encontrar um lendário “Preste João”, o rei de um reino cristão que, no coração de África, teria sido evangelizado por S. Tomé.
Em todas as caravelas, a par dos marinheiros e comerciantes, seguiam padres missionários – sobretudo jesuítas, dominicanos, franciscanos e agostinianos – que procuravam converter os mouros e pagãos que íamos encontrando nas terras onde chegávamos.
Já na Índia, a Igreja vivia a braços com uma difícil tarefa: este país fora, desde tempos longínquos, maioritariamente hindu e, mais recentemente, muitos dos seus territórios estavam dominados por muçulmanos. Havia que trabalhar nestas duas frentes.

Desde
logo, portanto, foi grande a preocupação com a construção de Igrejas, de
capelas, de conventos e de escolas e a concomitante evangelização, cujo expoente máximo foi S. Francisco Xavier, o “Apóstolo das
Índias”. Quem passeia hoje pelas ruas da Índia Portuguesa, é a todo o tempo confrontado com templos católicos; em cada ruela, em cada
avenida, em cada casa, muitas vezes, há uma Igreja, uma capela, um pequeno
altar.
3 - A VIAGEM DE VASCO DA GAMA

Depois de meio século de viagens de reconhecimento ao longo da costa de África, os Portugueses chegam por fim ao Oriente, numa significativa viagem de 13000 milhas de Lisboa à costa do Malabar. O êxito desta arrojada missão de dois anos põe termo ao monopólio árabe do lucrativo comércio de especiarias e instaura o poder europeu no Extremo Oriente, que se manteria por quatro séculos.
Pouco se conhece acerca dos primeiros anos de vida de Vasco da Gama, após o seu nascimento em Sines, em 1460. O seu pai fora escolhido pelo rei D. João II para comandar uma expedição à Índia, passando pelo Cabo da Boa Esperança, mas ambos morreriam antes que pudessem concretizar os seus planos. O novo rei, D. Manuel I, encarregou Vasco da Gama de empresa semelhante, pelo que uma frota composta por quatro navios largou de Portugal a 8 de Julho de 1497. A 20 de Maio de 1498, Vasco da Gama chegava a Calecute (hoje Kozhikode), na costa do Malabar, na Índia. Aí contactou com o soberano local, adquiriu uma quantidade razoável de especiarias e regressou a Lisboa como um herói. Vasco da Gama voltou à Índia duas vezes, a última das quais, em 1524, como vice-rei. Morreu nesse mesmo ano em Cochim. Ainda hoje, em Portugal, é considerado um herói nacional.
A missiva que o rei D. Manuel I recebeu em Julho de 1499 dizia sem mais preâmbulos “Vasco da Gama, fidalgo da vossa casa, veio à minha terra, com o que eu folguei. Em minha terra há muita canela, e muito cravo, e gengibre, e pimenta e muitas pedras preciosas. E o que eu quero da tua é ouro, e prata, e coral e escarlata.”
Esta breve mensagem, escrita numa folha de palmeira, fora ditada pelo samorim de Calecute, cidade da Costa Ocidental da Índia, distando de Lisboa mais de 13000 milhas por mar. Oferecia a primeira oportunidade de estabelecer o comércio directo entre o Oriente e o Ocidente.
Esta notícia entusiasmou D. Manuel. Desde 1493 que a Espanha se vangloriava das cartas de Cristóvão Colombo. Mas este, depois de três viagens ao que pensava serem as Índias, não encontrava especiarias, mas apenas quantidades mínimas de ouro. Agora os navios portugueses tinham descoberto um caminho marítimo directo para a verdadeira Índia, e como prova haviam regressado com amostras de especiarias e de pedras preciosas de toda a espécie.
D. Manuel, jubiloso, apressou-se a comunicar estas boas novas a Fernando e Isabel de Espanha: “Mui altos e excelentes Príncipes, e muito poderosos Senhores!
Sabem Vossas Altezas como tínhamos mandado a descobrir Vasco da Gama, fidalgo da nossa casa, e com ele Paulo da Gama, seu irmão, com quatro navios pelo oceano; os quais agora já passava de dous anos que eram partidos…Por um dos capitães que a nós a esta cidade ora é chegado, ouvemos: que acharam e descobriram a Índia e outros reinos…acharam grandes cidades…nas quais se faz todo o trato de especiaria e de pedraria…”
Tal como D. Manuel esperava, a notícia espalhou-se pela Europa com a velocidade de um relâmpago. Como dizia um comerciante florentino que vivia em Lisboa, numa carta a um amigo em Itália: “…parece ter sido agora descoberta toda a riqueza do Mundo”.
No decurso dos 150 anos anteriores, todas as mercadorias provenientes do Oriente e destinadas a ser vendidas na Europa eram transportadas através do mar da Arábia por indianos, árabes ou persas. Trazidas por mar desde a Índia, até ao Golfo Pérsico e até ao Mar Vermelho, seguiam depois em caravanas até Alexandria e outros portos do Mediterrâneo Oriental. Aí, eram compradas por mercadores venezianos e genoveses para serem vendidas por toda a Europa. Agora, Portugal descobrira uma rota quer lhe permitia dispensar todos os intermediários e adquirir as pedras preciosas e as especiarias directamente na sua origem.
Portugal não o conseguira, porém, com uma viagem apenas. Havia quase um século que os seus navios avançavam cada vez mais para sul, ao longo da desconhecida costa ocidental de África, em busca do extremo sul deste continente. Em 1488, Bartolomeu Dias encontra-o finalmente mas, depois de dobrar o cabo da Boa Esperança, acedera às exigências da sua tripulação assustada e regressara.
Este sinal de fraqueza poderá ter levado o rei a ignorar o experiente Bartolomeu Dias e a escolher Vasco da Gama para comandar a nova expedição que iria contornar África, subir a sua costa oriental e aventurar-se em seguida no desconhecido Oceano Índico ao rumar ao portos buliçosos do Oriente. Embora pouco se conheça acerca dos primeiros anos da carreira de Vasco da Gama, era por certo um chefe resoluto e um marinheiro experiente. Todas as narrativas da época o descrevem como um homem duro, autoritário e “terrivelmente violento quando encolerizado”.
A frota que Vasco da Gama chefiou era a maior e mais bem organizada das expedições portuguesas de exploração marítima. Duas das quatro naus haviam sido construídas especialmente para esta missão, sob as ordens do experiente Bartolomeu Dias. Estavam armadas com canhões e aparelhadas com as mais modernas cartas náuticas e instrumentos de navegação existentes à data. A S. Gabriel, sob o comando de Gonçalo Álvares, era a nau capitania de Vasco da Gama. Paulo da Gama, seu irmão, comandava a S. Rafael, e Nicolau Coelho, a Bérrio. O quarto navio, destinado ao transporte dos mantimentos, seguia sob o comando de Gonçalo Nunes, que, uma vez esgotadas as provisões, teria a triste missão de afundá-lo.
Contudo, vendo carregar esta nau, ninguém acreditaria que alguma vez chegasse o momento de a afundar. Pela prancha de embarque entraram barrica após barrica de vinho e de água, tonelada após tonelada de alimentos, como bolachas, peixe seco e carnes salgadas, de porco e de vaca; e até mesmo algumas iguarias, como mel, açúcar, alho, ameixas e amêndoas.
Enquanto se carregava o navio das provisões, Vasco da Gama ocupava-se em recrutar marinheiros. Calcula-se que as tripulações somariam um total de 118 a 170 homens, incluindo alguns veteranos da viagem de Bartolomeu Dias. Além dos marinheiros, soldados, carpinteiros e cordoeiros habituais, levavam ainda sacerdotes, intérpretes e até mesmo corneteiros. Iam também alguns degredados e condenados à morte, que seriam incumbidos de missões particularmente arriscadas em terra. Se fossem bem sucedidos, ser-lhes-ia concedido o perdão no seu regresso a Portugal.
Pouco se conhece acerca dos primeiros anos de vida de Vasco da Gama, após o seu nascimento em Sines, em 1460. O seu pai fora escolhido pelo rei D. João II para comandar uma expedição à Índia, passando pelo Cabo da Boa Esperança, mas ambos morreriam antes que pudessem concretizar os seus planos. O novo rei, D. Manuel I, encarregou Vasco da Gama de empresa semelhante, pelo que uma frota composta por quatro navios largou de Portugal a 8 de Julho de 1497. A 20 de Maio de 1498, Vasco da Gama chegava a Calecute (hoje Kozhikode), na costa do Malabar, na Índia. Aí contactou com o soberano local, adquiriu uma quantidade razoável de especiarias e regressou a Lisboa como um herói. Vasco da Gama voltou à Índia duas vezes, a última das quais, em 1524, como vice-rei. Morreu nesse mesmo ano em Cochim. Ainda hoje, em Portugal, é considerado um herói nacional.
A missiva que o rei D. Manuel I recebeu em Julho de 1499 dizia sem mais preâmbulos “Vasco da Gama, fidalgo da vossa casa, veio à minha terra, com o que eu folguei. Em minha terra há muita canela, e muito cravo, e gengibre, e pimenta e muitas pedras preciosas. E o que eu quero da tua é ouro, e prata, e coral e escarlata.”
Esta breve mensagem, escrita numa folha de palmeira, fora ditada pelo samorim de Calecute, cidade da Costa Ocidental da Índia, distando de Lisboa mais de 13000 milhas por mar. Oferecia a primeira oportunidade de estabelecer o comércio directo entre o Oriente e o Ocidente.
Esta notícia entusiasmou D. Manuel. Desde 1493 que a Espanha se vangloriava das cartas de Cristóvão Colombo. Mas este, depois de três viagens ao que pensava serem as Índias, não encontrava especiarias, mas apenas quantidades mínimas de ouro. Agora os navios portugueses tinham descoberto um caminho marítimo directo para a verdadeira Índia, e como prova haviam regressado com amostras de especiarias e de pedras preciosas de toda a espécie.
D. Manuel, jubiloso, apressou-se a comunicar estas boas novas a Fernando e Isabel de Espanha: “Mui altos e excelentes Príncipes, e muito poderosos Senhores!
Sabem Vossas Altezas como tínhamos mandado a descobrir Vasco da Gama, fidalgo da nossa casa, e com ele Paulo da Gama, seu irmão, com quatro navios pelo oceano; os quais agora já passava de dous anos que eram partidos…Por um dos capitães que a nós a esta cidade ora é chegado, ouvemos: que acharam e descobriram a Índia e outros reinos…acharam grandes cidades…nas quais se faz todo o trato de especiaria e de pedraria…”
Tal como D. Manuel esperava, a notícia espalhou-se pela Europa com a velocidade de um relâmpago. Como dizia um comerciante florentino que vivia em Lisboa, numa carta a um amigo em Itália: “…parece ter sido agora descoberta toda a riqueza do Mundo”.
No decurso dos 150 anos anteriores, todas as mercadorias provenientes do Oriente e destinadas a ser vendidas na Europa eram transportadas através do mar da Arábia por indianos, árabes ou persas. Trazidas por mar desde a Índia, até ao Golfo Pérsico e até ao Mar Vermelho, seguiam depois em caravanas até Alexandria e outros portos do Mediterrâneo Oriental. Aí, eram compradas por mercadores venezianos e genoveses para serem vendidas por toda a Europa. Agora, Portugal descobrira uma rota quer lhe permitia dispensar todos os intermediários e adquirir as pedras preciosas e as especiarias directamente na sua origem.
Portugal não o conseguira, porém, com uma viagem apenas. Havia quase um século que os seus navios avançavam cada vez mais para sul, ao longo da desconhecida costa ocidental de África, em busca do extremo sul deste continente. Em 1488, Bartolomeu Dias encontra-o finalmente mas, depois de dobrar o cabo da Boa Esperança, acedera às exigências da sua tripulação assustada e regressara.
Este sinal de fraqueza poderá ter levado o rei a ignorar o experiente Bartolomeu Dias e a escolher Vasco da Gama para comandar a nova expedição que iria contornar África, subir a sua costa oriental e aventurar-se em seguida no desconhecido Oceano Índico ao rumar ao portos buliçosos do Oriente. Embora pouco se conheça acerca dos primeiros anos da carreira de Vasco da Gama, era por certo um chefe resoluto e um marinheiro experiente. Todas as narrativas da época o descrevem como um homem duro, autoritário e “terrivelmente violento quando encolerizado”.
A frota que Vasco da Gama chefiou era a maior e mais bem organizada das expedições portuguesas de exploração marítima. Duas das quatro naus haviam sido construídas especialmente para esta missão, sob as ordens do experiente Bartolomeu Dias. Estavam armadas com canhões e aparelhadas com as mais modernas cartas náuticas e instrumentos de navegação existentes à data. A S. Gabriel, sob o comando de Gonçalo Álvares, era a nau capitania de Vasco da Gama. Paulo da Gama, seu irmão, comandava a S. Rafael, e Nicolau Coelho, a Bérrio. O quarto navio, destinado ao transporte dos mantimentos, seguia sob o comando de Gonçalo Nunes, que, uma vez esgotadas as provisões, teria a triste missão de afundá-lo.
Contudo, vendo carregar esta nau, ninguém acreditaria que alguma vez chegasse o momento de a afundar. Pela prancha de embarque entraram barrica após barrica de vinho e de água, tonelada após tonelada de alimentos, como bolachas, peixe seco e carnes salgadas, de porco e de vaca; e até mesmo algumas iguarias, como mel, açúcar, alho, ameixas e amêndoas.
Enquanto se carregava o navio das provisões, Vasco da Gama ocupava-se em recrutar marinheiros. Calcula-se que as tripulações somariam um total de 118 a 170 homens, incluindo alguns veteranos da viagem de Bartolomeu Dias. Além dos marinheiros, soldados, carpinteiros e cordoeiros habituais, levavam ainda sacerdotes, intérpretes e até mesmo corneteiros. Iam também alguns degredados e condenados à morte, que seriam incumbidos de missões particularmente arriscadas em terra. Se fossem bem sucedidos, ser-lhes-ia concedido o perdão no seu regresso a Portugal.

O embarque realizou-se num sábado, 8 de Julho de 1497, e foi um espectáculo impressionante. Luís de Camões, que descreveu esta viagem, exprimiu o orgulho da multidão que se juntou naquela manhã nas areias brancas do Restelo para lhes desejar boa sorte:
Os Portugueses somos do Ocidente,
Imos buscando as terras do Oriente.
A armada largou finalmente quando, à tardinha, se levantou uma brisa fresca. Os navios deslizaram lentamente, rio abaixo, rumo ao Atlântico. E então, nas palavras de Camões:
Já a vista, pouco a pouco, se desterra
Daqueles pátrios montes que ficavam;
………………………………………………………
E, já depois de toda se escondeu,
Não vimos mais, enfim, que mar e céu.
Na primeira parte da viagem, Vasco da Gama seguiu a rota habitual dos navios mercantes portugueses: para sul, ao longo da costa marroquina; depois das Canárias, rumo às ilhas de Cabo Verde – onde fizeram escala para proceder a reparações e para se reabastecerem de mantimentos e de água potável – e seguidamente para sudeste, a fim de contornar o grande bojo de África. Contudo, algures nas proximidades da Serra Leoa, um pouco a norte do equador, Vasco da Gama afastou-se da costa. Ciente das correntes e dos ventos contrários que retardavam o avanço dos navios que tentam navegar junto ao litoral desde aquele ponto até ao cabo da Boa Esperança, guinou resolutamente a sudeste e aproou ao azul vazio do Atlântico.
A sua decisão revelou-se acertada. Com efeito, os ventos e correntes do Atlântico sul são tais que a melhor rota para a África Meridional descreve um arco gigantesco ao largo da costa. Vasco da Gama e a sua armada, navegando para sudoeste, cruzaram o equador pelos 19º de longitude oeste, chegando provavelmente a cerca de 600 milhas do litoral do Brasil, ainda por descobrir, antes de rumarem de novo a sudeste.
A manobra de Vasco da Gama, além de surpreendente, inquietara sem dúvida as tripulações. Com efeito, desde a largada das ilhas de Cabo Verde, a 3 de Agosto, haviam decorrido três meses sem avistarem terras, um recorde para a época. No entanto, a 22 de Outubro, algumas aves voando para sudeste, “como aves que iam para terras” deram novo alento àqueles marinheiros abatidos. A 27 de Outubro, foram avistadas focas e baleias; a 1 de Novembro, algas “que nascem ao longo da costa”; e por fim, a 4 de Novembro, distinguia-se a costa ocidental de África.
Quatro dias mais tarde, a armada lançava ferro nas águas abrigadas da baía de Santa Helena, cerca de 125 milhas a norte do cabo da Boa Esperança. Aí, os Portugueses contactaram pela primeira vez com os indígenas sul-africanos. De acordo com o único relato existente de uma testemunha ocular (um diário escrito provavelmente por um soldado, Álvaro Velho), um grupo desembarcou, capturou um nativo e trouxe-o para bordo do navio de Vasco da Gama, “o qual o pôs consigo à mesa e de tudo o que nós comíamos comia ele”. “E ao outro dia”, prossegue o narrador, “o capitão o vestiu muito bem e o mandou pôr em terra”. A História não regista a forma como reagiram os companheiros daquele hotentote quando este se lhes juntou, vestindo um gibão e uns calções portugueses. A oferta deste vestuário parece ter vencido qualquer timidez, e em breve grupos de hotentotes se aventuravam até à praia, onde durante três dias sucessivos negociaram com os marinheiros. A certa altura, porém, surgiu uma disputa quando um dos marinheiros ofendeu de qualquer modo alguns africanos que o tinham convidado para comer com eles, e vários portugueses, incluindo Vasco da Gama, ficaram feridos por lanças que os indígenas, enfurecidos, lhes atiraram.
Este incidente revelar-se ia profético. O bom acolhimento inicial seguido por hostilidade seria uma constante que marcaria quase todas as etapas da viagem de Vasco da Gama para a Índia.
Depois de oito dias a limpar os navios, a remendar as velas e a recolher lenha, a frota zarpou da baía de Santa Helena e dirigiu-se para o cabo da Boa Esperança. A 18 de Novembro, os navegantes avistaram o monte Mesa e a península do Cabo. Mas no enorme promontório o tempo estava tempestuoso, pelo que só ao fim de quatro dias foi possível dobrar o cabo, a 22 de Novembro.
Os Portugueses somos do Ocidente,
Imos buscando as terras do Oriente.
A armada largou finalmente quando, à tardinha, se levantou uma brisa fresca. Os navios deslizaram lentamente, rio abaixo, rumo ao Atlântico. E então, nas palavras de Camões:
Já a vista, pouco a pouco, se desterra
Daqueles pátrios montes que ficavam;
………………………………………………………
E, já depois de toda se escondeu,
Não vimos mais, enfim, que mar e céu.
Na primeira parte da viagem, Vasco da Gama seguiu a rota habitual dos navios mercantes portugueses: para sul, ao longo da costa marroquina; depois das Canárias, rumo às ilhas de Cabo Verde – onde fizeram escala para proceder a reparações e para se reabastecerem de mantimentos e de água potável – e seguidamente para sudeste, a fim de contornar o grande bojo de África. Contudo, algures nas proximidades da Serra Leoa, um pouco a norte do equador, Vasco da Gama afastou-se da costa. Ciente das correntes e dos ventos contrários que retardavam o avanço dos navios que tentam navegar junto ao litoral desde aquele ponto até ao cabo da Boa Esperança, guinou resolutamente a sudeste e aproou ao azul vazio do Atlântico.
A sua decisão revelou-se acertada. Com efeito, os ventos e correntes do Atlântico sul são tais que a melhor rota para a África Meridional descreve um arco gigantesco ao largo da costa. Vasco da Gama e a sua armada, navegando para sudoeste, cruzaram o equador pelos 19º de longitude oeste, chegando provavelmente a cerca de 600 milhas do litoral do Brasil, ainda por descobrir, antes de rumarem de novo a sudeste.
A manobra de Vasco da Gama, além de surpreendente, inquietara sem dúvida as tripulações. Com efeito, desde a largada das ilhas de Cabo Verde, a 3 de Agosto, haviam decorrido três meses sem avistarem terras, um recorde para a época. No entanto, a 22 de Outubro, algumas aves voando para sudeste, “como aves que iam para terras” deram novo alento àqueles marinheiros abatidos. A 27 de Outubro, foram avistadas focas e baleias; a 1 de Novembro, algas “que nascem ao longo da costa”; e por fim, a 4 de Novembro, distinguia-se a costa ocidental de África.
Quatro dias mais tarde, a armada lançava ferro nas águas abrigadas da baía de Santa Helena, cerca de 125 milhas a norte do cabo da Boa Esperança. Aí, os Portugueses contactaram pela primeira vez com os indígenas sul-africanos. De acordo com o único relato existente de uma testemunha ocular (um diário escrito provavelmente por um soldado, Álvaro Velho), um grupo desembarcou, capturou um nativo e trouxe-o para bordo do navio de Vasco da Gama, “o qual o pôs consigo à mesa e de tudo o que nós comíamos comia ele”. “E ao outro dia”, prossegue o narrador, “o capitão o vestiu muito bem e o mandou pôr em terra”. A História não regista a forma como reagiram os companheiros daquele hotentote quando este se lhes juntou, vestindo um gibão e uns calções portugueses. A oferta deste vestuário parece ter vencido qualquer timidez, e em breve grupos de hotentotes se aventuravam até à praia, onde durante três dias sucessivos negociaram com os marinheiros. A certa altura, porém, surgiu uma disputa quando um dos marinheiros ofendeu de qualquer modo alguns africanos que o tinham convidado para comer com eles, e vários portugueses, incluindo Vasco da Gama, ficaram feridos por lanças que os indígenas, enfurecidos, lhes atiraram.
Este incidente revelar-se ia profético. O bom acolhimento inicial seguido por hostilidade seria uma constante que marcaria quase todas as etapas da viagem de Vasco da Gama para a Índia.
Depois de oito dias a limpar os navios, a remendar as velas e a recolher lenha, a frota zarpou da baía de Santa Helena e dirigiu-se para o cabo da Boa Esperança. A 18 de Novembro, os navegantes avistaram o monte Mesa e a península do Cabo. Mas no enorme promontório o tempo estava tempestuoso, pelo que só ao fim de quatro dias foi possível dobrar o cabo, a 22 de Novembro.

A 25 de Novembro, Vasco da Gama fundeou na angra de São Brás, actual baía de Mossel, cerca de 300 milhas a leste do cabo, para se reabastecer de água potável e levantar o primeiro padrão. Retirou também as provisões que restavam do navio de mantimentos e destruiu-o. Ali permaneceram os permaneceram os portugueses até 8 de Dezembro, abastecendo-se, calmamente, de água. No entanto, pouco antes de largarem, viram um grupo de nativos enfurecidos deitar abaixo o padrão que Vasco da Gama erigida na praia.
Prosseguindo para leste ao longo do extremo sul de África, a expedição passou, a 16 de Dezembro, junto ao último padrão que Bartolomeu Dias erigira em 1488 e que agora surgia cinzento-dourado e altaneiro na escarpa arenosa do cabo Padrão. Nesse mesmo dia passaram junto à foz do rio do Infante (Great Fish River), onde Bartolomeu resolvera voltar para trás. Daí em diante, a linha de costa bela e bem arborizada inflectia convidativamente para nordeste.
No dia de Natal, o cronista de Vasco da Gama escreveu com satisfação no seu diário: “tínhamos descoberto por costa 70 léguas – cerca de 400 Km – a que Vasco da Gama deu o nome de Natal em honra do nascimento de Cristo”. Porém, em breve as reservas de água encontravam-se tão escassas que os alimentos tinham de ser cozinhados em água salgada e a ração de água diária para cada homem foi reduzida para menos de meio litro. Navegando em busca de um porto onde pudessem renovar a provisão de água doce e proceder a reparações, fundearam junto à baía de Alagoa, no limite meridional do actual país Moçambique, nos princípios de Janeiro, e aí permaneceram cinco dias. Desta vez, e excepcionalmente, as relações entre Vasco da Gama e os nativos mantiveram-se cordiais durante toda a visita. Impressionado pela cortesia dos seus anfitriões, negros de estatura elevada, deu a esta região o nome de Terra de Boa Gente.
A 25 de Janeiro, lançaram ferro no amplo porto junta da actual cidade de Quelimane, já bem para o Norte na costa de Moçambique. Aí demoraram-se um mês, fazendo provisão de água, limpando os cascos dos navios e consertando um mastro partido. Embora as margens do rio que desembocava na baía apresentassem “grandes arvoredos, os quais dão muitas frutas, de muitas maneiras, e os homens desta terra comem delas, não parece que os portugueses tenham aproveitado este suprimento natural de vitamina C, pois, em breve, numerosos tripulantes sofriam de escorbuto. Camões descreve com realismo os terríveis efeitos deste mal:
Que tão disformemente ali lhe incharam
As gingivas na boca, que crescia
a carne e juntamente apodrecia
O escorbuto seria o flagelo dos marinheiros de longo curso durante, pelo menos, os dois séculos seguintes.
Durante a sua estadia em Quelimane, Vasco da Gama sentiu-se encorajado pelos indícios de que alcançara a periferia do domínio comercial árabe. Com efeito, alguns nativos, em vez de andarem nus ou de se cobrirem com peles de animais, usavam tecido de algodão. Dois negros, evidentemente de origem muçulmana, que usavam barretes, um “com uns vivos lavrados de seda; e outro de cetim verde”, aproximaram-se dos portugueses oferecendo tecidos para troca. Mais interessante ainda foi o que ouviram a um rapaz que acompanhava aqueles negros e que “era de outra terra daí longe; e dizia que já vira navios grandes, como aqueles que nós levávamos”. Vasco da Gama, compreendeu que o rapaz estaria com certeza a referir-se aos navios mercantes árabes. Animado por estes indícios de que se aproximava do seu destino, Vasco da Gama chamou ao rio que desagua no porto de Quelimane, rio dos Bons Sinais.
Prosseguindo para leste ao longo do extremo sul de África, a expedição passou, a 16 de Dezembro, junto ao último padrão que Bartolomeu Dias erigira em 1488 e que agora surgia cinzento-dourado e altaneiro na escarpa arenosa do cabo Padrão. Nesse mesmo dia passaram junto à foz do rio do Infante (Great Fish River), onde Bartolomeu resolvera voltar para trás. Daí em diante, a linha de costa bela e bem arborizada inflectia convidativamente para nordeste.
No dia de Natal, o cronista de Vasco da Gama escreveu com satisfação no seu diário: “tínhamos descoberto por costa 70 léguas – cerca de 400 Km – a que Vasco da Gama deu o nome de Natal em honra do nascimento de Cristo”. Porém, em breve as reservas de água encontravam-se tão escassas que os alimentos tinham de ser cozinhados em água salgada e a ração de água diária para cada homem foi reduzida para menos de meio litro. Navegando em busca de um porto onde pudessem renovar a provisão de água doce e proceder a reparações, fundearam junto à baía de Alagoa, no limite meridional do actual país Moçambique, nos princípios de Janeiro, e aí permaneceram cinco dias. Desta vez, e excepcionalmente, as relações entre Vasco da Gama e os nativos mantiveram-se cordiais durante toda a visita. Impressionado pela cortesia dos seus anfitriões, negros de estatura elevada, deu a esta região o nome de Terra de Boa Gente.
A 25 de Janeiro, lançaram ferro no amplo porto junta da actual cidade de Quelimane, já bem para o Norte na costa de Moçambique. Aí demoraram-se um mês, fazendo provisão de água, limpando os cascos dos navios e consertando um mastro partido. Embora as margens do rio que desembocava na baía apresentassem “grandes arvoredos, os quais dão muitas frutas, de muitas maneiras, e os homens desta terra comem delas, não parece que os portugueses tenham aproveitado este suprimento natural de vitamina C, pois, em breve, numerosos tripulantes sofriam de escorbuto. Camões descreve com realismo os terríveis efeitos deste mal:
Que tão disformemente ali lhe incharam
As gingivas na boca, que crescia
a carne e juntamente apodrecia
O escorbuto seria o flagelo dos marinheiros de longo curso durante, pelo menos, os dois séculos seguintes.
Durante a sua estadia em Quelimane, Vasco da Gama sentiu-se encorajado pelos indícios de que alcançara a periferia do domínio comercial árabe. Com efeito, alguns nativos, em vez de andarem nus ou de se cobrirem com peles de animais, usavam tecido de algodão. Dois negros, evidentemente de origem muçulmana, que usavam barretes, um “com uns vivos lavrados de seda; e outro de cetim verde”, aproximaram-se dos portugueses oferecendo tecidos para troca. Mais interessante ainda foi o que ouviram a um rapaz que acompanhava aqueles negros e que “era de outra terra daí longe; e dizia que já vira navios grandes, como aqueles que nós levávamos”. Vasco da Gama, compreendeu que o rapaz estaria com certeza a referir-se aos navios mercantes árabes. Animado por estes indícios de que se aproximava do seu destino, Vasco da Gama chamou ao rio que desagua no porto de Quelimane, rio dos Bons Sinais.

A 24 de Fevereiro, a armada prosseguiu ao longo da costa, de aspecto cada vez mais tropical. Seis dias mais tarde, já a meio caminho da costa oriental de África, os portugueses avistaram uma baía que a ilha de Moçambique dominava. Apercebiam-se agora claramente de que se encontravam em águas percorridas pelos navios árabes. Na realidade, naquela ilha, em vez de uma aldeia de guardadores de gado e de camponeses, deparou-se-lhes uma cidade plena de actividade e repleta de prósperos mercadores negros, vestindo túnicas de algodão e linho com riscas multicores e com barretes de seda bordados a ouro. No porto encontravam-se vários navios costeiros árabes, de grandes dimensões, proas erguidas, tabuado liso e velame latino.
Em breve, os portugueses descobriam que aqueles navios estavam carregados de “ouro, prata, e cravo, e pimenta, e anéis de prata com muitas pérolas, e aldôfar e rubis”. Para grande satisfação dos crédulos europeus, os africanos informaram-nos de que na Índia todos estes artigos eram tão abundantes que não havia necessidade de os comprar, pois podiam ser apanhados em cestos…
Daí a pouco, o sultão de Moçambique visitava a “São Gabriel”, onde Vasco da Gama o obsequiou com um repasto abundante e lhe ofereceu chapéus, vestes, corais e outros presentes; mas, segundo escreve o cronista de Vasco da Gama, o poderoso sultão era “tão alterado que desprezava quanto lhe davam”. Mais tarde, ao descobrir que os seus visitantes não pertenciam a qualquer estranha seita de muçulmanos mas eram cristãos, a sua recepção, inicialmente fria, tornou-se decididamente glacial. Não obstante, esta reunião não redundou num fracasso completo, pois antes de largar de Moçambique, Vasco da Gama, conseguiu que o sultão lhe cedesse dois pilotos árabes para o troço final da viagem.
Assim, a 11 de Março, Vasco da Gama levantou ferro e rumou a Norte. Porém, a força das correntes em breve arrastava os seus navios de regresso a Moçambique, onde foi obrigado a permanecer duas semanas aguardando ventos favoráveis. Entretanto, a hostilidade declarou-se abertamente – mais uma vez por motivo de abastecimento de água potável para os navios – e os portugueses bombardearam a cidade antes de se fazerem ao largo, a 29 de Março.
Navegando agora com o auxílio dos pilotos árabes, a frota chegou a 7 de Abril a Mombaça, na costa do Quénia, e ancorou ao largo, pois Vasco da Gama, receoso de uma cilada, hesitava em levar a sua armada para o porto. Os seus receios eram, com efeito, justificados. Nessa noite, um grupo de 100 homens armados tentou assaltar os navios para averiguar se seria fácil capturá-los. Torturando alguns cativos, Vasco da Gama conseguiu saber que o rei tivera conhecimento do bombardeamento de Moçambique e estava ansioso por aliciar os portugueses a entrarem no porto para os capturar, em retaliação do ataque ao seu aliado.
Em breve, os portugueses descobriam que aqueles navios estavam carregados de “ouro, prata, e cravo, e pimenta, e anéis de prata com muitas pérolas, e aldôfar e rubis”. Para grande satisfação dos crédulos europeus, os africanos informaram-nos de que na Índia todos estes artigos eram tão abundantes que não havia necessidade de os comprar, pois podiam ser apanhados em cestos…
Daí a pouco, o sultão de Moçambique visitava a “São Gabriel”, onde Vasco da Gama o obsequiou com um repasto abundante e lhe ofereceu chapéus, vestes, corais e outros presentes; mas, segundo escreve o cronista de Vasco da Gama, o poderoso sultão era “tão alterado que desprezava quanto lhe davam”. Mais tarde, ao descobrir que os seus visitantes não pertenciam a qualquer estranha seita de muçulmanos mas eram cristãos, a sua recepção, inicialmente fria, tornou-se decididamente glacial. Não obstante, esta reunião não redundou num fracasso completo, pois antes de largar de Moçambique, Vasco da Gama, conseguiu que o sultão lhe cedesse dois pilotos árabes para o troço final da viagem.
Assim, a 11 de Março, Vasco da Gama levantou ferro e rumou a Norte. Porém, a força das correntes em breve arrastava os seus navios de regresso a Moçambique, onde foi obrigado a permanecer duas semanas aguardando ventos favoráveis. Entretanto, a hostilidade declarou-se abertamente – mais uma vez por motivo de abastecimento de água potável para os navios – e os portugueses bombardearam a cidade antes de se fazerem ao largo, a 29 de Março.
Navegando agora com o auxílio dos pilotos árabes, a frota chegou a 7 de Abril a Mombaça, na costa do Quénia, e ancorou ao largo, pois Vasco da Gama, receoso de uma cilada, hesitava em levar a sua armada para o porto. Os seus receios eram, com efeito, justificados. Nessa noite, um grupo de 100 homens armados tentou assaltar os navios para averiguar se seria fácil capturá-los. Torturando alguns cativos, Vasco da Gama conseguiu saber que o rei tivera conhecimento do bombardeamento de Moçambique e estava ansioso por aliciar os portugueses a entrarem no porto para os capturar, em retaliação do ataque ao seu aliado.
Embora no dia seguinte o rei de Mombaça tivesse enviado presentes – incluindo grandes quantidades de laranjas que rapidamente curaram os tripulantes vítimas de escorbuto – e Vasco da Gama, por sua vez, lhe tivesse oferecido um colar de coral, os portugueses mantiveram-se na sua recusa de entrar no porto. Apesar de uma segunda tentativa levada a cabo pelos muçulmanos na noite de 10 de Abril, no intuito de danificarem os navios, Vasco da Gama, numa atitude de provocação, permaneceu ainda dois dias ao largo do porto de, a 13 de Abril, zarpar de novo.
No dia seguinte, ao cair da tarde, a armada aportou a Melinde, a sua última escala em terras africanas. A cidade, com as suas casas caiadas de branco, cercadas de palmeiras e de searas, impressionou favoravelmente os portugueses. A visita de nove dias foi uma pausa agradável.
O sultão, afinal, era inimigo do sultão de Mombaça, e na sequência de uma troca de presentes, prometeu a Vasco da Gama um outro piloto e tudo o que ele necessitasse. Seguiu-se um encontro nas águas do porto, o rei a bordo de um navio costeiro de um mastro e Vasco da Gama num escaler especialmente engalanado para o efeito. O aspecto do sultão era imponente. Sentado numa cadeira de bronze almofadada sob um guarda-sol escarlate, usava “uma opa de damasco forrado de cetim verde” e um turbante ricamente bordado. Acompanhavam-no um pajem e músicos que tocavam pequenas trombetas e “duas buzinas de marfim da altura de um homem, e eram muito lavradas e tangiam por um buraco que têm no meio, as quais buzinas concertam com os anafis no tanger”. O encontro prolongou-se por três horas e, não obstante a evidente boa vontade do rei, o capitão-mor, desconfiado, recusou-se a desembarcar. No entanto, o rei divertiu a tripulação com uma exibição de arte de cavalgar que se desenrolou na praia.
Os portugueses, contudo, estavam mais interessados noutros visitantes estrangeiros que encontraram no porto: quatro navios tripulados por mercadores indianos procedentes da Índia. Ao longo da costa, a sua curiosidade fora aguçada por histórias de terras cristãs no interior de África e a certa altura tinham mesmo tido esperança de descobrir o reino do Preste João, um lendário potentado cristão que se dizia viver algures na África Oriental (existia, na realidade, um reino cristão na Etiópia). Assim, quando, por engano, os indianos se inclinaram e rezaram perante um altar cristão que existia num dos navios portugueses e saudaram Vasco da Gama com gritos de “Krishna” – que aos portugueses teria soado algo parecido com a palavra “Cristo” - estes concluíram com optimismo que os visitantes eram realmente cristãos como eles. Por sua vez, os indianos parecem ter pensado que os portugueses eram hindus. Com o assentimento do sultão, uma noite organizaram uma festa com salvas de canhões e um espectáculo de fogo-de-artifício para distrair a tripulação.
A sucessão constante de festejos, combates simulados e exibições musicais em terra agradava à tripulação, mas Vasco da Gama começava a impacientar-se. O sultão parecia não se apressar em lhes dar o piloto que lhes prometera. Com a sua brusquidão característica, Vasco da Gama tomou medidas drásticas. A 22 de Abril, aprisionou um criado da corte e manteve-o como refém. O sultão reagiu de imediato, enviando-lhe um piloto experiente, cuja presença a bordo da “São Gabriel” assegurava praticamente o êxito da parte final da missão de Vasco da Gama. Finalmente, após quase dez meses de viagem, os portugueses podiam agora descansar entregues às mãos experimentadas daquele piloto.
Largando de Melinde a 24 de Abril, a frota aproveitou a monção de sudoeste, que, nos meses de Primavera e de Verão, sopra com regularidade no oceano Índico da África para a Índia; no Inverno, estes ventos sopram em sentido inverso, o que permitia o vaivém dos navios mercantes árabes que cruzavam o oceano Índico. Impelidos por aquela viração suave, os navios completaram a última etapa da viagem – numa distância de quase 2.500 milhas – em menos de um mês. Por fim, a 18 de Maio de 1498, os marinheiros postados no alto das mastros descobriram terra à proa e, nas palavras de Camões:
Disse alegre o piloto Melindano:
“Terra é de Calecu, se não me engano;
Calecute, a actual Kozhikode, era naquela época o mais rico e poderoso dos portos que se alinhavam ao longo da luxuriante costa do Malabar, próximo do extremo Sul da Índia.
No dia seguinte, ao cair da tarde, a armada aportou a Melinde, a sua última escala em terras africanas. A cidade, com as suas casas caiadas de branco, cercadas de palmeiras e de searas, impressionou favoravelmente os portugueses. A visita de nove dias foi uma pausa agradável.
O sultão, afinal, era inimigo do sultão de Mombaça, e na sequência de uma troca de presentes, prometeu a Vasco da Gama um outro piloto e tudo o que ele necessitasse. Seguiu-se um encontro nas águas do porto, o rei a bordo de um navio costeiro de um mastro e Vasco da Gama num escaler especialmente engalanado para o efeito. O aspecto do sultão era imponente. Sentado numa cadeira de bronze almofadada sob um guarda-sol escarlate, usava “uma opa de damasco forrado de cetim verde” e um turbante ricamente bordado. Acompanhavam-no um pajem e músicos que tocavam pequenas trombetas e “duas buzinas de marfim da altura de um homem, e eram muito lavradas e tangiam por um buraco que têm no meio, as quais buzinas concertam com os anafis no tanger”. O encontro prolongou-se por três horas e, não obstante a evidente boa vontade do rei, o capitão-mor, desconfiado, recusou-se a desembarcar. No entanto, o rei divertiu a tripulação com uma exibição de arte de cavalgar que se desenrolou na praia.
Os portugueses, contudo, estavam mais interessados noutros visitantes estrangeiros que encontraram no porto: quatro navios tripulados por mercadores indianos procedentes da Índia. Ao longo da costa, a sua curiosidade fora aguçada por histórias de terras cristãs no interior de África e a certa altura tinham mesmo tido esperança de descobrir o reino do Preste João, um lendário potentado cristão que se dizia viver algures na África Oriental (existia, na realidade, um reino cristão na Etiópia). Assim, quando, por engano, os indianos se inclinaram e rezaram perante um altar cristão que existia num dos navios portugueses e saudaram Vasco da Gama com gritos de “Krishna” – que aos portugueses teria soado algo parecido com a palavra “Cristo” - estes concluíram com optimismo que os visitantes eram realmente cristãos como eles. Por sua vez, os indianos parecem ter pensado que os portugueses eram hindus. Com o assentimento do sultão, uma noite organizaram uma festa com salvas de canhões e um espectáculo de fogo-de-artifício para distrair a tripulação.
A sucessão constante de festejos, combates simulados e exibições musicais em terra agradava à tripulação, mas Vasco da Gama começava a impacientar-se. O sultão parecia não se apressar em lhes dar o piloto que lhes prometera. Com a sua brusquidão característica, Vasco da Gama tomou medidas drásticas. A 22 de Abril, aprisionou um criado da corte e manteve-o como refém. O sultão reagiu de imediato, enviando-lhe um piloto experiente, cuja presença a bordo da “São Gabriel” assegurava praticamente o êxito da parte final da missão de Vasco da Gama. Finalmente, após quase dez meses de viagem, os portugueses podiam agora descansar entregues às mãos experimentadas daquele piloto.
Largando de Melinde a 24 de Abril, a frota aproveitou a monção de sudoeste, que, nos meses de Primavera e de Verão, sopra com regularidade no oceano Índico da África para a Índia; no Inverno, estes ventos sopram em sentido inverso, o que permitia o vaivém dos navios mercantes árabes que cruzavam o oceano Índico. Impelidos por aquela viração suave, os navios completaram a última etapa da viagem – numa distância de quase 2.500 milhas – em menos de um mês. Por fim, a 18 de Maio de 1498, os marinheiros postados no alto das mastros descobriram terra à proa e, nas palavras de Camões:
Disse alegre o piloto Melindano:
“Terra é de Calecu, se não me engano;
Calecute, a actual Kozhikode, era naquela época o mais rico e poderoso dos portos que se alinhavam ao longo da luxuriante costa do Malabar, próximo do extremo Sul da Índia.
Os seus grandes armazéns e inúmeras lojas estavam a abarrotar de todas aquelas mercadorias exóticas por que os portugueses ansiavam: sedas e porcelanas finas; pérolas, safiras e rubis; ouro e prata, e grandes sacos cheios de cravinho, noz-moscada, canela, pimenta, gengibre e outras especiarias aromáticas.
E foi neste mercado da Ásia, velho de séculos, que penetrou o primeiro emissário de Vasco da Gama, um dos condenados que viera na frota para o desempenho de missões arriscadas. Tendo-se cruzado com dois mercadores árabes de Tunes que falavam o castelhano, ficou admirado por o saudarem com as palavras: “Ao diabo que te dou! Quem os trouxe cá?”. “Viemos”, explicou o condenado, “em busca de cristãos e de especiarias”. Em seguida, depois de uma pequena volta pela cidade, os árabes, lavaram-no para casa, onde o receberam com grande hospitalidade e lhe ofereceram alimentos antes de regressarem com ele ao navio. Aí, um deles exclamou: “Buena ventura, buena ventura; muitos rubis, muitas esmeraldas. Muitas graças deveis de dar a Deus, por vos trazer à terra onde há tanta riqueza”.
Surpreendido e encantado, Vasco da Gama enviou uma mensagem ao samorim, ou rei, de Calecute, anunciando-lhe ser embaixador do rei de Portugal e portador de cartas para apresentar. Alguns dias depois, recebeu notícia de que o samorim lhe concedia uma audiência. Cercado por treze guarda-costas que envergaram as suas melhores roupas e transportavam bandeiras e trombetas, o capitão-mor instalou-se com imponência num palanquim que fora posto à sua disposição.
Avançando em direcção a Calecute, os portugueses causaram grande sensação. “E fomos o nosso caminho, onde a gente era tanta, que nos vinha a ver, que não tinha conto”, escreveu o cronista de Vasco da Gama. Porém, antes de alcançarem o palácio do samorim, os portugueses foram conduzidos a um templo hindu da “grandura de um mosteiro”, onde mais uma vez se verificou um equívoco no que respeita a religião. A “igreja” estava ornamentada com figuras que os exploradores tomaram por santos, que “estavam pintados pelas paredes da igreja, os quais tinham diademas; e a sua pintura era em diversas maneiras, porque os dentes eram tão grandes que saíam da boca uma polegada, e cada santo tinha quatro ou cinco braços”. No centro do templo, via-se um santuário com a imagem de uma deusa-mãe hindu. Julgando que a imagem representava a Virgem Maria, Vasco da Gama levou seus homens a rezarem diante dela, o que muito agradou aos sacerdotes hindus que se encontravam presentes.
Subindo de novo para o palanquim, Vasco da Gama prosseguiu ao som dos tambores e das flautas hindus “e assim levaram o capitão com muito acatamento, escreveu o cronista, “tanto e mais do que se podia em Espanha fazer a um rei”. Por esta altura, já a multidão era tão grande que alguns espectadores até subiam aos telhados para ver os estrangeiros. Por fim, estes chegaram ao palácio. Entrando por um portão, atravessaram um amplo pátio e seguiram de sala em sala até que, num pequeno pátio interior, se lhes deparou o samorim com uma taça dourada na mão, recostado entre almofadas num leito de veludo sob um dossel dourado.
Vasco da Gama saudou delicadamente o rei, que por sua vez ofereceu aos visitantes algumas frutas exóticas, incluindo uma “que é como os figos e sabe muito bem” – era uma banana. Após esta troca de cumprimentos, Vasco da Gama proferiu um discurso em termos grandiosos. Disse representar um rei cuja riqueza excedia tudo o que existia naquela região do Mundo; que desde há 60 anos que Portugal vinha procurando um caminho marítimo para a Índia; que lhe fora ordenada a descoberta de Calecute e que o rei D. Manuel desejava ser amigo e irmão do samorim. Este replicou dando as boas-vindas a Vasco da Gama e assegurando-lhe que enviaria embaixadores a Portugal. O encontro durou quatro horas, e terminou num clima de amizade mútua.
E foi neste mercado da Ásia, velho de séculos, que penetrou o primeiro emissário de Vasco da Gama, um dos condenados que viera na frota para o desempenho de missões arriscadas. Tendo-se cruzado com dois mercadores árabes de Tunes que falavam o castelhano, ficou admirado por o saudarem com as palavras: “Ao diabo que te dou! Quem os trouxe cá?”. “Viemos”, explicou o condenado, “em busca de cristãos e de especiarias”. Em seguida, depois de uma pequena volta pela cidade, os árabes, lavaram-no para casa, onde o receberam com grande hospitalidade e lhe ofereceram alimentos antes de regressarem com ele ao navio. Aí, um deles exclamou: “Buena ventura, buena ventura; muitos rubis, muitas esmeraldas. Muitas graças deveis de dar a Deus, por vos trazer à terra onde há tanta riqueza”.
Surpreendido e encantado, Vasco da Gama enviou uma mensagem ao samorim, ou rei, de Calecute, anunciando-lhe ser embaixador do rei de Portugal e portador de cartas para apresentar. Alguns dias depois, recebeu notícia de que o samorim lhe concedia uma audiência. Cercado por treze guarda-costas que envergaram as suas melhores roupas e transportavam bandeiras e trombetas, o capitão-mor instalou-se com imponência num palanquim que fora posto à sua disposição.
Avançando em direcção a Calecute, os portugueses causaram grande sensação. “E fomos o nosso caminho, onde a gente era tanta, que nos vinha a ver, que não tinha conto”, escreveu o cronista de Vasco da Gama. Porém, antes de alcançarem o palácio do samorim, os portugueses foram conduzidos a um templo hindu da “grandura de um mosteiro”, onde mais uma vez se verificou um equívoco no que respeita a religião. A “igreja” estava ornamentada com figuras que os exploradores tomaram por santos, que “estavam pintados pelas paredes da igreja, os quais tinham diademas; e a sua pintura era em diversas maneiras, porque os dentes eram tão grandes que saíam da boca uma polegada, e cada santo tinha quatro ou cinco braços”. No centro do templo, via-se um santuário com a imagem de uma deusa-mãe hindu. Julgando que a imagem representava a Virgem Maria, Vasco da Gama levou seus homens a rezarem diante dela, o que muito agradou aos sacerdotes hindus que se encontravam presentes.
Subindo de novo para o palanquim, Vasco da Gama prosseguiu ao som dos tambores e das flautas hindus “e assim levaram o capitão com muito acatamento, escreveu o cronista, “tanto e mais do que se podia em Espanha fazer a um rei”. Por esta altura, já a multidão era tão grande que alguns espectadores até subiam aos telhados para ver os estrangeiros. Por fim, estes chegaram ao palácio. Entrando por um portão, atravessaram um amplo pátio e seguiram de sala em sala até que, num pequeno pátio interior, se lhes deparou o samorim com uma taça dourada na mão, recostado entre almofadas num leito de veludo sob um dossel dourado.
Vasco da Gama saudou delicadamente o rei, que por sua vez ofereceu aos visitantes algumas frutas exóticas, incluindo uma “que é como os figos e sabe muito bem” – era uma banana. Após esta troca de cumprimentos, Vasco da Gama proferiu um discurso em termos grandiosos. Disse representar um rei cuja riqueza excedia tudo o que existia naquela região do Mundo; que desde há 60 anos que Portugal vinha procurando um caminho marítimo para a Índia; que lhe fora ordenada a descoberta de Calecute e que o rei D. Manuel desejava ser amigo e irmão do samorim. Este replicou dando as boas-vindas a Vasco da Gama e assegurando-lhe que enviaria embaixadores a Portugal. O encontro durou quatro horas, e terminou num clima de amizade mútua.

Contudo, após início tão promissor, as relações entre o Oriente e o Ocidente em breve se deterioraram. Na realidade, os presentes que D. Manuel confiara a Vasco da Gama não eram dignos de um samorim. As ofertas – doze peças de tecido de algodão às riscas, quatro gorros escarlates, seis chapéus, quatro colares de coral, seis bacias, uma arca de açúcar, duas barricas de azeite e duas barricas de mel – foram recebidas com risos incrédulos pelos representantes do rei. Na audiência seguinte, Vasco da Gama foi forçado a esperar algumas horas à entrada do palácio. Quando por fim o conduziram à presença do samorim, este observou com sarcasmo “que lhe dissera como era de um reino muito rico e que lhe não trouxera nada”. Vasco da Gama protestou afirmando que era um embaixador, e não um comerciante, e que em futuras missões portuguesas viriam inúmeros presentes sumptuosos.
Ao terem disto conhecimento, os mercadores árabes de Calecute lançaram-se numa campanha desesperada contra a concorrência dos cristãos. Os mouros “diziam a el-rei como nós éramos ladrões”, prevenindo-o, e ameaçaram nunca mais regressar a Celecute se o samorim estabelecesse relações comerciais com os portugueses. E acrescentaram que Portugal nada tinha que valesse a pena negociar.
Mas o samorim compreendeu sem dúvida que se encontrava numa posição de vantagem. Se se estabelecesse a concordância entre portugueses e Árabes no tocante às mercadorias do seu reino, as suas receitas provenientes do comércio seriam mais elevadas do que nunca. Assim, acabou por ceder. Prometeu erguer um padrão português em Calecute para comemorar aquela visita histórica e em seguida ditou uma carta para o rei D. Manuel, propondo-lhe o comércio directo com Portugal.
Além disso, o samorim autorizou Vasco da Gama a adquirir uma pequena quantidade de canela e de pimenta. Embora o total fosse de pouca monta, o preço da pimenta aumentara de tal forma na Europa que ali a mercadoria poderia ser vendida por vinte e sete vezes o seu custo na Índia.
E assim, a 29 de Agosto, segundo o cronista de Vasco da Gama, os capitães concluíram que, “visto que já tínhamos achado e descoberto o que vínhamos buscar, nos podíamos partir e logo fizemos as velas e nos partimos a caminho de Portugal, vindo todos muito ledos, por sermos tão bem aventurados de acharmos uma tão grande coisa como tínhamos achado”.
A travessia do oceano Índico foi quase desastrosa. Os mantimentos eram poucos. Não havia pilotos nativos que guiassem os navegantes, E a época não era a mais conveniente para a viagem: em vez dos ventos constantes que os levariam directamente a África, os portugueses tiveram de arrostar com grandes temporais alternando com calmarias enervantes. Só a 2 de Janeiro de 1499 avistariam a costa de África. Por essa altura, já o escorbuto dizimara grande parte da tripulação. Durante a longa travessia do mar da Arábia, morreram 30 marinheiros e os restantes encontravam-se em tal estado de fraqueza que mal podiam cumprir as suas obrigações de tripulantes.
Cinco dias mais tarde, os tripulantes da pequena frota eram acolhidos em Melinde, onde o rei lhes forneceu laranjas e carne fresca para os doentes de escorbuto. No entanto, para grande número de vítimas dessa doença o remédio viera demasiado tarde e mais homens morreram ainda. Nota: no final da viagem, a tripulação encontrava-se quase reduzida a metade. Alguns dias depois, foi com pesar que Vasco da Gama lançou fogo `”São Rafael”, “porquanto era impossível navegarem três navios com tão pouca gente como éramos”.
Prosseguindo para Sul ao longo da costa de África, os dois navios que ainda restavam foram parando aqui e ali para se abastecerem de alimentos frescos, e a pouco e pouco a maior parte da tripulação restabeleceu-se. Com efeito, quando a 20 de Março dobraram o cabo da Boa Esperança, “esses que até aqui chegámos éramos de saúde e rijos e, às vezes, bem mortos do frio das grandes brisas que aqui achámos nesta terra”.
Ao terem disto conhecimento, os mercadores árabes de Calecute lançaram-se numa campanha desesperada contra a concorrência dos cristãos. Os mouros “diziam a el-rei como nós éramos ladrões”, prevenindo-o, e ameaçaram nunca mais regressar a Celecute se o samorim estabelecesse relações comerciais com os portugueses. E acrescentaram que Portugal nada tinha que valesse a pena negociar.
Mas o samorim compreendeu sem dúvida que se encontrava numa posição de vantagem. Se se estabelecesse a concordância entre portugueses e Árabes no tocante às mercadorias do seu reino, as suas receitas provenientes do comércio seriam mais elevadas do que nunca. Assim, acabou por ceder. Prometeu erguer um padrão português em Calecute para comemorar aquela visita histórica e em seguida ditou uma carta para o rei D. Manuel, propondo-lhe o comércio directo com Portugal.
Além disso, o samorim autorizou Vasco da Gama a adquirir uma pequena quantidade de canela e de pimenta. Embora o total fosse de pouca monta, o preço da pimenta aumentara de tal forma na Europa que ali a mercadoria poderia ser vendida por vinte e sete vezes o seu custo na Índia.
E assim, a 29 de Agosto, segundo o cronista de Vasco da Gama, os capitães concluíram que, “visto que já tínhamos achado e descoberto o que vínhamos buscar, nos podíamos partir e logo fizemos as velas e nos partimos a caminho de Portugal, vindo todos muito ledos, por sermos tão bem aventurados de acharmos uma tão grande coisa como tínhamos achado”.
A travessia do oceano Índico foi quase desastrosa. Os mantimentos eram poucos. Não havia pilotos nativos que guiassem os navegantes, E a época não era a mais conveniente para a viagem: em vez dos ventos constantes que os levariam directamente a África, os portugueses tiveram de arrostar com grandes temporais alternando com calmarias enervantes. Só a 2 de Janeiro de 1499 avistariam a costa de África. Por essa altura, já o escorbuto dizimara grande parte da tripulação. Durante a longa travessia do mar da Arábia, morreram 30 marinheiros e os restantes encontravam-se em tal estado de fraqueza que mal podiam cumprir as suas obrigações de tripulantes.
Cinco dias mais tarde, os tripulantes da pequena frota eram acolhidos em Melinde, onde o rei lhes forneceu laranjas e carne fresca para os doentes de escorbuto. No entanto, para grande número de vítimas dessa doença o remédio viera demasiado tarde e mais homens morreram ainda. Nota: no final da viagem, a tripulação encontrava-se quase reduzida a metade. Alguns dias depois, foi com pesar que Vasco da Gama lançou fogo `”São Rafael”, “porquanto era impossível navegarem três navios com tão pouca gente como éramos”.
Prosseguindo para Sul ao longo da costa de África, os dois navios que ainda restavam foram parando aqui e ali para se abastecerem de alimentos frescos, e a pouco e pouco a maior parte da tripulação restabeleceu-se. Com efeito, quando a 20 de Março dobraram o cabo da Boa Esperança, “esses que até aqui chegámos éramos de saúde e rijos e, às vezes, bem mortos do frio das grandes brisas que aqui achámos nesta terra”.
Paulo da Gama, contudo, não se achava bem e, quando os navios chegaram às ilhas de Cabo Verde, adoeceu gravemente. Vasco, irmão dedicado, fretou uma caravela que os levasse a Lisboa, pois assim a viagem seria mais rápida do que continuando a bordo da “São Gabriel”. Durante a viagem, tornou-se evidente que o estado de Paulo era demasiadamente grave para poder viajar; por este motivo, Vasco da Gama decidiu arribar aos Açores, onde Paulo viria a falecer no dia seguinte.
No dia 10 de Julho de 1499, exactamente dois anos e dois dias após o início da expedição, a “Bérrio” lançava ferro no porto de Lisboa e Nicolau Coelho, triunfante, anunciava ao rei o seu regresso. Seguiu-se-lhe a “São Gabriel” em meados de Agosto, e algumas semanas mais tarde o próprio Vasco da Gama chegava a Portugal.
Imediatamente aclamado como herói nacional, Vasco da Gama teve um acolhimento entusiástico. Com consumada perícia e obstinada determinação, provara, sem margem para dúvidas, que existia um caminho marítimo para a Índia - e que Portugal dispunha de navios e de homens à altura dos riscos da viagem. Tendo por capital comercial e administrativa a cidade de Goa, na Índia, o Império de Portugal no Oriente, em breve se tornava num motivo de orgulho nacional. Por outro lado, seguindo uma política de sigilo no tocante ao comércio e à navegação, Portugal evitava a divulgação de registos importantes, de cartas e de instruções de navegação, com receio de que os seus rivais europeus tentassem seguir a rota de Vasco da Gama.
Texto retirado do livro: “Grandes exploradores de todos os tempos”
No dia 10 de Julho de 1499, exactamente dois anos e dois dias após o início da expedição, a “Bérrio” lançava ferro no porto de Lisboa e Nicolau Coelho, triunfante, anunciava ao rei o seu regresso. Seguiu-se-lhe a “São Gabriel” em meados de Agosto, e algumas semanas mais tarde o próprio Vasco da Gama chegava a Portugal.
Imediatamente aclamado como herói nacional, Vasco da Gama teve um acolhimento entusiástico. Com consumada perícia e obstinada determinação, provara, sem margem para dúvidas, que existia um caminho marítimo para a Índia - e que Portugal dispunha de navios e de homens à altura dos riscos da viagem. Tendo por capital comercial e administrativa a cidade de Goa, na Índia, o Império de Portugal no Oriente, em breve se tornava num motivo de orgulho nacional. Por outro lado, seguindo uma política de sigilo no tocante ao comércio e à navegação, Portugal evitava a divulgação de registos importantes, de cartas e de instruções de navegação, com receio de que os seus rivais europeus tentassem seguir a rota de Vasco da Gama.
Texto retirado do livro: “Grandes exploradores de todos os tempos”
4 - A VIDA A BORDO

O duro quotidiano a bordo dos navios dos Descobrimentos era afectado por um conjunto de factores, naturais e humanos, que o transformavam num raro exemplo das continuadas dificuldades e privações enfrentadas por aqueles que viam no mar, ou nas terras para além dele, a promessa de riquezas ou de uma vida melhor, embarcando muitas vezes sem consciência dos perigos e das provações que os aguardavam, “que o não pode contar senão quem o passa”.
Sucedendo às etapas de navegação relativamente curtas que uniam o continente às ilhas atlânticas ou que haviam proporcionado o reconhecimento sistemático da costa ocidental africana, a permanência no alto mar alargou-se definitivamente no tempo e no espaço com o estabelecimento, logo no início do século XVI, de uma ligação anual regular entre Lisboa e o Oriente – a Carreira da Índia. De facto, nenhum outro momento das navegações portuguesas determinou a existência de uma micro-sociedade embarcada, sujeita a severas regras de conduta, impostas por uma hierarquia estabelecida de molde a zelar por todas as componentes da vida no mar.
Desde logo, o conforto de tripulações e passageiros não constituía prioridade na concepção e construção dos navios, sendo que o aumento da respectiva tonelagem, ditado por crescentes desejos de lucro e necessidades de defesa, em pouco contribuiu para a melhoria das condições de vida a bordo, possibilitando, outrossim, a multiplicação do número de almas obrigadas a conviver durante um trajecto que, em circunstâncias favoráveis, demoraria entre seis e sete meses a percorrer, submetidas consecutivamente à meteorologia primaveril da partida, às tórridas temperaturas das calmarias equatoriais e ao rigor da invernia austral que anunciava a aproximação ao Cabo da Boa Esperança. Assim, na típica nau de três cobertas e de cerca de 500 tonéis de arqueação, viam-se usualmente confinadas mais de 500 pessoas, entre pessoal de navegação, equipagem de manobra e de manutenção, soldados, artilheiros e grande número de vulgares passageiros, compartilhando o exíguo espaço disponível com carga, materiais e equipamentos de reposição e até com animais vivos. Apesar de algum esforço colocado na organização do espaço, poucos eram os que não tinham que suportar um ambiente promíscuo, gerador de comportamentos agressivos e depressivos.
Sucedendo às etapas de navegação relativamente curtas que uniam o continente às ilhas atlânticas ou que haviam proporcionado o reconhecimento sistemático da costa ocidental africana, a permanência no alto mar alargou-se definitivamente no tempo e no espaço com o estabelecimento, logo no início do século XVI, de uma ligação anual regular entre Lisboa e o Oriente – a Carreira da Índia. De facto, nenhum outro momento das navegações portuguesas determinou a existência de uma micro-sociedade embarcada, sujeita a severas regras de conduta, impostas por uma hierarquia estabelecida de molde a zelar por todas as componentes da vida no mar.
Desde logo, o conforto de tripulações e passageiros não constituía prioridade na concepção e construção dos navios, sendo que o aumento da respectiva tonelagem, ditado por crescentes desejos de lucro e necessidades de defesa, em pouco contribuiu para a melhoria das condições de vida a bordo, possibilitando, outrossim, a multiplicação do número de almas obrigadas a conviver durante um trajecto que, em circunstâncias favoráveis, demoraria entre seis e sete meses a percorrer, submetidas consecutivamente à meteorologia primaveril da partida, às tórridas temperaturas das calmarias equatoriais e ao rigor da invernia austral que anunciava a aproximação ao Cabo da Boa Esperança. Assim, na típica nau de três cobertas e de cerca de 500 tonéis de arqueação, viam-se usualmente confinadas mais de 500 pessoas, entre pessoal de navegação, equipagem de manobra e de manutenção, soldados, artilheiros e grande número de vulgares passageiros, compartilhando o exíguo espaço disponível com carga, materiais e equipamentos de reposição e até com animais vivos. Apesar de algum esforço colocado na organização do espaço, poucos eram os que não tinham que suportar um ambiente promíscuo, gerador de comportamentos agressivos e depressivos.

A alimentação e a água potável constituíam um problema recorrente. No que respeita aos mantimentos, enquanto os passageiros deviam garantir à partida a sua própria subsistência durante a viagem, o que raramente acontecia, tanto por ignorância como por insuficiência de recursos, cabia ao armador o abastecimento da despensa do navio, por forma a manter toda a tripulação. Mesmo em condições normais, os alimentos eram alvo de distribuição racionada, efectuada numa base diária ou mensal consoante o tipo de produto, verificando-se níveis de verdadeira penúria, impostos por circunstâncias desfavoráveis. Ainda que se recorresse pontualmente ao abate de animais e à pesca, a dieta a bordo centrava-se no consumo de biscoito - pão cozido pelo menos duas vezes, aumentando o seu período de conservação - enchidos e alimentos salgados, sobretudo carne de porco, mas também algum peixe, acompanhados pela ração diária de vinho. Devido à cupidez dos fornecedores oficiais, os géneros eram frequentemente de qualidade duvidosa, o que originava a sua rápida deterioração em contacto com o calor e a humidade tropicais.
Quanto à água, o racionamento aumentava em austeridade ao longo da viagem, ao mesmo tempo que a qualidade decrescia face à falta de higiene do vasilhame utilizado, o que era extensivo ao acondicionamento do vinho. Desta forma, a sede era uma constante a bordo, piorando a situação com a necessidade de consumo dos géneros conservados em sal, motivando a reutilização da água usada para os demolhar e cozer, sendo posteriormente ingerida em caso de necessidade. A escassez ou a total falta do precioso líquido afirmava-se como a causa mais forte para a realização das pouco frequentes escalas de reabastecimento, existindo exemplos de partidas de Lisboa que apenas fizeram aguada por alturas de Moçambique.
Encontrava-se, assim, montado o cenário de tantos relatos, onde abundam expressões como “água fedorenta que se bebia a pequenos tragos, apertando o nariz”, “biscoito magro e cheio de bichos” ou “ vinho que era vinagre muito sujo”.
As restrições quanto ao consumo de água implicavam a existência de condições sanitárias extraordinariamente precárias. Com a higiene pessoal reduzida à sua mínima expressão e a frequente impossibilidade de proceder ao despejo de dejectos, a atmosfera nas áreas pouco ventiladas situadas entre cobertas rapidamente se tornava nauseabunda, o que, associado às circunstâncias climatéricas e à deficiente nutrição, concorria para o aparecimento e fácil propagação de um rol alargado de enfermidades: febres tropicais, chagas várias, pleurisias associadas ao frio austral, toda a espécie de parasitas, tifo, sarampo, doenças venéreas e de pele relacionadas com a ausência de higiene e, a partir da segunda metade da viagem, o temível escorbuto, provocado por grave insuficiência vitamínica, cuja prevenção através da ingestão de fruta apenas tardiamente se tornou conhecida e praticada.
Acantonados na coberta intermédia, onde o ar era quase irrespirável, o crescente número de doentes chegava a provocar a redução significativa de braços disponíveis para a manobra e a afectar a prontidão bélica defensiva. Encontravam-se entregue às sangrias e a outros rudimentares cuidados de saúde aplicados pelo barbeiro de bordo, o qual substituía o cirurgião, cuja presença, ainda que regulamentar, se via frequentemente inviabilizada por razões de ordem financeira. Era comum a existência de uma botica, mas os remédios e mezinhas disponíveis revelavam-se naturalmente pouco eficazes. Ainda no que toca ao amparo dos enfermos, a presença de missionários a bordo detinha grande importância, já que os religiosos assumiam com enorme dedicação o papel de enfermeiros, contribuindo para amenizar um cenário geral de dependência e sofrimento.
Dada a multiplicidade de factores envolvidos, as viagens registavam níveis de mortalidade bastante variáveis, alternando-se perdas humanas reduzidas com ocorrências em que cerca de metade do número de embarcados encontrava no oceano a sua última morada.
As consequências de tão longa estadia no mar reflectiam-se igualmente no plano psicológico e emocional, ainda que de modo diferente sobre segmentos distintos da população embarcada: para além do comum receio em relação ao riscos representados por intempéries e ataques de corsários, à penosa ociosidade forçada dos passageiros contrapunha-se o esgotante labor da tripulação, contribuindo uma e outro para um ambiente de permanente tensão a bordo.
Tratava-se, pois, de encontrar formas de ocupar o espírito, com recurso tanto ao âmbito do profano como do religioso. Quanto à primeira vertente, qualquer acontecimento benéfico que quebrasse a rotina servia de pretexto para festejar. Do mesmo modo, os hábitos de terra viam-se transpostos e adaptados à vivência a bordo, destacando-se os jogos de azar, os quais, apesar de proibidos por degenerarem facilmente em altercações e violência, eram tolerados enquanto uma das raras diversões existentes, apesar da crítica dos religiosos embarcados, verdadeiros agentes da observação da moral e bons costumes. Simulavam-se touradas, utilizando canastros empurrados ou largando no convés os tubarões que se deixavam enlear nas redes de pesca, existindo ainda registos da representação de peças teatrais, sobretudo de teor sacro.
De facto, os aspectos religiosos eram “guardados a bordo dos navios como em terra”. Organizavam-se procissões que percorriam o navio, salientando-se aquela que marcava as festividades pascais, realizada pouco depois da saída do Tejo. Por seu turno, quer as missas de acção de graças realizadas após qualquer aflição, quer os ofícios regulares, detinham audiência alargada, assumindo-se, tal como em terra, como um importante momento de controlo social. Até ao século XVII, o ritual eucarístico revestiu-se de uma singular particularidade, só possível mediante autorização papal: por forma a evitar o risco de derramar o “sangue de Cristo” devido à acção da ondulação, o vinho encontrava-se ausente da celebração, dando origem às designadas “missas secas”.
Principal fonte de informação, são bem claros os relatos de viagens redigidos por padres, mormente jesuítas em trânsito de e para a Índia: para os passageiros que conseguiam suplantar os ataques de corsários, a fome e a sede, a sobrelotação e a promiscuidade, as moléstias do corpo e o desânimo do espírito, o clima e as tempestades, a chegada ao destino apenas poderia significar uma enorme sensação de alívio em relação a todas as enormes privações e riscos que a demorada permanência a bordo determinava.
Rui Roque
Bibliografia:
DOMINGUES, Francisco Contente; GUERREIRO, Inácio, A vida a bordo na carreira da Índia: século XVI, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical, 1988, Separata da Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXXIV.
IDEM, «A evolução da Carreira da Índia até aos inícios do século XVII»,Portugal no Mundo, vol. IV, Luís de Albuquerque (dir.), Lisboa, Alfa, 1989, pp. 105-130.
GUERREIRO, Inácio, «Particularidades da vida no mar», Revista Oceanos, nº. 38, Lisboa, 1999, pp. 149-157.
Quanto à água, o racionamento aumentava em austeridade ao longo da viagem, ao mesmo tempo que a qualidade decrescia face à falta de higiene do vasilhame utilizado, o que era extensivo ao acondicionamento do vinho. Desta forma, a sede era uma constante a bordo, piorando a situação com a necessidade de consumo dos géneros conservados em sal, motivando a reutilização da água usada para os demolhar e cozer, sendo posteriormente ingerida em caso de necessidade. A escassez ou a total falta do precioso líquido afirmava-se como a causa mais forte para a realização das pouco frequentes escalas de reabastecimento, existindo exemplos de partidas de Lisboa que apenas fizeram aguada por alturas de Moçambique.
Encontrava-se, assim, montado o cenário de tantos relatos, onde abundam expressões como “água fedorenta que se bebia a pequenos tragos, apertando o nariz”, “biscoito magro e cheio de bichos” ou “ vinho que era vinagre muito sujo”.
As restrições quanto ao consumo de água implicavam a existência de condições sanitárias extraordinariamente precárias. Com a higiene pessoal reduzida à sua mínima expressão e a frequente impossibilidade de proceder ao despejo de dejectos, a atmosfera nas áreas pouco ventiladas situadas entre cobertas rapidamente se tornava nauseabunda, o que, associado às circunstâncias climatéricas e à deficiente nutrição, concorria para o aparecimento e fácil propagação de um rol alargado de enfermidades: febres tropicais, chagas várias, pleurisias associadas ao frio austral, toda a espécie de parasitas, tifo, sarampo, doenças venéreas e de pele relacionadas com a ausência de higiene e, a partir da segunda metade da viagem, o temível escorbuto, provocado por grave insuficiência vitamínica, cuja prevenção através da ingestão de fruta apenas tardiamente se tornou conhecida e praticada.
Acantonados na coberta intermédia, onde o ar era quase irrespirável, o crescente número de doentes chegava a provocar a redução significativa de braços disponíveis para a manobra e a afectar a prontidão bélica defensiva. Encontravam-se entregue às sangrias e a outros rudimentares cuidados de saúde aplicados pelo barbeiro de bordo, o qual substituía o cirurgião, cuja presença, ainda que regulamentar, se via frequentemente inviabilizada por razões de ordem financeira. Era comum a existência de uma botica, mas os remédios e mezinhas disponíveis revelavam-se naturalmente pouco eficazes. Ainda no que toca ao amparo dos enfermos, a presença de missionários a bordo detinha grande importância, já que os religiosos assumiam com enorme dedicação o papel de enfermeiros, contribuindo para amenizar um cenário geral de dependência e sofrimento.
Dada a multiplicidade de factores envolvidos, as viagens registavam níveis de mortalidade bastante variáveis, alternando-se perdas humanas reduzidas com ocorrências em que cerca de metade do número de embarcados encontrava no oceano a sua última morada.
As consequências de tão longa estadia no mar reflectiam-se igualmente no plano psicológico e emocional, ainda que de modo diferente sobre segmentos distintos da população embarcada: para além do comum receio em relação ao riscos representados por intempéries e ataques de corsários, à penosa ociosidade forçada dos passageiros contrapunha-se o esgotante labor da tripulação, contribuindo uma e outro para um ambiente de permanente tensão a bordo.
Tratava-se, pois, de encontrar formas de ocupar o espírito, com recurso tanto ao âmbito do profano como do religioso. Quanto à primeira vertente, qualquer acontecimento benéfico que quebrasse a rotina servia de pretexto para festejar. Do mesmo modo, os hábitos de terra viam-se transpostos e adaptados à vivência a bordo, destacando-se os jogos de azar, os quais, apesar de proibidos por degenerarem facilmente em altercações e violência, eram tolerados enquanto uma das raras diversões existentes, apesar da crítica dos religiosos embarcados, verdadeiros agentes da observação da moral e bons costumes. Simulavam-se touradas, utilizando canastros empurrados ou largando no convés os tubarões que se deixavam enlear nas redes de pesca, existindo ainda registos da representação de peças teatrais, sobretudo de teor sacro.
De facto, os aspectos religiosos eram “guardados a bordo dos navios como em terra”. Organizavam-se procissões que percorriam o navio, salientando-se aquela que marcava as festividades pascais, realizada pouco depois da saída do Tejo. Por seu turno, quer as missas de acção de graças realizadas após qualquer aflição, quer os ofícios regulares, detinham audiência alargada, assumindo-se, tal como em terra, como um importante momento de controlo social. Até ao século XVII, o ritual eucarístico revestiu-se de uma singular particularidade, só possível mediante autorização papal: por forma a evitar o risco de derramar o “sangue de Cristo” devido à acção da ondulação, o vinho encontrava-se ausente da celebração, dando origem às designadas “missas secas”.
Principal fonte de informação, são bem claros os relatos de viagens redigidos por padres, mormente jesuítas em trânsito de e para a Índia: para os passageiros que conseguiam suplantar os ataques de corsários, a fome e a sede, a sobrelotação e a promiscuidade, as moléstias do corpo e o desânimo do espírito, o clima e as tempestades, a chegada ao destino apenas poderia significar uma enorme sensação de alívio em relação a todas as enormes privações e riscos que a demorada permanência a bordo determinava.
Rui Roque
Bibliografia:
DOMINGUES, Francisco Contente; GUERREIRO, Inácio, A vida a bordo na carreira da Índia: século XVI, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical, 1988, Separata da Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXXIV.
IDEM, «A evolução da Carreira da Índia até aos inícios do século XVII»,Portugal no Mundo, vol. IV, Luís de Albuquerque (dir.), Lisboa, Alfa, 1989, pp. 105-130.
GUERREIRO, Inácio, «Particularidades da vida no mar», Revista Oceanos, nº. 38, Lisboa, 1999, pp. 149-157.
5 - O EFEITO DOS DESCOBRIMENTOS

A singularidade do domínio português, quando comparado com outras culturas como a inglesa, a espanhola ou a holandesa está no facto de nós, desde o começo, termos tentado que a nossa relação com as autoridades dos locais onde nos instalávamos fosse tão pacífica quanto possível.
Quando assim foi, tal deveu-se a duas causas: aos tratados comerciais que celebrávamos com autoridades locais, os quais pressupunham a existência de paz; ou, como ocorreu muitas vezes, à miscigenação entre os dois povos: os que chegavam e os que já lá estavam, tantas vezes promovida pelas próprias autoridades.
Só desta forma pudemos entrar no coração do comércio das especiarias, das jóias, da seda, da laca, etc… - produtos que, antes de chegarmos à Índia, eram introduzidos na Europa a preços incomportáveis para a larguíssima maioria das pessoas.
Porquê incomportáveis? Antes da nossa chegada, já Génova e Veneza eram ricos portos comerciais, porque recebiam muitos dos produtos que fomos encontrar na Índia. Simplesmente, para os produtos aí chegarem, tinham que percorrer um enorme percurso cheio de caravanas que, muitas vezes eram salteadas, cheio de passagens por cidades cujos governadores cobravam altos impostos, cheio de perigos que tornavam o produto final muitíssimo caro.
Um mercador de Lisboa descreve da seguinte forma a rota das especiarias antes da descoberta do caminho marítimo para a Índia:
"Desta terra de Calecute vai a especiaria que se come em Portugal e em todas as províncias do Mundo; vão também desta cidade muitas pedras preciosas de toda a sorte. Aqui carregam as naus de Meca a especiaria e a levam a uma cidade que está em Meca que se chama Judeia. E pagam ao grande sultão o seu direito. E dali a tornam a carregar em outras naus mais pequenas e a levam pelo Mar Ruivo a um lugar que está junto com Santa Catarina do Monte Sinai que se chama Tunis e também aqui pagam outro direito. Aqui carregam os mercadores esta especiaria em camelos alugados a quatro cruzados cada camelo e a levam ao Cairo em dez dias; e aqui pagam outro direito. E neste caminho para o Cairo muitas vezes os salteiam os ladrões que há naquela terra, os quais são alarves e outros. Aqui tornam a carregá-la outra vez em umas naus, que andam num rio que se chama o Nilo, que vem da terra do Preste João, da Índia Baixa; e vão por este rio dois dias, até que chegam a um lugar que se chama Roxete; e aqui pagam outro direito. E tornam outra vez a carregá-la em camelos e a levam, em uma jornada, a uma cidade que se chama Alexandria, a qual é porto de mar. A esta cidade de Alexandria vêm as galés de Veneza e de Génova buscar esta especiaria, da qual se acha que há o grande sultão 600 000 cruzados; dos quais dá, em cada ano, a um rei que se chama Cidadim 100 000 para que faça guerra ao Preste João."
Com a descoberta de uma rota marítima que ligava directamente nascente e foz, e com uma esquadra naval inigualável na altura, nós mudámos a rota mundial dos produtos que eram comercializados. É esta a razão pela qual somos, ainda hoje, considerados os “pioneiros da globalização” (“The First Global Village”, de Martin Page).
Quando assim foi, tal deveu-se a duas causas: aos tratados comerciais que celebrávamos com autoridades locais, os quais pressupunham a existência de paz; ou, como ocorreu muitas vezes, à miscigenação entre os dois povos: os que chegavam e os que já lá estavam, tantas vezes promovida pelas próprias autoridades.
Só desta forma pudemos entrar no coração do comércio das especiarias, das jóias, da seda, da laca, etc… - produtos que, antes de chegarmos à Índia, eram introduzidos na Europa a preços incomportáveis para a larguíssima maioria das pessoas.
Porquê incomportáveis? Antes da nossa chegada, já Génova e Veneza eram ricos portos comerciais, porque recebiam muitos dos produtos que fomos encontrar na Índia. Simplesmente, para os produtos aí chegarem, tinham que percorrer um enorme percurso cheio de caravanas que, muitas vezes eram salteadas, cheio de passagens por cidades cujos governadores cobravam altos impostos, cheio de perigos que tornavam o produto final muitíssimo caro.
Um mercador de Lisboa descreve da seguinte forma a rota das especiarias antes da descoberta do caminho marítimo para a Índia:
"Desta terra de Calecute vai a especiaria que se come em Portugal e em todas as províncias do Mundo; vão também desta cidade muitas pedras preciosas de toda a sorte. Aqui carregam as naus de Meca a especiaria e a levam a uma cidade que está em Meca que se chama Judeia. E pagam ao grande sultão o seu direito. E dali a tornam a carregar em outras naus mais pequenas e a levam pelo Mar Ruivo a um lugar que está junto com Santa Catarina do Monte Sinai que se chama Tunis e também aqui pagam outro direito. Aqui carregam os mercadores esta especiaria em camelos alugados a quatro cruzados cada camelo e a levam ao Cairo em dez dias; e aqui pagam outro direito. E neste caminho para o Cairo muitas vezes os salteiam os ladrões que há naquela terra, os quais são alarves e outros. Aqui tornam a carregá-la outra vez em umas naus, que andam num rio que se chama o Nilo, que vem da terra do Preste João, da Índia Baixa; e vão por este rio dois dias, até que chegam a um lugar que se chama Roxete; e aqui pagam outro direito. E tornam outra vez a carregá-la em camelos e a levam, em uma jornada, a uma cidade que se chama Alexandria, a qual é porto de mar. A esta cidade de Alexandria vêm as galés de Veneza e de Génova buscar esta especiaria, da qual se acha que há o grande sultão 600 000 cruzados; dos quais dá, em cada ano, a um rei que se chama Cidadim 100 000 para que faça guerra ao Preste João."
Com a descoberta de uma rota marítima que ligava directamente nascente e foz, e com uma esquadra naval inigualável na altura, nós mudámos a rota mundial dos produtos que eram comercializados. É esta a razão pela qual somos, ainda hoje, considerados os “pioneiros da globalização” (“The First Global Village”, de Martin Page).

Para se ver a importância que, logo na
altura, este nosso feito teve, cito novamente a autora inglesa Elaine
Sanceau, n´ “O caminho da Índia”:
Com a irrupção dos portugueses na cena da Índia, desapareceria para sempre a soberba confiança do poderio islamita. Nunca mais dominaria todo o comércio da Ásia; nunca mais barraria o acesso às terras das especiarias; nunca mais poderiam os seus exércitos ameaçar a Cristandade, seguros de terem todo um continente atrás de si. De futuro, embora o império do poderio Otomano aumentasse, e os navios turcos espalhassem o terror por todo o Mediterrâneo, o sultão sempre se voltava inquieto para o Ocidente, onde, no coração do Islão se introduzira um inimigo que poderia, em qualquer ocasião, esmagar as forças do Crescente pela retaguarda.
E continua:
E a vida europeia sofreu uma modificação. A ligação do subcontinente ocidental com o mundo asiático não só rasgou os horizontes até então nebulosos e obscuros, mas trouxe até novos padrões de vida. O que, noutro tempo, havia sido luxo dos ricos tornou-se amenidade vulgar do povo simples. A pimenta, o gengibre e a canela enchiam as despensas da dona de casa da classe média; uma alivião de musselinas finíssimas de Bengala entraram em casas que até então apenas conheciam os pesados panos de linho; os delicados tecidos de Cambaia tornaram-se familiares a toda a gente, com o nome de cambraia; os tapetes orientais substituíram as esteiras sobre a fria pedra do chão; uma grande quantidade de ervas medicinais enriqueciam os armários dos boticários; o chá e o café fizeram a sua aparição com o decorrer do tempo; e a transparente porcelana chinesa começou a ver-se ao lado da louça de ouro e prata nas mesas dos ricos.
E quanto ao próprio Oriente? Se o Ocidente sentiu o choque do Oriente nos seus hábitos e costumes, não teve menor importância o inverso. De facto, foi muito maior. Uma voz totalmente nova fez-se ouvir de repente no meio da meditação do Oriente imutável, onde, entre a cultura estática e imemoriais mistérios antiquíssimos, os contemplativos haviam meditado sobre o enigma do Universo, sem prestarem atenção às dinastias que surgiam e caíam e aos impérios que passavam lentamente em ciclos que se sucediam ininterruptamente, apesar de todas as mudanças, sempre imutável.
Ali se fizera sentir um espírito novo - força imperiosa, inquieta e devastadora que varria tudo à sua frente para dentro da corrente impetuosa do seu próprio progresso. O Oriente apenas penetrara na Europa indirectamente e por intermédio das suas produções; a Europa, porém, chegou à Ásia para ali ficar. As nações apareceram sucessivamente - portugueses, holandeses, ingleses e franceses - os homens brancos seguiram uns atrás dos outros até às terras onde se produziam especiarias. Alguns levaram a sua crença, outros as suas mercadorias, outros terríveis armas de fogo, outros a sua ciência e sistemas de educação. E os homens do Oriente aceitaram, ou manifestaram desagrado, ou desprezaram, ou admiraram, mostraram-se atraídos e repeliram, mas nem por isso deixaram de imitar. Para bem ou para mal, a ocidentalização do Oriente ia-se fazendo. E continuou até aos nossos dias.
Com a irrupção dos portugueses na cena da Índia, desapareceria para sempre a soberba confiança do poderio islamita. Nunca mais dominaria todo o comércio da Ásia; nunca mais barraria o acesso às terras das especiarias; nunca mais poderiam os seus exércitos ameaçar a Cristandade, seguros de terem todo um continente atrás de si. De futuro, embora o império do poderio Otomano aumentasse, e os navios turcos espalhassem o terror por todo o Mediterrâneo, o sultão sempre se voltava inquieto para o Ocidente, onde, no coração do Islão se introduzira um inimigo que poderia, em qualquer ocasião, esmagar as forças do Crescente pela retaguarda.
E continua:
E a vida europeia sofreu uma modificação. A ligação do subcontinente ocidental com o mundo asiático não só rasgou os horizontes até então nebulosos e obscuros, mas trouxe até novos padrões de vida. O que, noutro tempo, havia sido luxo dos ricos tornou-se amenidade vulgar do povo simples. A pimenta, o gengibre e a canela enchiam as despensas da dona de casa da classe média; uma alivião de musselinas finíssimas de Bengala entraram em casas que até então apenas conheciam os pesados panos de linho; os delicados tecidos de Cambaia tornaram-se familiares a toda a gente, com o nome de cambraia; os tapetes orientais substituíram as esteiras sobre a fria pedra do chão; uma grande quantidade de ervas medicinais enriqueciam os armários dos boticários; o chá e o café fizeram a sua aparição com o decorrer do tempo; e a transparente porcelana chinesa começou a ver-se ao lado da louça de ouro e prata nas mesas dos ricos.
E quanto ao próprio Oriente? Se o Ocidente sentiu o choque do Oriente nos seus hábitos e costumes, não teve menor importância o inverso. De facto, foi muito maior. Uma voz totalmente nova fez-se ouvir de repente no meio da meditação do Oriente imutável, onde, entre a cultura estática e imemoriais mistérios antiquíssimos, os contemplativos haviam meditado sobre o enigma do Universo, sem prestarem atenção às dinastias que surgiam e caíam e aos impérios que passavam lentamente em ciclos que se sucediam ininterruptamente, apesar de todas as mudanças, sempre imutável.
Ali se fizera sentir um espírito novo - força imperiosa, inquieta e devastadora que varria tudo à sua frente para dentro da corrente impetuosa do seu próprio progresso. O Oriente apenas penetrara na Europa indirectamente e por intermédio das suas produções; a Europa, porém, chegou à Ásia para ali ficar. As nações apareceram sucessivamente - portugueses, holandeses, ingleses e franceses - os homens brancos seguiram uns atrás dos outros até às terras onde se produziam especiarias. Alguns levaram a sua crença, outros as suas mercadorias, outros terríveis armas de fogo, outros a sua ciência e sistemas de educação. E os homens do Oriente aceitaram, ou manifestaram desagrado, ou desprezaram, ou admiraram, mostraram-se atraídos e repeliram, mas nem por isso deixaram de imitar. Para bem ou para mal, a ocidentalização do Oriente ia-se fazendo. E continuou até aos nossos dias.
6 - A INOVAÇÃO NOS DESCOBRIMENTOS

Os Descobrimentos Portugueses inscrevem um período áureo da cultura portuguesa na história mundial, que foi descrito de forma notável por Luís de Camões sob a forma de epopeia e poema épico. (...)
Nesta reflexão, vai interessar-me a perspetiva da gestão da inovação e perceber traços da nossa essência como povo, bem como desconstruir alguns mitos e preconceitos que temos sobre nós mesmos. Vou ousar observar-nos com um outro olhar, e demonstrar que aquilo a que agora chamamos de "espírito de desenrasca", de "chico espertismo" e de "visão de curto prazo", essas características não podiam estar presentes nem serviam o empreendimento dos Descobrimentos. Pelo contrário, foi preciso seremos planeados, metódicos, sistemáticos, focados na melhoria continua, e ter uma missão e uma visão de longo prazo. (...)
A intenção estratégica

Na parte final do reinado de D. Diniz ocorreu um facto importante que permitiu estabelecer uma parceria que viria a ser decisiva para o financiamento e desenvolvimento dos Descobrimentos. Em 1311, o rei de França decidiu extinguir a Ordem do Templo e perseguir os cavaleiros Templários. Para preservar o conhecimento, o património e os membros dos Templários, D. Diniz decidiu fundar em 1319 a Ordem de Cristo, doando-lhe a Vila de Casto Marim para consolidar e defender os territórios conquistados aos Mouros.
Em 1290 é fundada a Universidade de Coimbra, organizada a marinha portuguesa, e instituída a Língua Portuguesa em todo o território nacional.
D. Diniz ordena também a plantação e expansão do pinhal de Leiria, que tinha sido iniciada pelo seu pai D. Afonso III, para impedir a erosão costeira e servir de proteção das terras férteis, bem como para produção de madeira e resina. Se é bem verdade que as caravelas eram feitas essencialmente da madeira de carvalho, também é verdade que o desenvolvimento dos Descobrimentos viriam, cem anos depois, a utilizar a madeira de pinho de riga para fazer os mastros, e o pinheiro bravo para forrar e calafetar as embarcações, bem como fazer as estruturas para os estaleiros de construção naval.
Apesar de, no seculo XIV, só termos registo de uma expedição às ilhas Canárias em 1336, tudo indica que a intenção estratégica e o planeamento dos Descobrimentos Portugueses terá começado cerca de cem anos antes da conquista de Ceuta (1415). Tanto mais que, com a mudança em 1356 da Ordem de Cristo para Tomar, funda-se também a Escola de Capitania de Tomar, fundamental para formar os futuros capitães que irão integrar as futuras missões.
Em 1290 é fundada a Universidade de Coimbra, organizada a marinha portuguesa, e instituída a Língua Portuguesa em todo o território nacional.
D. Diniz ordena também a plantação e expansão do pinhal de Leiria, que tinha sido iniciada pelo seu pai D. Afonso III, para impedir a erosão costeira e servir de proteção das terras férteis, bem como para produção de madeira e resina. Se é bem verdade que as caravelas eram feitas essencialmente da madeira de carvalho, também é verdade que o desenvolvimento dos Descobrimentos viriam, cem anos depois, a utilizar a madeira de pinho de riga para fazer os mastros, e o pinheiro bravo para forrar e calafetar as embarcações, bem como fazer as estruturas para os estaleiros de construção naval.
Apesar de, no seculo XIV, só termos registo de uma expedição às ilhas Canárias em 1336, tudo indica que a intenção estratégica e o planeamento dos Descobrimentos Portugueses terá começado cerca de cem anos antes da conquista de Ceuta (1415). Tanto mais que, com a mudança em 1356 da Ordem de Cristo para Tomar, funda-se também a Escola de Capitania de Tomar, fundamental para formar os futuros capitães que irão integrar as futuras missões.
A Missão

A missão dos Descobrimentos Portugueses tinha duas vertentes, que traduziam o espírito da parceria com a Ordem de Cristo: por um lado, evangelizar e expandir a fé cristã; por outro lado, procurar especiarias.
Antecipando os tempos modernos, o patrocínio do empreendimento vinha bem expresso com a cruz de Cristo nas velas das caravelas e das naus e nos padrões dos Descobrimentos.
Antecipando os tempos modernos, o patrocínio do empreendimento vinha bem expresso com a cruz de Cristo nas velas das caravelas e das naus e nos padrões dos Descobrimentos.
A gestão de Conhecimento nos Descobrimentos

Não há inovação sem gestão de conhecimento. E os nossos líderes sabiam-no bem. Por isso, fundaram a Universidade de Coimbra no final de Séc. XIII, e cerca de cinquenta anos mais tarde, fundaram a Escola de Capitania em Tomar. Em 1433, o Infante D. Henrique fundou a Escola de Sagres. Criaram também um Conselho de Cosmólogos e um Conselho de Matemáticos para assessorar o poder político e executivo, porque sabiam que as decisões necessitavam de suporte científico. Isto permitiu que tivéssemos recusado em 1487 o financiamento da expedição de Colombo, porque sabíamos que a Índia não ficava para Oeste, mas sim para Leste. Permitiu também que tivéssemos negociado com os Espanhóis o Tratado de Tordesilhas em 1494, porque Duarte Pacheco e a sua equipa já sabia que existiam territórios a 270 léguas a Ocidente das ilhas de Cabo Verde, que viriam a chamar-se Brasil.
Mandaram traduzir livros Árabes de Matemática e Astronomia, tendo também contratado os melhores estrangeiros para trabalhar no projeto. Faziam inteligência competitiva através de uma rede sofisticada de espionagem e contraespionagem, para saber e acompanhar tudo o que de melhor se fazia na Europa ao nível da cartografia e das técnicas náuticas. Como não havia registo de patentes e proteção intelectual, desenvolveram processos de gestão de informação confidencial que eram segredo de Estado.
Mandaram traduzir livros Árabes de Matemática e Astronomia, tendo também contratado os melhores estrangeiros para trabalhar no projeto. Faziam inteligência competitiva através de uma rede sofisticada de espionagem e contraespionagem, para saber e acompanhar tudo o que de melhor se fazia na Europa ao nível da cartografia e das técnicas náuticas. Como não havia registo de patentes e proteção intelectual, desenvolveram processos de gestão de informação confidencial que eram segredo de Estado.
A Inovação dos Descobrimentos

Como veremos mais adiante, nós fomos exímios na inovação nos processos e na inovação incremental. Ao contrário do que possa parecer, não criámos nova tecnologia, nem fomos disruptivos na criação de novos equipamentos. No entanto, fomos sábios na gestão, reutilização e transformação do conhecimento existente, na sistematização dos processos de técnicas de navegação e construção naval, que nos permitiram ser pioneiros e iniciar o processo de globalização.
Entre os processos desenvolvidos estavam:
Entre os processos desenvolvidos estavam:
a) As embarcações
A vela triangular latina já existia há centenas de anos em pequenas embarcações do Mediterrâneo. A caravela latina surge da adaptação e melhoria da barca portuguesa e do barriel, substituindo a vela quadrangular pela vela triangular para poder bolinar, elevando a popa para lhe dar mais estabilidade, colocando-lhe mais mastros para lhe dar mais velocidade e conferindo-lhe mais volume e robustez para navegar em mar alto.
A caravela era uma embarcação excelente para a exploração marítima. A vela triangular permitia navegar e progredir melhor contra o vento, era fácil de manobrar e tinha um baixo calado que permitia entrar em embocaduras de rios, navegar à costa e aventurar-se em águas abertas. Com a necessidade de fazer viagens mais longas, desenvolveu-se a caravela de três mastros, a caravela redonda de quatro mastros e as naus que podiam atingir mais de 30 metros e levar mais de 150 toneis e cerca de 100 tripulantes. Como transportavam mercadoria e informação valiosa, para sua defesa eram equipadas com canhões no convés.
Na época, a Ribeira das Naus em Lisboa e noutros estaleiros situados a Norte do país, eram autênticas fábricas de produção naval, empregando centenas de carpinteiros especializados, calafates e mestres de embarcações. Era também um espaço de discussão e partilha de ideias, para acolher as opiniões e a experiência dos pilotos e marinheiros. (...)
Foi a melhoria contínua, a atenção aos detalhes e a foco na sua função e utilização que nos permitiu sermos pioneiros e desenvolver os vários modelos de caravelas portuguesas.
A vela triangular latina já existia há centenas de anos em pequenas embarcações do Mediterrâneo. A caravela latina surge da adaptação e melhoria da barca portuguesa e do barriel, substituindo a vela quadrangular pela vela triangular para poder bolinar, elevando a popa para lhe dar mais estabilidade, colocando-lhe mais mastros para lhe dar mais velocidade e conferindo-lhe mais volume e robustez para navegar em mar alto.
A caravela era uma embarcação excelente para a exploração marítima. A vela triangular permitia navegar e progredir melhor contra o vento, era fácil de manobrar e tinha um baixo calado que permitia entrar em embocaduras de rios, navegar à costa e aventurar-se em águas abertas. Com a necessidade de fazer viagens mais longas, desenvolveu-se a caravela de três mastros, a caravela redonda de quatro mastros e as naus que podiam atingir mais de 30 metros e levar mais de 150 toneis e cerca de 100 tripulantes. Como transportavam mercadoria e informação valiosa, para sua defesa eram equipadas com canhões no convés.
Na época, a Ribeira das Naus em Lisboa e noutros estaleiros situados a Norte do país, eram autênticas fábricas de produção naval, empregando centenas de carpinteiros especializados, calafates e mestres de embarcações. Era também um espaço de discussão e partilha de ideias, para acolher as opiniões e a experiência dos pilotos e marinheiros. (...)
Foi a melhoria contínua, a atenção aos detalhes e a foco na sua função e utilização que nos permitiu sermos pioneiros e desenvolver os vários modelos de caravelas portuguesas.

b) A navegação astronómica e as técnicas de navegação
Quando se pretende navegar de um ponto para outro, o problema que temos que resolver é: como conhecer o rumo a seguir e determinar, num dado instante, a posição do navio? No passado, um piloto determinava a posição do navio por navegação costeira - tendo como referência a terra para a sua orientação; ou determinava a posição do navio por estimativa – tendo como referência uma outra posição anterior já conhecida, usando processos simples com mapas portulanos que marcavam as distâncias entre pontos. Estes dois processos tinham grandes limitações para navegar grandes distâncias em mar alto.
A ciência náutica portuguesa do século XV notabilizou-se porque agregou um somatório sucessivo de conhecimentos relativos à navegação astronómica no Oceano Atlântico, baseados na experiência e na compilação sistemática do registo das observação dos pilotos. A navegação e a determinação da posição do navio passaram a basear-se na observação dos astros. A medição da altura do Sol e da Estrela Polar em relação ao horizonte, permitia determinar a latitude no Hemisfério Norte. A medição da posição do Sol e do Cruzeiro do Sul permita calcular a latitude quando se navegava no Hemisfério Sul.
Com a observação e estudo sistemático dos astros e o registo metódico nos mapas e roteiros de bordo, os marinheiros portugueses definiram tábuas astronómicas como o “Regimento do Sol”, o “Regimento da Estrela no Norte”, e o famoso Almanach Perpetuum de Abraão Zacuto.
A longitude, que consiste em medir a posição nas coordenadas Este-Oeste, era um problema mais delicado para o qual parecia não haver soluções. Porque a precariedade da medição do tempo foi a principal dificuldade na delimitação da longitude que era obtida por estimativa, a partir da distância/rumo percorrida pelo barco. O cálculo da velocidade era obtida com um pedaço de madeira, de forma triangular preso por um cabo marcado com nós espaçados, que se deixava correr por um determinado período de tempo. A medida exata da longitude só veio a ser possível com a invenção do cronómetro.
O termo "volta do mar" foi definido e guardado em segredo pelos navegadores portugueses e decorreu da observação dos regimes de ventos e correntes do Atlântico. Identificaram uma “volta do mar” no Atlântico Norte quando faziam o regresso da costa africana, da capitania de S. Jorge da Mina, onde os ventos e as correntes os levavam para a latitude dos Açores, antes de chegar a Lisboa. Mais tarde, identificaram uma “volta do mar” no Atlântico Sul que passa pela costa do Brasil e leva as embarcações até à costa de Africa do Sul. O conhecimento profundo desde regime de ventos e correntes marítimas deu uma vantagem competitiva aos portuguese e permitiu traçar a rota para a Índia.

c) A Cartografia
A navegação astronómica no Atlântico e a consequente introdução da escala de latitudes nas cartas são um dos grandes contributos dos portugueses para a história da Ciência Náutica e da Cartografia.
O contributo dos estudos do matemático Pedro Nunes que demonstram que a distância mais curta entre dois pontos na superfície terrestre é uma linha curva e que se navegarmos fixando sempre o mesmo rumo, deslocamo-nos em espiral até ao polo.
A Cartografia portuguesa herdou os conhecimentos da escola italiana das cartas-portulanos do Mediterrâneo, melhorando o detalhe e o rigor da representação, fruto do trabalho de medida e registo sistemático dos navegadores. Para poder regressar aos mesmos locais e poder partilhar essa informação com outros marinheiros, os descobridores portugueses necessitaram de desenvolver um processo sistemático de recolha de informação que exigia disciplina e rigor.

d) Os instrumentos de navegação
A bússola foi inventada pelos chineses mais de 1500 anos antes da época dos Descobrimentos. A bússola na Idade Média indicava até doze regimes de ventos. Os portugueses, através da observação e experimentação, utilizavam a rosa-dos-ventos, indicando 16 e 32 rumos, e tinham conhecimento da declinação magnética que traduz a diferença entre o Norte magnético e o Norte geográfico, que varia com a longitude. Para diminuir os erros de leitura, a bússola era construída numa caixa de madeira e afastada das peças de artilharia, âncoras e outros materiais metálicos.
O astrolábio era um antigo instrumento para medir a altura dos astros acima do horizonte, utilizado na Idade Média para fins astrológicos e astronómicos, era também utilizado para resolver problemas geométricos, como calcular a altura de um edifício ou a profundidade de um poço. O astrolábio náutico foi uma versão simplificada do tradicional e tinha a possibilidade de apenas medir a altura dos astros para determinar a localização em alto mar, que foi sendo aperfeiçoado pelos portugueses, ajustando a graduação de acordo com as tabelas de declinações dos astros e tornando-o mais pesado (em cobre), para melhorar a precisão de leitura. Já o quadrante era um instrumento em madeira, com a forma de um quarto de círculo, com uma escala graduada com a mesma função do astrolábio. A balestilha é um instrumento posterior ao astrolábio, tudo indica que teve contribuição portuguesa e foi inspirado no kamal (balestilha de mouro). Foi um importante auxiliar de orientação em alto mar através da observação das estrelas e do Sol. Para medir o Sol, a operação era feita de costas para o astro, para não ferir a vista.
Na época dos Descobrimentos não existiam relógios. A ampulheta era um instrumento para medir o tempo e regular toda a vida a bordo. Existiam ampulhetas para tempos de uma, duas ou mais horas, mas as mais usadas eram as de meia hora, também conhecidas por relógio. Ao virar a ampulheta, o marinheiro tocava o sino: uma badalada às meias horas e um par de badalada à hora. Para calcular a velocidade, os marinheiros jogavam ao mar um pedaço de madeira amarrado a uma corda cheia de nós, contando o número de nós que passavam por entre os dedos durante um período de meia hora, medindo o tempo com o auxílio de uma ampulheta colocada no convés. Ainda hoje a velocidade dos navios é medida em "nós".
A bússola foi inventada pelos chineses mais de 1500 anos antes da época dos Descobrimentos. A bússola na Idade Média indicava até doze regimes de ventos. Os portugueses, através da observação e experimentação, utilizavam a rosa-dos-ventos, indicando 16 e 32 rumos, e tinham conhecimento da declinação magnética que traduz a diferença entre o Norte magnético e o Norte geográfico, que varia com a longitude. Para diminuir os erros de leitura, a bússola era construída numa caixa de madeira e afastada das peças de artilharia, âncoras e outros materiais metálicos.
O astrolábio era um antigo instrumento para medir a altura dos astros acima do horizonte, utilizado na Idade Média para fins astrológicos e astronómicos, era também utilizado para resolver problemas geométricos, como calcular a altura de um edifício ou a profundidade de um poço. O astrolábio náutico foi uma versão simplificada do tradicional e tinha a possibilidade de apenas medir a altura dos astros para determinar a localização em alto mar, que foi sendo aperfeiçoado pelos portugueses, ajustando a graduação de acordo com as tabelas de declinações dos astros e tornando-o mais pesado (em cobre), para melhorar a precisão de leitura. Já o quadrante era um instrumento em madeira, com a forma de um quarto de círculo, com uma escala graduada com a mesma função do astrolábio. A balestilha é um instrumento posterior ao astrolábio, tudo indica que teve contribuição portuguesa e foi inspirado no kamal (balestilha de mouro). Foi um importante auxiliar de orientação em alto mar através da observação das estrelas e do Sol. Para medir o Sol, a operação era feita de costas para o astro, para não ferir a vista.
Na época dos Descobrimentos não existiam relógios. A ampulheta era um instrumento para medir o tempo e regular toda a vida a bordo. Existiam ampulhetas para tempos de uma, duas ou mais horas, mas as mais usadas eram as de meia hora, também conhecidas por relógio. Ao virar a ampulheta, o marinheiro tocava o sino: uma badalada às meias horas e um par de badalada à hora. Para calcular a velocidade, os marinheiros jogavam ao mar um pedaço de madeira amarrado a uma corda cheia de nós, contando o número de nós que passavam por entre os dedos durante um período de meia hora, medindo o tempo com o auxílio de uma ampulheta colocada no convés. Ainda hoje a velocidade dos navios é medida em "nós".

e) O planeamento e a organização das expedições
“Se queres ir para o mar, prepara-te em terra”, terá sido a velha máxima dos marinheiros portugueses. As viagens podiam durar vários meses em mar alto, sem recurso a abastecimento. Por isso, era crucial o planeamento e a experiência adquirida, bem como impor uma disciplina férrea a bordo. As caravelas e naus do século XV eram autênticos quartéis flutuantes, onde o vértice do comando era o capitão-mor. A tripulação tinha que ter um correcto equilíbrio entre funções, exigindo: um mestre, um chefe de embarcação, um padre, pilotos, marinheiros, calafates, artilheiros, grumetes e pajens. Submetidos a uma dieta pobre e a regras rígidas, os tripulantes não desfrutavam de conforto algum e raríssimos eram os momentos de lazer. A maioria dos homens dormia ao relento, no convés, pois os porões eram ocupados por tonéis com água, vinho, vinagre, carne e peixe salgado, azeite, azeitonas, farinha, queijo, cebolas e alhos, feijão, mel, frutos secos, biscoitos e alguns animais vivos. O número de tonéis a bordo definia a capacidade dos navios - ainda hoje chamada de "tonelagem".
Os homens recebiam rações rigorosamente iguais. O vinho não podia faltar. Apesar do vinho e da carne ser a base da alimentação a bordo dos navios dos Descobrimentos, eram os duros ”biscoitos de marear” de água e sal, que faziam a diferença. Os biscoitos - palavra composta por “bis” (dois) e “coctus” (cozido) - eram cozidos duas vezes para durar mais tempo. Ainda assim, com o tempo e a humidade, ficavam podres das baratas e cobertos de bolor. A produção dos biscoitos confunde-se com a própria história da expansão ultramarina, eram cozidos nos fornos reais, como os do Vale do Zebro, em Lisboa.
Apesar destes esforços, demorámos tempo a incluir os citrinos na dieta a bordo para combater o escorbuto, e as carências alimentares tinham profundos reflexos nas condições físicas e psíquicas das tripulações. A água disponível a bordo ficava com mau cheiro e provocava diarreias. Por isso, era vital encontrar embocaduras de rios para abastecer de água doce e parar para reparar as embarcações e lavá-las com vinagre, para desinfetar a imundice acumulada. Nesses momentos, porque já tresandavam, os marinheiros aproveitavam para tomar o seu banho semestral. Sim, porque vá-se lá saber porquê: não temiam o mar, mas tinham medo do banho.
“Se queres ir para o mar, prepara-te em terra”, terá sido a velha máxima dos marinheiros portugueses. As viagens podiam durar vários meses em mar alto, sem recurso a abastecimento. Por isso, era crucial o planeamento e a experiência adquirida, bem como impor uma disciplina férrea a bordo. As caravelas e naus do século XV eram autênticos quartéis flutuantes, onde o vértice do comando era o capitão-mor. A tripulação tinha que ter um correcto equilíbrio entre funções, exigindo: um mestre, um chefe de embarcação, um padre, pilotos, marinheiros, calafates, artilheiros, grumetes e pajens. Submetidos a uma dieta pobre e a regras rígidas, os tripulantes não desfrutavam de conforto algum e raríssimos eram os momentos de lazer. A maioria dos homens dormia ao relento, no convés, pois os porões eram ocupados por tonéis com água, vinho, vinagre, carne e peixe salgado, azeite, azeitonas, farinha, queijo, cebolas e alhos, feijão, mel, frutos secos, biscoitos e alguns animais vivos. O número de tonéis a bordo definia a capacidade dos navios - ainda hoje chamada de "tonelagem".
Os homens recebiam rações rigorosamente iguais. O vinho não podia faltar. Apesar do vinho e da carne ser a base da alimentação a bordo dos navios dos Descobrimentos, eram os duros ”biscoitos de marear” de água e sal, que faziam a diferença. Os biscoitos - palavra composta por “bis” (dois) e “coctus” (cozido) - eram cozidos duas vezes para durar mais tempo. Ainda assim, com o tempo e a humidade, ficavam podres das baratas e cobertos de bolor. A produção dos biscoitos confunde-se com a própria história da expansão ultramarina, eram cozidos nos fornos reais, como os do Vale do Zebro, em Lisboa.
Apesar destes esforços, demorámos tempo a incluir os citrinos na dieta a bordo para combater o escorbuto, e as carências alimentares tinham profundos reflexos nas condições físicas e psíquicas das tripulações. A água disponível a bordo ficava com mau cheiro e provocava diarreias. Por isso, era vital encontrar embocaduras de rios para abastecer de água doce e parar para reparar as embarcações e lavá-las com vinagre, para desinfetar a imundice acumulada. Nesses momentos, porque já tresandavam, os marinheiros aproveitavam para tomar o seu banho semestral. Sim, porque vá-se lá saber porquê: não temiam o mar, mas tinham medo do banho.
O legado dos descobrimentos e a nossa natureza
Os Vikings chegaram à América vários séculos antes Colombo e o chinês Cheng Ho, entre 1414 e 1433, fez várias expedições por todo o Índico, para concluir que o comércio com esses povos não tinha interesse nem satisfazia suas necessidades, como diz Daniel Boortin no seu livro “Os Descobridores”: “[…] perfeitamente equipados com tecnologia, a inteligência e os recursos naturais para se tornarem descobridores, os Chineses condenaram-se a serem descobertos”.
Ao contrário, os Portugueses tinham uma estratégia e um objetivo bem definido, estavam convencidos de que seria possível navegar para a Índia pelo Atlântico, e que isso representaria uma enorme vantagem comercial, podendo colocar Lisboa no centro do comércio europeu, e alterar o domínio dos árabes e das cidades de Génova e Veneza, no comércio de especiarias. Isso foi possível porque os Portugueses estudaram de forma sistemática as correntes marítimas, o regime dos ventos e desenvolveram inovadoras técnicas de navegação. Isso foi possível porque se deram estímulos à atitude empreendedora da burguesia mercantil portuguesa. O mais espantoso é que, no seculo XV, Portugal tinha pouco mais de um milhão e meio de habitantes. Só a expedição ao Brasil levou mais de 1500 pessoas e, durante todo o período dos descobrimentos, teremos deslocado mais de 20% da população. Um esforço desmedido para um país tão pequeno.
A “sociedade do conhecimento” e a “economia do conhecimento” deram os primeiros passos com a época dos Descobrimentos, porque o conhecimento foi uma das molas propulsoras do empreendimento marítimo português. Iniciámos o processo de globalização, levando o hábito do chá aos ingleses, as malaguetas aos indianos e as armas de fogo aos japoneses. Construímos fortalezas e igrejas em todas as latitudes. Construímos pontes culturais. Difundimos a língua portuguesa nos quatro continentes, influenciando e assimilando novas expressões e conceitos. O Português, o nosso maior património, é a terceira língua mais falada no mundo ocidental e a quinta mais falada em todo o mundo.
A expansão marítima proporcionou-nos uma atenta observação da Natureza, que poria em causa muitos dogmas estabelecidos. Adquirimos uma mais correta percepção dos continentes e oceanos, explicando e prevendo os regimes de ventos e de correntes marítimas, bem como calculando distâncias e latitudes. Provámos a habitabilidade das zonas equatoriais e a esfericidade da Terra. Substituímos a acanhada perspetiva local por uma visão oceânica do Mundo.
O método e as técnicas de observação e descrição da natureza eram suportados em factos e medidas. Os números eram o suporte necessário para o cálculo de distâncias, pesos, durações, latitudes, profundidades e proporções. Sem termos sido cientistas, nem termos feito ciência, a nossa abordagem sistemática, potenciou a matematização do real que se iniciou no Renascimento. O espirito crítico permitiu-nos questionar e alterar dogmas, ajudando a construir um novo saber, baseado na curiosidade, no experiencialismo, nas observações e descrições empíricas da Natureza. A abertura aos outros e a tolerância das diferenças são ainda hoje um traço distintivo da nossa cultura como povo, que temos esquecido de potenciar. A nossa inata capacidade de comunicação e adaptação é incomparavelmente superior a um espanhol, inglês ou alemão, que apresentam uma confrangedora inabilidade para línguas. (...)
Fonte: http://salvocondutos.blogspot.pt/2013/01/a-inovacao-nos-descobrimentos.html
Ao contrário, os Portugueses tinham uma estratégia e um objetivo bem definido, estavam convencidos de que seria possível navegar para a Índia pelo Atlântico, e que isso representaria uma enorme vantagem comercial, podendo colocar Lisboa no centro do comércio europeu, e alterar o domínio dos árabes e das cidades de Génova e Veneza, no comércio de especiarias. Isso foi possível porque os Portugueses estudaram de forma sistemática as correntes marítimas, o regime dos ventos e desenvolveram inovadoras técnicas de navegação. Isso foi possível porque se deram estímulos à atitude empreendedora da burguesia mercantil portuguesa. O mais espantoso é que, no seculo XV, Portugal tinha pouco mais de um milhão e meio de habitantes. Só a expedição ao Brasil levou mais de 1500 pessoas e, durante todo o período dos descobrimentos, teremos deslocado mais de 20% da população. Um esforço desmedido para um país tão pequeno.
A “sociedade do conhecimento” e a “economia do conhecimento” deram os primeiros passos com a época dos Descobrimentos, porque o conhecimento foi uma das molas propulsoras do empreendimento marítimo português. Iniciámos o processo de globalização, levando o hábito do chá aos ingleses, as malaguetas aos indianos e as armas de fogo aos japoneses. Construímos fortalezas e igrejas em todas as latitudes. Construímos pontes culturais. Difundimos a língua portuguesa nos quatro continentes, influenciando e assimilando novas expressões e conceitos. O Português, o nosso maior património, é a terceira língua mais falada no mundo ocidental e a quinta mais falada em todo o mundo.
A expansão marítima proporcionou-nos uma atenta observação da Natureza, que poria em causa muitos dogmas estabelecidos. Adquirimos uma mais correta percepção dos continentes e oceanos, explicando e prevendo os regimes de ventos e de correntes marítimas, bem como calculando distâncias e latitudes. Provámos a habitabilidade das zonas equatoriais e a esfericidade da Terra. Substituímos a acanhada perspetiva local por uma visão oceânica do Mundo.
O método e as técnicas de observação e descrição da natureza eram suportados em factos e medidas. Os números eram o suporte necessário para o cálculo de distâncias, pesos, durações, latitudes, profundidades e proporções. Sem termos sido cientistas, nem termos feito ciência, a nossa abordagem sistemática, potenciou a matematização do real que se iniciou no Renascimento. O espirito crítico permitiu-nos questionar e alterar dogmas, ajudando a construir um novo saber, baseado na curiosidade, no experiencialismo, nas observações e descrições empíricas da Natureza. A abertura aos outros e a tolerância das diferenças são ainda hoje um traço distintivo da nossa cultura como povo, que temos esquecido de potenciar. A nossa inata capacidade de comunicação e adaptação é incomparavelmente superior a um espanhol, inglês ou alemão, que apresentam uma confrangedora inabilidade para línguas. (...)
Fonte: http://salvocondutos.blogspot.pt/2013/01/a-inovacao-nos-descobrimentos.html
7 - HISTÓRIA GERAL DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES
(por Francisco Xavier Valeriano de Sá)
a) Descobrimentos
O Homem, desde o princípio dos tempos, esteve sempre imbuído do espírito de aventura e partiu rumo ao desconhecido vencendo barreiras, rompendo horizontes, sulcando mares e desbravando terras.
Portugal, com as fronteiras norte e leste estabilizadas desde o Tratado de Alcanizes, em 1297, com uma longa tradição de transporte marítimo com o norte da Europa e também com o Mediterrâneo, e debruçado a ocidente sobre o Atlântico, qual varanda sobre o mar, sentiu naturalmente atracção pela aventura marítima em busca do desconhecido.
O intercâmbio com outras nações marítimas, nomeadamente genoveses, catalães e maiorquinos, levam os portugueses a aperfeiçoar-se nas ciências náuticas e adequar a construção dos seus barcos à navegação do Atlântico, com ventos, ondulações, tempestades e outras forças da natureza que se não faziam sentir no mar Mediterrâneo. As grandes florestas nacionais, algumas plantadas para defender a linha da costa, como foi o caso do pinhal de Leiria, forneciam a maior parte das madeiras próprias para a construção desses barcos.
Uma primeira tentativa surge em 1341, por iniciativa de D. Afonso IV, ao encarregar Nicolau de Recco de explorar as ilhas Canárias, o que iniciou um longo diferendo com Castela.
Portugal, com as fronteiras norte e leste estabilizadas desde o Tratado de Alcanizes, em 1297, com uma longa tradição de transporte marítimo com o norte da Europa e também com o Mediterrâneo, e debruçado a ocidente sobre o Atlântico, qual varanda sobre o mar, sentiu naturalmente atracção pela aventura marítima em busca do desconhecido.
O intercâmbio com outras nações marítimas, nomeadamente genoveses, catalães e maiorquinos, levam os portugueses a aperfeiçoar-se nas ciências náuticas e adequar a construção dos seus barcos à navegação do Atlântico, com ventos, ondulações, tempestades e outras forças da natureza que se não faziam sentir no mar Mediterrâneo. As grandes florestas nacionais, algumas plantadas para defender a linha da costa, como foi o caso do pinhal de Leiria, forneciam a maior parte das madeiras próprias para a construção desses barcos.
Uma primeira tentativa surge em 1341, por iniciativa de D. Afonso IV, ao encarregar Nicolau de Recco de explorar as ilhas Canárias, o que iniciou um longo diferendo com Castela.

A aventura começou sob a direcção do Infante D. Henrique, terceiro filho varão de D. João I, Rei de Portugal, que em 1515 tomou parte na expedição de Ceuta, e que teve informações que havia terra habitada para além do Cabo Bojador. Ainda com barcas e barinéis, depois com caravelas, foram iniciadas as viagens marítimas portuguesas, vindo assim a ser descobertas, em 1418-20, a ilha do Porto Santo, por João Gonçalves Zarco, fidalgo ao serviço do Infante, e Tristão Vaz Teixeira; em 1419 a ilha da Madeira, por João Gonçalves Zarco e Bartolomeu Perestrelo; e em 1432 as ilhas de Santa Maria e S. Miguel por Gonçalo Velho Cabral, também fidalgo ao serviço do Infante.

Nasce assim a chamada “Escola de Sagres”, sob a protecção e orientação do Infante D. Henrique, que era administrador da Ordem de Cristo, sucessora, desde D. Dinis, da Ordem dos Templários, cujos haveres e disciplina foram essenciais na realização dos Descobrimentos. A acção do Infante D. Pedro, irmão de D. Henrique, e de outras personalidades da casa real e da elite portuguesa foram também muito importantes, o que por vezes é esquecido.
Da escola saíram navegadores, cosmógrafos e gente especializada em diversas ciências náuticas que começaram a avançar pelo mar dentro e assim, em 1434, Gil Eanes, escudeiro do Infante, dobrou o Cabo Bojador, e em 1440 Diniz Fernandes descobriu o Senegal. Nessa altura já era muito conhecida em Portugal a figura do Preste João.
Iniciava-se a era dos Descobrimentos em que os portugueses, sulcando mares, desafiando oceanos e alcançando terras longínquas, iam dar a conhecer à Europa Ocidental novas terras, rios desconhecidos, civilizações antigas, povos com línguas e cores diferentes, religiões diversas, contornos geográficos impensáveis, flora e fauna estranhas e, ainda no campo náutico, o aperfeiçoamento da navegação, as rotas, as correntes marítimas, os ventos, os climas e tipos de barcos para fins específicos.
Continuando a aventura marítima, Dinis Dias contorna em 1445 Cabo Verde, em 1446 Nuno Tristão chega à foz do Gâmbia, Estêvão Afonso penetra o Rio Gâmbia e Álvaro Fernandes chega ao Cabo Roxo, em 1456-7 Diogo Gomes e Cadamosto percorrem a costa do Senegal e Gâmbia descobrindo o último algumas ilhas de Cabo Verde e em 1460 Pedro Sintra chega à Serra Leoa.
Em 1454, uma bula do Papa Nicolau V concede a D. Henrique o direito sobre as descobertas na costa africana.
Quando o Infante morre, em 1460, a sua obra estava bem consolidada e os navegadores portugueses tinham já explorado a costa africana até à Serra Leoa. As explorações sofreram uma paralisação após a sua morte, porque o Rei D. Afonso V empenhado nas lutas com Castela, não lhes deu seguimento. Apenas mandou arrendar a exploração comercial da rota da Guiné a Fernão Gomes.
D. João II, quando subiu ao trono em 1481, tentou localizar o Preste João e retomou o plano dos Descobrimentos. Encarregou Diogo de Azambuja de construir a fortaleza da Guiné, Diogo Cão de explorar a costa africana ao sul do Cabo de S. Catarina, Frei António de Lisboa e Pedro Monterroio de localizarem o Preste João e em 1487 Pêro da Covilhã de descobrir por terra a rota das especiarias da Índia. Este, cumprida a sua missão e chegado à Abissínia, não foi autorizado por Preste João a regressar a Portugal. Antes mandara do Cairo, em 1491, um relatório completo a El-Rei.
Da escola saíram navegadores, cosmógrafos e gente especializada em diversas ciências náuticas que começaram a avançar pelo mar dentro e assim, em 1434, Gil Eanes, escudeiro do Infante, dobrou o Cabo Bojador, e em 1440 Diniz Fernandes descobriu o Senegal. Nessa altura já era muito conhecida em Portugal a figura do Preste João.
Iniciava-se a era dos Descobrimentos em que os portugueses, sulcando mares, desafiando oceanos e alcançando terras longínquas, iam dar a conhecer à Europa Ocidental novas terras, rios desconhecidos, civilizações antigas, povos com línguas e cores diferentes, religiões diversas, contornos geográficos impensáveis, flora e fauna estranhas e, ainda no campo náutico, o aperfeiçoamento da navegação, as rotas, as correntes marítimas, os ventos, os climas e tipos de barcos para fins específicos.
Continuando a aventura marítima, Dinis Dias contorna em 1445 Cabo Verde, em 1446 Nuno Tristão chega à foz do Gâmbia, Estêvão Afonso penetra o Rio Gâmbia e Álvaro Fernandes chega ao Cabo Roxo, em 1456-7 Diogo Gomes e Cadamosto percorrem a costa do Senegal e Gâmbia descobrindo o último algumas ilhas de Cabo Verde e em 1460 Pedro Sintra chega à Serra Leoa.
Em 1454, uma bula do Papa Nicolau V concede a D. Henrique o direito sobre as descobertas na costa africana.
Quando o Infante morre, em 1460, a sua obra estava bem consolidada e os navegadores portugueses tinham já explorado a costa africana até à Serra Leoa. As explorações sofreram uma paralisação após a sua morte, porque o Rei D. Afonso V empenhado nas lutas com Castela, não lhes deu seguimento. Apenas mandou arrendar a exploração comercial da rota da Guiné a Fernão Gomes.
D. João II, quando subiu ao trono em 1481, tentou localizar o Preste João e retomou o plano dos Descobrimentos. Encarregou Diogo de Azambuja de construir a fortaleza da Guiné, Diogo Cão de explorar a costa africana ao sul do Cabo de S. Catarina, Frei António de Lisboa e Pedro Monterroio de localizarem o Preste João e em 1487 Pêro da Covilhã de descobrir por terra a rota das especiarias da Índia. Este, cumprida a sua missão e chegado à Abissínia, não foi autorizado por Preste João a regressar a Portugal. Antes mandara do Cairo, em 1491, um relatório completo a El-Rei.

Em 1486 partiu de Lisboa Bartolomeu Dias. No sul do continente africano sofreu um violento temporal e andou à deriva com o mar encapelado e ondas alterosas. Quando o tempo amainou e procurou costa para leste, só encontrou mar. Rumou ao norte, descobriu terra e navegou para leste até ao chamado Rio do Infante. Não conseguiu continuar por falta de meios e desânimos dos tripulantes.
No regresso, navegou ao longo da costa e quando verificou o seu contorno concluiu que sofrera a tempestade no extremo sul do continente africano, o que o impediu de verificar que a terra terminava aí. Devido ao temporal sofrido, apelidou aquele promontório de Cabo das Tormentas, face à descoberta da ligação dos Oceanos Atlântico e Índico.
Bartolomeu Dias só chegou a Lisboa em Dezembro de 1488.
Para chegar à Índia, faltava a navegação entre o Rio do Infante e Sofala, uma vez que D. João II tinha já informações sobre o comércio entre aquele porto e a Índia. Entretanto, Cristóvão Colombo expõe o seu projecto a El-Rei e, face à recusa deste, dirige-se ao Rei da Espanha, o qual aceita. Chega à América Central em 1492 e anuncia ter chegado às Índias.
No regresso, navegou ao longo da costa e quando verificou o seu contorno concluiu que sofrera a tempestade no extremo sul do continente africano, o que o impediu de verificar que a terra terminava aí. Devido ao temporal sofrido, apelidou aquele promontório de Cabo das Tormentas, face à descoberta da ligação dos Oceanos Atlântico e Índico.
Bartolomeu Dias só chegou a Lisboa em Dezembro de 1488.
Para chegar à Índia, faltava a navegação entre o Rio do Infante e Sofala, uma vez que D. João II tinha já informações sobre o comércio entre aquele porto e a Índia. Entretanto, Cristóvão Colombo expõe o seu projecto a El-Rei e, face à recusa deste, dirige-se ao Rei da Espanha, o qual aceita. Chega à América Central em 1492 e anuncia ter chegado às Índias.

No início, os navegadores assinalavam a sua passagem gravando nas árvores ou nas rochas os seus nomes e datas como, por exemplo, Ielala no Rio Zaire, cinto e cinquenta quilómetros a montante da foz, onde se encontram gravadas as seguintes inscrições nas rochas:
“Aqui chegaram os navios do esclarecido rei de Portugal, D. João, o segundo de Portugal. Diogo Cão, Pêro Anes, Pero da Costa, Álvaro Pires, Pêro Escobar, João santiago, Diogo Pinheiro; Gonçalo Álvares Antão”.

Entretanto, D. João II havia ordenado que assinalassem com padrões (colunas de pedra com inscrições encimadas por uma cruz), os locais notáveis que marcavam o avanço dos Descobrimentos.
Em 1493, o Papa Alexandre VI estabeleceu um meridiano a Ocidente de Cabo Verde, cabendo a Portugal as descobertas a Este do mesmo e a Castela as de Oeste. No entanto, D. João II assentou directamente com os Reis Católicos o meridiano a dividir as zonas de influência dos dois povos peninsulares, desviando-o mais para Oeste do Cabo Verde, o suficiente para abranger no espaço português o nordeste do Brasil.
Em 1494, com esta linha divisória, foi assinado o Tratado de Tordesilhas, entre Portugal e Espanha, que limitou os espaços de descobertas dos dois países.
No prosseguimento das viagens encetadas, D. João II escolhe para chefe da expedição por via marítima para a Índia, Estêvão da Gama. A 25 de Outubro de 1495 morre o Rei e a 27 do mesmo mês sobe ao trono D. Manuel I, que decide continuar com o plano dos Descobrimentos. Tendo entretanto falecido Estêvão da Gama, o Rei encarregou Vasco da Gama, filho de Estêvão, da audaciosa missão de chegar à Índia por via marítima.
Em 1493, o Papa Alexandre VI estabeleceu um meridiano a Ocidente de Cabo Verde, cabendo a Portugal as descobertas a Este do mesmo e a Castela as de Oeste. No entanto, D. João II assentou directamente com os Reis Católicos o meridiano a dividir as zonas de influência dos dois povos peninsulares, desviando-o mais para Oeste do Cabo Verde, o suficiente para abranger no espaço português o nordeste do Brasil.
Em 1494, com esta linha divisória, foi assinado o Tratado de Tordesilhas, entre Portugal e Espanha, que limitou os espaços de descobertas dos dois países.
No prosseguimento das viagens encetadas, D. João II escolhe para chefe da expedição por via marítima para a Índia, Estêvão da Gama. A 25 de Outubro de 1495 morre o Rei e a 27 do mesmo mês sobe ao trono D. Manuel I, que decide continuar com o plano dos Descobrimentos. Tendo entretanto falecido Estêvão da Gama, o Rei encarregou Vasco da Gama, filho de Estêvão, da audaciosa missão de chegar à Índia por via marítima.

Vasco da Gama parte a 8 de Julho de 1497 da praia do Restelo (Lisboa) com uma armada de quatro naus, depois de ter assistido junto com outros comandantes, tripulação, Rei, fidalgos e povo a actos religiosos na ermida de Santa Maria de Belém. Passou pelas Canárias e Cabo Verde, tendo-se depois aproximado da Serra Leoa, para apanhar os ventos alísios adequados à navegação com naus. Dele se separou, e da armada, a caravela comandada por Bartolomeu Dias que se dirigia à Mina, onde existia uma fortaleza e feitoria para comércio com as gentes da região.
Navegando pela volta do mar, durante perto de três meses, só em 22 de Novembro dobrou o Cabo da Boa Esperança. A 11 de Janeiro de 1498 a armada passou junto à foz do Rio do Cobre, só chegando à ilha de Moçambique em 2 de Março. Atinge Mombaça a 7 de Abril e Melinde a 13. Nas primeiras duas cidades sofreu ciladas, enquanto em Melinde foi bem recebido. Partiu com um piloto árabe que o levou a Calecute, onde chegou a 20 de Maio de 1498, estabelecendo a ligação entre a Europa Ocidental e a Ásia, por via marítima.
Estava descoberto do caminho marítimo para a Índia, tão desejado.
Vasco da Gama foi inicialmente bem recebido pelo Samorim de Calecute, a quem entregou as cartas do Rei de Portugal (D. Manuel I). Porém, o Samorim influenciado pelos rumes (mouros turcos) mudou de comportamento e começou a hostilizar os portugueses. Gama, não tendo meios militares para ripostar, levantou ferro a 9 de Agosto, ergueu um padrão em Bananor e Baticala, fundeou em Angediva e a 15 de Outubro levantou novamente ferro rumo a Lisboa.
Navegando pela volta do mar, durante perto de três meses, só em 22 de Novembro dobrou o Cabo da Boa Esperança. A 11 de Janeiro de 1498 a armada passou junto à foz do Rio do Cobre, só chegando à ilha de Moçambique em 2 de Março. Atinge Mombaça a 7 de Abril e Melinde a 13. Nas primeiras duas cidades sofreu ciladas, enquanto em Melinde foi bem recebido. Partiu com um piloto árabe que o levou a Calecute, onde chegou a 20 de Maio de 1498, estabelecendo a ligação entre a Europa Ocidental e a Ásia, por via marítima.
Estava descoberto do caminho marítimo para a Índia, tão desejado.
Vasco da Gama foi inicialmente bem recebido pelo Samorim de Calecute, a quem entregou as cartas do Rei de Portugal (D. Manuel I). Porém, o Samorim influenciado pelos rumes (mouros turcos) mudou de comportamento e começou a hostilizar os portugueses. Gama, não tendo meios militares para ripostar, levantou ferro a 9 de Agosto, ergueu um padrão em Bananor e Baticala, fundeou em Angediva e a 15 de Outubro levantou novamente ferro rumo a Lisboa.
Teve de aportar à Ilha Terceira, em Agosto do ano seguinte, devido à súbita doença de seu irmão, Paulo da Gama, mas, para transmitir a boa nova do caminho marítimo, enviou à frente outro navio sob o comando de Nicolau Coelho, que chegou a 9 de Julho. Vasco da Gama, amargurado com a morte do irmão e depois de o ter sepultado naquela ilha, partiu a 29 daquele mês, e chegou a Lisboa em Setembro de 1499.
Deve ter sido grande o efeito desta viagem no espírito de El-Rei D. Manuel I, para este, rodeado da sua corte, o receber solenemente com as maiores honras e benefícios.
No Restelo, de onde Vasco da Gama partiu, ficou a assinalar o evento o Mosteiro dos Jerónimos, mandado construir pelo Rei em honra de Nossa Senhora de Belém.
Deve ter sido grande o efeito desta viagem no espírito de El-Rei D. Manuel I, para este, rodeado da sua corte, o receber solenemente com as maiores honras e benefícios.
No Restelo, de onde Vasco da Gama partiu, ficou a assinalar o evento o Mosteiro dos Jerónimos, mandado construir pelo Rei em honra de Nossa Senhora de Belém.
b) Expansão
Em 1500, D. Manuel I mandou à Índia uma armada capitaneada por Pedro Álvares Cabral, a qual “sofreu um desvio” na rota que devia seguir, e descobriu o Brasil. Dessa armada, apenas seis navios chegaram a Calecute, onde foram mal recebidos. Partiram para Cochim, aí sendo estabelecida uma feitoria; seguidamente, passaram por Cananor, onde foram bem recebidos; e depois, com os navios cheios de especiarias, regressaram a Lisboa. Entretanto, partiu para a Índia uma armada sob o comando de João da Nova, que findou uma feitoria em Cananor e regressou.
Verificando-se que, após o regresso das armadas, as feitorias e os portugueses que ficavam eram atacados pelos potentados locais, em 1502 Vasco da Gama partiu com uma esquadra poderosa, destinada a punir as traições havidas, atacou Calecute, criando a psicose do medo, e regressou. Em 1503 seguiram três armadas, sendo capitão-mor de três naus de uma armada Afonso de Albuquerque, que estabeleceu uma feitoria em Coulão, construiu uma fortaleza em Cochim e lançou uma ofensiva contra as hostes do Samorim, que, após o regresso de Vasco da Gama, atacara as forças portuguesas. Quando regressou, comunicou ao Rei o que se passava na Índia.
Todas as primaveras largavam de Lisboa naus que deixavam na Índia guarnições em terra e regressavam no ano seguinte com especiarias e outras riquezas do Oriente. Porém, essas guarnições e feitorias portuguesas eram atacadas em terra por soberanos das regiões, após a saída das naus, instigados pelos mouros e turcos. Era necessário um poderio militar permanente sob as ordens da pessoa em quem o Rei outorgasse os poderes necessários para defesa dos interesses, para declarar guerra, promover a paz, administrar a Justiça e a Fazenda e comandar as forças terrestres e navais.
A escolha recaiu em Tristão da Cunha que cegou quando os preparativos estavam a meio. Em sua substituição foi escolhido D. Francisco de Almeida, com o título de Vice-Rei, que saiu em 24 de Março de 1505 com uma esquadra de 22 navios, sendo 12 para regressar e 10 para ficar. Porém, dado que D. Manuel I queria que fossem fortificadas as posições portuguesas com urgência, condicionou a utilização do título de Vice-Rei à edificação prévia de três fortalezas, motivo por que D. Francisco de Almeida se investiu dos poderes só após a construção das fortalezas de Quíloa, Angediva e Cananor e firmou uma aliança com o Rei de Cochim, onde estabeleceu a sede. Seguidamente atacou os navios mouros que se dirigiam ao Mar vermelho e tomou Panane. No seu governo chegara Fernão soares à Ilha de Madagáscar, D. Lourenço de Almeida às Maldivas e Ceilão e Diogo Lopes Sequeira a Samatra e Malaca.
Em Janeiro de 1508 seu filho, D. Lourenço de Almeida, quando estava a proteger os navios de carga de Cochim travou uma batalha violenta junto a Chaul com Mir Houssein, Capitão-Mor do Sultão de Bijapur, e Melinde Iaz, Senhor de Diu, que haviam jurado expulsar da Índia os portugueses, e, depois de gravemente ferido, veio a falecer. O pai dirigiu-se ao mar de Diu e, a 3 de Fevereiro 1509, destruiu as armadas daqueles, juntamente com a do Samorim de Calecute.
A sua política era a do domínio dos mares e nesse sentido escreveu ao rei: ”Saiba certo que, enquanto no mar fordes poderoso, tereis a Índia por vossa, e, se isto não tiveres no mar, pouco vos prestará fortaleza em terra”.
Em 1506, partiu outra armada sob o comando de Tristão da Cunha, já refeito da cegueira, sendo um dos navios capitaneado por Afonso de Albuquerque, que tinha por missão a vigilância do Mar Vermelho, com apoio na ilha de Socotorá, a qual tomou de passagem. Albuquerque levava um documento secreto do Rei nomeando-o Governador da Índia ao fim de três anos do governo de D. Francisco de Almeida e, como tal, andou durante esse tempo no mar da Índia em guerra com os mouros, tomou curiate e Orfação e conquistou Ormuz.
Verificando-se que, após o regresso das armadas, as feitorias e os portugueses que ficavam eram atacados pelos potentados locais, em 1502 Vasco da Gama partiu com uma esquadra poderosa, destinada a punir as traições havidas, atacou Calecute, criando a psicose do medo, e regressou. Em 1503 seguiram três armadas, sendo capitão-mor de três naus de uma armada Afonso de Albuquerque, que estabeleceu uma feitoria em Coulão, construiu uma fortaleza em Cochim e lançou uma ofensiva contra as hostes do Samorim, que, após o regresso de Vasco da Gama, atacara as forças portuguesas. Quando regressou, comunicou ao Rei o que se passava na Índia.
Todas as primaveras largavam de Lisboa naus que deixavam na Índia guarnições em terra e regressavam no ano seguinte com especiarias e outras riquezas do Oriente. Porém, essas guarnições e feitorias portuguesas eram atacadas em terra por soberanos das regiões, após a saída das naus, instigados pelos mouros e turcos. Era necessário um poderio militar permanente sob as ordens da pessoa em quem o Rei outorgasse os poderes necessários para defesa dos interesses, para declarar guerra, promover a paz, administrar a Justiça e a Fazenda e comandar as forças terrestres e navais.
A escolha recaiu em Tristão da Cunha que cegou quando os preparativos estavam a meio. Em sua substituição foi escolhido D. Francisco de Almeida, com o título de Vice-Rei, que saiu em 24 de Março de 1505 com uma esquadra de 22 navios, sendo 12 para regressar e 10 para ficar. Porém, dado que D. Manuel I queria que fossem fortificadas as posições portuguesas com urgência, condicionou a utilização do título de Vice-Rei à edificação prévia de três fortalezas, motivo por que D. Francisco de Almeida se investiu dos poderes só após a construção das fortalezas de Quíloa, Angediva e Cananor e firmou uma aliança com o Rei de Cochim, onde estabeleceu a sede. Seguidamente atacou os navios mouros que se dirigiam ao Mar vermelho e tomou Panane. No seu governo chegara Fernão soares à Ilha de Madagáscar, D. Lourenço de Almeida às Maldivas e Ceilão e Diogo Lopes Sequeira a Samatra e Malaca.
Em Janeiro de 1508 seu filho, D. Lourenço de Almeida, quando estava a proteger os navios de carga de Cochim travou uma batalha violenta junto a Chaul com Mir Houssein, Capitão-Mor do Sultão de Bijapur, e Melinde Iaz, Senhor de Diu, que haviam jurado expulsar da Índia os portugueses, e, depois de gravemente ferido, veio a falecer. O pai dirigiu-se ao mar de Diu e, a 3 de Fevereiro 1509, destruiu as armadas daqueles, juntamente com a do Samorim de Calecute.
A sua política era a do domínio dos mares e nesse sentido escreveu ao rei: ”Saiba certo que, enquanto no mar fordes poderoso, tereis a Índia por vossa, e, se isto não tiveres no mar, pouco vos prestará fortaleza em terra”.
Em 1506, partiu outra armada sob o comando de Tristão da Cunha, já refeito da cegueira, sendo um dos navios capitaneado por Afonso de Albuquerque, que tinha por missão a vigilância do Mar Vermelho, com apoio na ilha de Socotorá, a qual tomou de passagem. Albuquerque levava um documento secreto do Rei nomeando-o Governador da Índia ao fim de três anos do governo de D. Francisco de Almeida e, como tal, andou durante esse tempo no mar da Índia em guerra com os mouros, tomou curiate e Orfação e conquistou Ormuz.

Em Outubro de 1509, com ajuda do Marechal do Reino D. Francisco Coutinho, Afonso de Albuquerque assumiu o governo da Índia e seguidamente atacou a Calecute. Em Fevereiro de 1510 conquistou Goa, que perdeu em Maio face ao ataque de Yusuf Adil Khan (Idalcão), mas reconquistou-a em 25 de Novembro. Segundo consta, “a conquista de Goa por um povo estrangeiro de terra distante” tinha sido profetizada por um “jogui” (mendigo asceta).
Estava dado o primeiro passo para a realização do plano de Albuquerque, de transformar Goa no centro de um império no Oriente com os seus poderosos braços que viriam a ser Ormuz e Malaca. Para a execução do seu plano tomou várias medidas. Após a implementação de medidas, deixou Goa a cargo de Rodrigo Rebelo, comandante da fortaleza, organizou a sua administração e fomentou o comércio. Depois regressou a Goa e tomou a fortaleza de Benastarim.
Ao tempo, na Índia havia pessoas mal pagas e esquecidas, que andavam com Albuquerque nas conquistas, e outras, escolhidas pelo Rei, que viviam no luxo e o informavam conforme as suas conveniências. Afonso de Albuquerque, no entanto, continuou a dar execução aos seus planos e a 18 de Fevereiro de 1512 dirigiu-se a Aden, onde encontrou uma tenaz resistência e avançou até ao Mar Vermelho onde espalhou o medo. Em Fevereiro de 1515, por o Rei não lhe dar nenhum apoio, apoderou-se de novo de Ormuz, para buscar riqueza, e estava a erguer uma fortaleza quando se sentiu doente, motivo por que deu ordens de regresso a Goa. Veio a falecer à entrada de Goa.
A sua política foi de expansionismo, domínio efectivo em pontos estratégicos para apoio das armadas com a construção de fortalezas, implementação do plano para que Goa fosse o centro nevrálgico no Oriente e de fomento de uma civilização indo-portuguesa, através de casamentos de soldados portugueses com mulheres da Índia.
Dos três Governadores que se seguiram, Soares de Albergaria construiu uma fortaleza em Colombo, procurou contrariar a política seguida por Albuquerque, obscureceu a sua fama e regressou; Lopes de Sequeira edificou fortalezas em Coulão e Chaul e apossou-se da cidade de Maçua e D. Duarte de Menezes levantou a fortaleza de Ternate (Molucas), abandonou Paçem (Sumatra), perdeu terras firmes e Goa e teve uma actuação que deu azo a crescentes ataques por parte dos turcos e de outros vizinhos. Após a morte de Albuquerque, a política iniciada por aquele governante começou a ser desvirtuada e, consequentemente, começaram a surgir guerras intestinas, a disciplina começou a afrouxar, a corrupção a instalar-se, as dissensões e intrigas a aumentarem, aparecendo os primeiros sinais da decadência portuguesa no Oriente, e a surgir dificuldades para a defesa das terras em pontos tão dispersos e longínquos.
D. João III resolveu mandar D. Vasco da Gama para reestabelecer a disciplina entre os militares e a administração, e impor nos mares respeito ao inimigo. Chego em Setembro de 1524 e faleceu em Dezembro seguinte, mas em três meses conseguiu cumprir a sua missão e reestabelecer a ordem, pois no mar só a sua passagem foi suficiente devido ao fantasma do medo que criara na passagem anterior.
No governo de Lopo Vaz de Sampaio, o Capitão de Ormuz, Cristóvão de Mendonça, encarregou António Tenreiro de viajar por terra até Portugal e levar ao Rei notícias sobe o comércio dos mouros por essa via, tendo este iniciado a viagem em 1 de Outubro de 1528 e, depois de muitas aventuras, chegado a Lisboa a 22 de Maio de 1529.
Em 1529, pelo Tratado de Saragoça, Carlos V abdicou em favor de D. João III toda e qualquer pretensão sobre as Molucas. Em 1534 faleceu Ismail Adil Khan, sultão de Bijapur, filho de Yussuf Adil Khan que reinava naquele sultanado e era senhor de Goa quando Albuquerque a conquistou e devido à desinteligência entre os filhos daquele, Nuno da Cunha beneficiou de terras de um deles. Também o Bahadur de Cambaia ofereceu Baçaim, Bombaim, Caranja e Elefanta em troca de ajuda militar. Entretanto os dignatários mouros, instigados por Khoja-Safar, preparavam um ataque para expulsar os portugueses do Oriente, mas António da Silveira, após dura batalha, onde de parte a parte se perderam muitos homens, conquistou Diu, antes da chegada do novo Vice-Rei D. Garcia de Noronha. Em 1543, foram anexadas as províncias de Salsete e Bardês e os Portugueses chegaram ao Japão.
Estava dado o primeiro passo para a realização do plano de Albuquerque, de transformar Goa no centro de um império no Oriente com os seus poderosos braços que viriam a ser Ormuz e Malaca. Para a execução do seu plano tomou várias medidas. Após a implementação de medidas, deixou Goa a cargo de Rodrigo Rebelo, comandante da fortaleza, organizou a sua administração e fomentou o comércio. Depois regressou a Goa e tomou a fortaleza de Benastarim.
Ao tempo, na Índia havia pessoas mal pagas e esquecidas, que andavam com Albuquerque nas conquistas, e outras, escolhidas pelo Rei, que viviam no luxo e o informavam conforme as suas conveniências. Afonso de Albuquerque, no entanto, continuou a dar execução aos seus planos e a 18 de Fevereiro de 1512 dirigiu-se a Aden, onde encontrou uma tenaz resistência e avançou até ao Mar Vermelho onde espalhou o medo. Em Fevereiro de 1515, por o Rei não lhe dar nenhum apoio, apoderou-se de novo de Ormuz, para buscar riqueza, e estava a erguer uma fortaleza quando se sentiu doente, motivo por que deu ordens de regresso a Goa. Veio a falecer à entrada de Goa.
A sua política foi de expansionismo, domínio efectivo em pontos estratégicos para apoio das armadas com a construção de fortalezas, implementação do plano para que Goa fosse o centro nevrálgico no Oriente e de fomento de uma civilização indo-portuguesa, através de casamentos de soldados portugueses com mulheres da Índia.
Dos três Governadores que se seguiram, Soares de Albergaria construiu uma fortaleza em Colombo, procurou contrariar a política seguida por Albuquerque, obscureceu a sua fama e regressou; Lopes de Sequeira edificou fortalezas em Coulão e Chaul e apossou-se da cidade de Maçua e D. Duarte de Menezes levantou a fortaleza de Ternate (Molucas), abandonou Paçem (Sumatra), perdeu terras firmes e Goa e teve uma actuação que deu azo a crescentes ataques por parte dos turcos e de outros vizinhos. Após a morte de Albuquerque, a política iniciada por aquele governante começou a ser desvirtuada e, consequentemente, começaram a surgir guerras intestinas, a disciplina começou a afrouxar, a corrupção a instalar-se, as dissensões e intrigas a aumentarem, aparecendo os primeiros sinais da decadência portuguesa no Oriente, e a surgir dificuldades para a defesa das terras em pontos tão dispersos e longínquos.
D. João III resolveu mandar D. Vasco da Gama para reestabelecer a disciplina entre os militares e a administração, e impor nos mares respeito ao inimigo. Chego em Setembro de 1524 e faleceu em Dezembro seguinte, mas em três meses conseguiu cumprir a sua missão e reestabelecer a ordem, pois no mar só a sua passagem foi suficiente devido ao fantasma do medo que criara na passagem anterior.
No governo de Lopo Vaz de Sampaio, o Capitão de Ormuz, Cristóvão de Mendonça, encarregou António Tenreiro de viajar por terra até Portugal e levar ao Rei notícias sobe o comércio dos mouros por essa via, tendo este iniciado a viagem em 1 de Outubro de 1528 e, depois de muitas aventuras, chegado a Lisboa a 22 de Maio de 1529.
Em 1529, pelo Tratado de Saragoça, Carlos V abdicou em favor de D. João III toda e qualquer pretensão sobre as Molucas. Em 1534 faleceu Ismail Adil Khan, sultão de Bijapur, filho de Yussuf Adil Khan que reinava naquele sultanado e era senhor de Goa quando Albuquerque a conquistou e devido à desinteligência entre os filhos daquele, Nuno da Cunha beneficiou de terras de um deles. Também o Bahadur de Cambaia ofereceu Baçaim, Bombaim, Caranja e Elefanta em troca de ajuda militar. Entretanto os dignatários mouros, instigados por Khoja-Safar, preparavam um ataque para expulsar os portugueses do Oriente, mas António da Silveira, após dura batalha, onde de parte a parte se perderam muitos homens, conquistou Diu, antes da chegada do novo Vice-Rei D. Garcia de Noronha. Em 1543, foram anexadas as províncias de Salsete e Bardês e os Portugueses chegaram ao Japão.

Porém, devido à fraqueza e incúria de alguns governantes, a Índia começou a mergulhar novamente no abismo face à devassidão, revoltas, roubos e violências praticadas pelos soldados e deserções que engrossavam as fileiras inimigas com mercenários. Para pôr cobro a esta situação, foi enviado o Vice-Rei D. João de Castro que desfez o segundo cerco de Diu, subjugou Salcete e Pondá, tomou a cidade de Baroche, reestabeleceu a ordem na Índia e veio a falecer em 1548, pobre por gastar o seu salário com a alimentação de soldados. Em 5 de Setembro de 1561, o Vice-Rei, D. Constantino de Bragança tomou a ilha de Ceilão e posteriormente a de Manar, onde construiu uma fortaleza.
No Governo do Vice-Rei D. Antão de Noronha, o cirurgião-mor, Martim Afonso, partindo de Ormuz a 25 de Junho de 2565, viajou por terra e chegou a Lisboa em Agosto do ano seguinte.
O sonho de Albuquerque transformou-se em realidade entre 1550 e 1600, com Goa, Ormuz e Malaca, cidades fortificadas, feitorias estabelecidas, portos estratégicos e domínio dos mares. A capital situada em Goa era governada por um Vice-Rei ou Governador ao qual se subordinavam os Governadores de Moçambique, Ormuz, Mascate, Malaca e Ceilão. A capital tornou-se cada vez mais importante no Oriente, não só por ser um entreposto comercial, mas também devido à imponência dos seus edifícios, como o hospital, a misericórdia e igrejas e bem assim ao luxo dos seus habitantes. Era a cidade mais opulenta no Oriente onde se comerciavam os melhores cavalos, as mais finas sedas, as mais belas e cintilantes pedras preciosas, valiosos objectos feitos de ricos metais e uma diversidade de especiarias.
No Governo do Vice-Rei D. Antão de Noronha, o cirurgião-mor, Martim Afonso, partindo de Ormuz a 25 de Junho de 2565, viajou por terra e chegou a Lisboa em Agosto do ano seguinte.
O sonho de Albuquerque transformou-se em realidade entre 1550 e 1600, com Goa, Ormuz e Malaca, cidades fortificadas, feitorias estabelecidas, portos estratégicos e domínio dos mares. A capital situada em Goa era governada por um Vice-Rei ou Governador ao qual se subordinavam os Governadores de Moçambique, Ormuz, Mascate, Malaca e Ceilão. A capital tornou-se cada vez mais importante no Oriente, não só por ser um entreposto comercial, mas também devido à imponência dos seus edifícios, como o hospital, a misericórdia e igrejas e bem assim ao luxo dos seus habitantes. Era a cidade mais opulenta no Oriente onde se comerciavam os melhores cavalos, as mais finas sedas, as mais belas e cintilantes pedras preciosas, valiosos objectos feitos de ricos metais e uma diversidade de especiarias.
c) Declínio
A ambição e a perseguição religiosa movida aos goeses não católicos começaram a criar ódio e revolta neles. Não obstante a preocupação dos reis em mandar homens de confiança, pertencentes à nobreza, ricos (para não serem corrompidos), de certa idade (por terem maturidade) e experientes (para governarem bem), houve governantes que sobrepuseram os interesses pessoais aos da Pátria, outros que se descuidaram da governação e ainda outros que, por serem de avançada idade, manifestaram desinteresse. Para os potentados vizinhos, os portugueses já não eram heróis invencíveis, pois, ávidos de poder e de fortuna, esqueceram os seus deveres e contribuíram para a perda gradual do prestígio, do respeito e do medo das suas armas, o que deu origem a constantes ataques por terra e mar, individualmente ou em coligação, para expulsarem os portugueses.
Para além disto, a dinastia Filipina à frente dos destinos de Portugal veio esmorecer o ânimo dos portugueses no Oriente, tornando-os apáticos, quase sem brio e sem ânimo. No entanto, houve quem se esforçasse pela expansão do território, por repelir os ataques constantes dos reis vizinhos e dos piratas que já proliferavam no mar da Índia, atacando barcos mercantes. Face à dominação espanhola, os ingleses e holandeses tornaram-se mais ousados e quiseram apossar-se do comércio e usurpar o domínio português nos mares do Oriente. Em 1587, sete navios comandados por Francis Drake apresaram, junto aos Açores, a caravela de João Trigueiros e levaram a riqueza nela contida, para Inglaterra. Foi o início do avanço dos ingleses e holandeses em direcção aos mares do Oriente com investidas cada vez mais frequentes às possessões portuguesas a partir de 1595.
Os ataques em várias frentes, a falta de poderes dos Conselhos Governativos em relação aos Governadores e Vice-Reis, a política da dominação castelhana e, internamente, a desinteligência, a rivalidade, a inveja e a corrupção contribuíram para o enfraquecimento do poderio, e o Império do Oriente, construídos por uma plêiade de homens com denoto, suor, lágrimas, sangue e vidas, começou a ruir.
Os holandeses apossaram-se, em 1607 das fortalezas de Molucas e Sumatra, em 1639 de Baticala e em 1618 montaram um centro em Batávia que rivalizava com Malaca em especiarias. Em 1622 perdeu-se Ormuz em favor do Xá da Pérsia e depois Mascate.
Deu-se a Restauração da independência portuguesa em 1 de Dezembro de 1640 e subiu ao trono D. João IV, a quem se seguiu D. Luísa de Gusmão e depois D. Afonso VI, mas a derrocada no Oriente continuou com perdas a favor dos holandeses, de Malaca, em 1641, Ceilão em 1656, Coulão, Cranganor, Cananor e Cochim entre 1658-63, pois ainda continuava o efeito dos sessenta anos de dominação espanhola.
Pelo tratado firmado em 23 de Junho de 1661, foi cedida a ilha de Bombaim em dote pelo casamento da Infanta D. Catarina de Bragança com Carlos II, monarca de Inglaterra. O Vice-Rei António de Melo e Castro fez tudo para convencer o Rei a não ceder, mas, por imposição deste e muito contra a sua vontade, teve de assinar a ordem em 14 de Janeiro de 1665 e a 18 de Fevereiro efectuou-se a entrega.
Em 1668, surge mais um adversário bastante poderoso e destemido, o grande guerreiro Shivaju, que, revoltando-se contra a dominação maomeana conquistou as terras do Grão-Mogol Shah Jehan e dos sultão de Bijapur e fundou o império marata. Na continuação da expansão do seu império tentou por duas vezes conquistar Goa, mas foi repelido. Posteriormente, Sambaji, seu filho e sucessor, atravessando a cordilheira dos Gates com um poderoso exército ocupou o forte de Jua (S. Estêvão), no dia 24 de Novembro de 1683 e o Vice-Rei Francisco Távora, Conde de Alvor, com um punhado de homens, atacou-o, mas foram desbaratados. Sambaji, quando estava em condições vantajosas de ser senhor de Goa devido à supremacia das suas forças e o Vice-Rei português não ter forças suficientes para expulsá-lo, abandounou subitamente a fortaleza e saiu precipitadamente da ilha, segundo consta, para defender os seus estados atacados pelos mongóis.
A seguir, os mouros apossaram-se de Mombaça.
Nos finais do sec. XVII, do vasto Império restava Goa, Angediva, província do Norte, Moçambique, a feitoria de Surate, Macau, Timor e Solor.
Na terra firme surgiu mais um adversário, o audacioso Bounsuló, que começou a atacar e a flagelar a população de Goa. Kemá Saunto Bounsuló, feudatário de Bijapur, com a sua tropa, ocupou a fortaleza de Amonã e Bicholim, mas o Vice-Rei Caetano de Melo e Castro repeliu-o em Julho de 1705 e tomou as ilhas de Corjuém e Penelém, que lhe pertenciam.
No governo de Melo e Castro houve um facto que merece ser contado. Em 1700 inscreveu-se na casa da Índia, como praça, Baltazar de Couto Cardoso, de 18 anos de idade, e embarcou no mesmo ano para a Índia sob as ordens do Capitão do Forte de S. João Baptista, Afonso Teixeira Arrais de Melo, que depois foi Capitão de Chaul. Baltazar Cardoso distinguiu-se pela sua coragem, denoto, abnegação e valentia nos combates, nomeadamente em Amonã, Bicholim, Tivim e Chaul, onde ficou gravemente ferido e só então veio a saber-se que o soldado era do sexo feminino. Chamava-se Maria Úrsula de Abreu e Alencastre, natural do Rio de Janeiro, filha de João Abreu de Oliveira que, por motivos desconhecidos, fugira da casa paterna e do Brasil e em Lisboa alistara-se para combater na Índia sob o nome atrás referido, mas a aventura, que ainda foi longa, terminou em Chaul. Com muita mágoa teve de deixar as armas, uma vez que não era permitido, mas o Governo, grato pelos serviços prestados e pela sua coragem, concedeu-lhe em aforamento durante toda a sua vida, palmares (terreno com coqueiros) em Chaul, e a heroína veio a casar com o capitão do forte, Arrais de Melo, que fora seu superior hierárquico e companheiro de armas.
Os avanços e recuos contribuíram para alargar as fronteiras terrestres de Goa. O Vice-Rei Vasco César de Meneses travou batalhas com o temível Kanoji Angriá Serquel em 1713, e o Vice-Rei João Saldanha da Gama tomou o forte de Bicholim a Fondú Saunto Bounsuló e entregou-o ao seu filho Nagobá. Em Dezembro de 1727 ainda recuperou Mombaça, que tornou a voltar às mãos dos árabes em 1730.
No vice-reinado de D. Pedro Mascarenhas, Conde de Sandomil, o Peshwa (cargo semelhante a primeiro ministro) marata Bajirau, instigado pelos ingleses, apoderou-se do forte de Thaná e com um poderoso exército sitiou Baçaim, que capitulou a 17 de Maio de 1739. Com a queda de Baçaim, que era a capital da privíncia do Norte, mais conhecida por Corte do Norte, fundada pelo Governador Nuno da Cunha e governada por uma entidade denominada General do Norte, Portugal perdeu a dita província que compreendia as ilhas de Thaná, Salcete, Bombaim, Caranjá e Elefanta, e na terra firme Baçaim e Chaul, salvando-se porém Damão e a feitoria de Surrate. Também os bounsulé (exército de Bounsuló) ocuparam todas as fortalezas de Bardês e o general marata Venkata Rau tomou as fortalezas de Margão, Cuncolim e Rachol, na Província de Salcete.
Quando chegou o Vice-Rei, Conde de Ericeira, em 1741, Bounsuló retirou-se, assinando um tratado de paz, e Venkata Rau teve de evacuar Salcete face à perda das fortalezas de Pondá, Sanguém e Supém. Após o regresso do Vice-Rei a Portugal, e face à passividade dos que o sucederam, O Bounsuló, não respeitando o tratado, tomou e saqueou a províndia de Pondá, pelo que o Vice-Rei D. Pedro Miguel de Almeida Portugal, Marquês de Castelo Novo, logo após a posse, tomou de assalto Alornã, em Maio de 1746, uma das praças mais fortes do inimigo, e derrotou Gomá Saunto. A seguir tomou as praças de Bicholim, Manerim, Tiracol e Rarim, o forte de Neutim, em Dezembro de 1748, que era o último reduto do Bounsuló, livrando Goa de ficar esmagada sob pressão dos maratas e dos holandeses, o que era provável, se as praças não fossem conquistadas.
Em 1748, O Imperador Mogol ofereceu a D. António José de Noronha, ou Frei António da Purificação, natural de Goa Velha, pelos seus serviços, as aldeias de S. Tomé de Meliapur que este, por sua vez, ofereceu ao Rei de Portugal, e comunicou ao Vice-Rei, por carta de 18 de Agosto de 1749. O Vice-Rei, face as dificuldades em mandar um Governador, nomeou-o procurador mas, entretanto, os ingleses tomaram S. Tomé de Meliapur e levaram António de Noronha preso para Londres, donde passou para Paris e foi recebido por Luís XV, que o nomeou Bispo de Halicarnasse.
O Marquês de Távora, Francisco Assis de Távora, desfez o cerco de Bonsuló e maratas a Neutim, tomou Piro e Ximpém em 1752, e depois as províncias de Pondá e Zambaulim ao Rei de Sundém (Sunda) que, em 1754, assinou um tratado de paz, mas o Vice-Rei seguinte, D. Luís de Mascarenhas, por ordens superiores, devolveu ao Bounsuló Rarim e Neutim, em Novembro de 1754, e ao Rei de Sundém, Pondá, Sanguém e Zambaulim e seguidamente estabeleceu a fronteira norte.
Entretanto, por decreto de D. José I, em 1752, Moçambique deixou de estar sob a jurisdição do Estado da Índia para fazer parte da África Oriental e ficar dependente da Coroa, e o Marquês do Pombal, Primeiro-Ministro de D. José I, promulgou diplomas tendentes ao restabelecimento do poder português e à ordem no Oriente (…).
O Vice-Rei Manuel de Saldanha e Albuquerque, Conde de Ega, recuperou em 1763 Pondá, Zambaulim e Canácona mas, por impossibilidade de poder defender todas as praças, foi obrigado a entregar ao Bounsuló os fortes de Bicholim e Alornã e ao Rei de Sundém os de Piro e Ximpém, por decisão superior. Em 1771 Pondá passou de facto ao domínio Português.
Por alvará de 15 de Janeiro de 1774 foi remodelada a administração civil, militar, política, financeira e eclesiástica na Índia portuguesa e por carta régia de 9 de Abril de 1778 foi Criado o Conselho Legislativo.
Pelo tratado de 6 de Janeiro de 1780, assinado em Poona, os maratas cederam Nagar-Aveli aos portugueses. Nagar-Aveli separava-se de Damão por uma estreita faixa de terra de cerca de 5 a 7 milhas de largura pertencente ao governo britânico. Em 1782, o Governador D. Frederico Guilherme de Sousa conquistou Bicholim pela última vez ao Bounsuló e em 1788, este fez um tratado com o Governador Francisco Meneses cedendo a província de Perném e pondo fim definitivamente às escaramuças com os portugueses. Em 1787 houve uma sublevação, conhecida como “conjuração dos Pintos”, que se abortou. Em 1799, no governo de Francisco da Veiga Cabral, os ingleses, sob o comando do Coronel William Clarck e a pretexto de ajuda contra os franceses, entraram e permaneceram em Goa até à assinatura da Paz de Amiens, mas votaram em 1802, ocuparam várias fortalezas estratégicas e retiraram-se em 1813, face às reclamações do governo português junto de Londres. Em 1812 foi extinto, pela segunda vez e definitivamente, o Tribunal do Santo Ofício. Em 1835, pela primeira vez em toda a história da Índia, foi nomeado Prefeito (correspondente a Governador) um oriundo de Goa, Bernardo Peres da Silva, médico e deputado às cortes, mas ao fim de 17 dias foi deposto pelo Governador Militar que o próprio Perfeito trouxera de Lisboa e nomeara para aquele cargo, por ser da sua confiança. Seguiu-se um período conturbado em que Goa foi governada por uma Junta Provisional enquanto Damão e Diu se mantiveram fiéis ao Prefeito, que se refugiara em Bombaim. Esta situação manteve-se até à chegada do Governador Simão Lacerda, em 1837, que acabou com a situação anárquica.
Nos princípios do sec. XIX, no Oriente continuavam apenas Goa, com as Novas conquistas anexadas, Damão, Diu, a feitoria de Surrate, Macau, Timor e Solor.
No governo de José Ferreira Pestana, por decreto de 20 de Setembro de 1844, Macau, Timor e Solor deixaram de estar sob a jurisdição do governo do Estado da Índia, para terem um Governador-Geral residente em Macau, ficando aquele apenas com Goa, Damão e Diu.
A preocupação dos Governos passou a ser defenderem-se dos ataques e terra firme de Goa pelos ranes e bounsulé, que, atravessando as fronteiras, assolavam o território, muitas vezes com conivência das autoridades britânicas, dado que os territórios circundantes estavam já nas mãos destas. Os governantes, ocupados com a defesa dos territórios, descuraram outras medidas tendentes ao desenvolvimento. No entanto, o Governador Francisco Silva Pereira introduziu em 1842 várias reformas administrativas e militares e Panjim foi elevada a cidade, passando a denominar-se Nova Goa, em contraste com a antiga cidade dos Vice-Reis, que passou a ser conhecida como Velha Goa ou Velha Cidade, e o Governador José Ferreira Pestana deu início a um sistema de comunicações entre Nova Goa, Salcete e Bardês. No governo de António Vasconcelos Correia houve um desenvolvimento nas comunicações: em 1858 foi inaugurada a estrada de Verém – Sawantvadi, que, atravessando a fronteira Norte, comunicava com os domínios britânicos e, em 1859 foi construída a estrada que atravessava Nova Goa – Santa Cruz – S. Lourenço – Salcete – Canaconá, que dava acesso pelo Sul ao território britânico. Nesse ano, além da introdução do sistema telegráfico, foram demarcadas as fronteiras da jurisdição de Damão e Diu.
Em 2 de Maio de 1863 focaram definidas as fronteiras de Damão e Nagar-Aveli, entre os governos português e britânico.
Em 1869 foi abolida a escravatura em todas as possessões.
As relações com o governo britânico melhoraram e foram assinados, em 1874, um contrato com a British India Steam Navigation Company para a exploração dos percursos Lisboa – Goa e Lisboa – Moçambique, em 1878 um tratado luso-britânico para a ligação ferroviária Mormugão-Hubli, que começou a funcionar em 17 de Janeiro de 1887, e em 1880 uma Convenção Luso-Britânica sobre as moedas.
A feitoria que continuou após a conquista de Surrate pelos ingleses aos mongóis, em 1800, foi extinta em 1880.
Em 1894, no governo de Elesbão Lapa, deu-se a revolta dos soldados maratas, que se recusaram a embarcar para Moçambique e, desertanto, ocuparam o forte de Nanuz, em Satari, onde tiveram o apoio dos ranes e dos aldeões. Para debelar a revolta, veio o Infante D. Afonso Henriques, irmão de El-Rei D. Carlos, com o título de Vice-Rei, que pacificou e regressou.
A amnistia concedida em 9 de Setembro de 1897, a convenção com o Governo Britânico para a extradição dos criminosos e as medidas tendentes à distribuição equitativa das terras contribuíram para a pacificação do território e para o declínio das revoltas.
A partir de 1912 deixaram de haver escaramuças e ataques dos ingleses, holandeses, bounsulé e ranés. Após avanços e recuos durante séculos, fixaram-se enfim, em definitivo, as fronteiras de Goa, que confinavam ao norte com Sawantvadi, ao sul com Canará, ao oriente com a cordilheira dos Gates e ao ocidente com o Oceano Índico, e se mantiveram até ao fim. Os governantes puderam enfim respirar de alívio e debruçar-se sobre as reformas necessárias para o desenvolvimento económico do território.
Em 1923 é estabelecida a linha telegráfica Nova-Goa/Bombaim. Em 1930 aterra pela primeira vez no planalto de Mormugão o avião Marão, tripulado por Moreira Cardoso e Sarmento Pimentel, estabelecendo uma ligação aérea entre Portugal e Índia.
Em 1931, os correios estabeleceram o contacto por via rádio. Em 1931 é introduzida a electricidade em Nova-Goa. Em 1933 o Estado da Índia é considerado colónia e abrangido pela reforma Administrativa Ultramarina e Carta do Império Colonial, publicados nesse ano, o que provocou grande descontentamento.
Para além disto, a dinastia Filipina à frente dos destinos de Portugal veio esmorecer o ânimo dos portugueses no Oriente, tornando-os apáticos, quase sem brio e sem ânimo. No entanto, houve quem se esforçasse pela expansão do território, por repelir os ataques constantes dos reis vizinhos e dos piratas que já proliferavam no mar da Índia, atacando barcos mercantes. Face à dominação espanhola, os ingleses e holandeses tornaram-se mais ousados e quiseram apossar-se do comércio e usurpar o domínio português nos mares do Oriente. Em 1587, sete navios comandados por Francis Drake apresaram, junto aos Açores, a caravela de João Trigueiros e levaram a riqueza nela contida, para Inglaterra. Foi o início do avanço dos ingleses e holandeses em direcção aos mares do Oriente com investidas cada vez mais frequentes às possessões portuguesas a partir de 1595.
Os ataques em várias frentes, a falta de poderes dos Conselhos Governativos em relação aos Governadores e Vice-Reis, a política da dominação castelhana e, internamente, a desinteligência, a rivalidade, a inveja e a corrupção contribuíram para o enfraquecimento do poderio, e o Império do Oriente, construídos por uma plêiade de homens com denoto, suor, lágrimas, sangue e vidas, começou a ruir.
Os holandeses apossaram-se, em 1607 das fortalezas de Molucas e Sumatra, em 1639 de Baticala e em 1618 montaram um centro em Batávia que rivalizava com Malaca em especiarias. Em 1622 perdeu-se Ormuz em favor do Xá da Pérsia e depois Mascate.
Deu-se a Restauração da independência portuguesa em 1 de Dezembro de 1640 e subiu ao trono D. João IV, a quem se seguiu D. Luísa de Gusmão e depois D. Afonso VI, mas a derrocada no Oriente continuou com perdas a favor dos holandeses, de Malaca, em 1641, Ceilão em 1656, Coulão, Cranganor, Cananor e Cochim entre 1658-63, pois ainda continuava o efeito dos sessenta anos de dominação espanhola.
Pelo tratado firmado em 23 de Junho de 1661, foi cedida a ilha de Bombaim em dote pelo casamento da Infanta D. Catarina de Bragança com Carlos II, monarca de Inglaterra. O Vice-Rei António de Melo e Castro fez tudo para convencer o Rei a não ceder, mas, por imposição deste e muito contra a sua vontade, teve de assinar a ordem em 14 de Janeiro de 1665 e a 18 de Fevereiro efectuou-se a entrega.
Em 1668, surge mais um adversário bastante poderoso e destemido, o grande guerreiro Shivaju, que, revoltando-se contra a dominação maomeana conquistou as terras do Grão-Mogol Shah Jehan e dos sultão de Bijapur e fundou o império marata. Na continuação da expansão do seu império tentou por duas vezes conquistar Goa, mas foi repelido. Posteriormente, Sambaji, seu filho e sucessor, atravessando a cordilheira dos Gates com um poderoso exército ocupou o forte de Jua (S. Estêvão), no dia 24 de Novembro de 1683 e o Vice-Rei Francisco Távora, Conde de Alvor, com um punhado de homens, atacou-o, mas foram desbaratados. Sambaji, quando estava em condições vantajosas de ser senhor de Goa devido à supremacia das suas forças e o Vice-Rei português não ter forças suficientes para expulsá-lo, abandounou subitamente a fortaleza e saiu precipitadamente da ilha, segundo consta, para defender os seus estados atacados pelos mongóis.
A seguir, os mouros apossaram-se de Mombaça.
Nos finais do sec. XVII, do vasto Império restava Goa, Angediva, província do Norte, Moçambique, a feitoria de Surate, Macau, Timor e Solor.
Na terra firme surgiu mais um adversário, o audacioso Bounsuló, que começou a atacar e a flagelar a população de Goa. Kemá Saunto Bounsuló, feudatário de Bijapur, com a sua tropa, ocupou a fortaleza de Amonã e Bicholim, mas o Vice-Rei Caetano de Melo e Castro repeliu-o em Julho de 1705 e tomou as ilhas de Corjuém e Penelém, que lhe pertenciam.
No governo de Melo e Castro houve um facto que merece ser contado. Em 1700 inscreveu-se na casa da Índia, como praça, Baltazar de Couto Cardoso, de 18 anos de idade, e embarcou no mesmo ano para a Índia sob as ordens do Capitão do Forte de S. João Baptista, Afonso Teixeira Arrais de Melo, que depois foi Capitão de Chaul. Baltazar Cardoso distinguiu-se pela sua coragem, denoto, abnegação e valentia nos combates, nomeadamente em Amonã, Bicholim, Tivim e Chaul, onde ficou gravemente ferido e só então veio a saber-se que o soldado era do sexo feminino. Chamava-se Maria Úrsula de Abreu e Alencastre, natural do Rio de Janeiro, filha de João Abreu de Oliveira que, por motivos desconhecidos, fugira da casa paterna e do Brasil e em Lisboa alistara-se para combater na Índia sob o nome atrás referido, mas a aventura, que ainda foi longa, terminou em Chaul. Com muita mágoa teve de deixar as armas, uma vez que não era permitido, mas o Governo, grato pelos serviços prestados e pela sua coragem, concedeu-lhe em aforamento durante toda a sua vida, palmares (terreno com coqueiros) em Chaul, e a heroína veio a casar com o capitão do forte, Arrais de Melo, que fora seu superior hierárquico e companheiro de armas.
Os avanços e recuos contribuíram para alargar as fronteiras terrestres de Goa. O Vice-Rei Vasco César de Meneses travou batalhas com o temível Kanoji Angriá Serquel em 1713, e o Vice-Rei João Saldanha da Gama tomou o forte de Bicholim a Fondú Saunto Bounsuló e entregou-o ao seu filho Nagobá. Em Dezembro de 1727 ainda recuperou Mombaça, que tornou a voltar às mãos dos árabes em 1730.
No vice-reinado de D. Pedro Mascarenhas, Conde de Sandomil, o Peshwa (cargo semelhante a primeiro ministro) marata Bajirau, instigado pelos ingleses, apoderou-se do forte de Thaná e com um poderoso exército sitiou Baçaim, que capitulou a 17 de Maio de 1739. Com a queda de Baçaim, que era a capital da privíncia do Norte, mais conhecida por Corte do Norte, fundada pelo Governador Nuno da Cunha e governada por uma entidade denominada General do Norte, Portugal perdeu a dita província que compreendia as ilhas de Thaná, Salcete, Bombaim, Caranjá e Elefanta, e na terra firme Baçaim e Chaul, salvando-se porém Damão e a feitoria de Surrate. Também os bounsulé (exército de Bounsuló) ocuparam todas as fortalezas de Bardês e o general marata Venkata Rau tomou as fortalezas de Margão, Cuncolim e Rachol, na Província de Salcete.
Quando chegou o Vice-Rei, Conde de Ericeira, em 1741, Bounsuló retirou-se, assinando um tratado de paz, e Venkata Rau teve de evacuar Salcete face à perda das fortalezas de Pondá, Sanguém e Supém. Após o regresso do Vice-Rei a Portugal, e face à passividade dos que o sucederam, O Bounsuló, não respeitando o tratado, tomou e saqueou a províndia de Pondá, pelo que o Vice-Rei D. Pedro Miguel de Almeida Portugal, Marquês de Castelo Novo, logo após a posse, tomou de assalto Alornã, em Maio de 1746, uma das praças mais fortes do inimigo, e derrotou Gomá Saunto. A seguir tomou as praças de Bicholim, Manerim, Tiracol e Rarim, o forte de Neutim, em Dezembro de 1748, que era o último reduto do Bounsuló, livrando Goa de ficar esmagada sob pressão dos maratas e dos holandeses, o que era provável, se as praças não fossem conquistadas.
Em 1748, O Imperador Mogol ofereceu a D. António José de Noronha, ou Frei António da Purificação, natural de Goa Velha, pelos seus serviços, as aldeias de S. Tomé de Meliapur que este, por sua vez, ofereceu ao Rei de Portugal, e comunicou ao Vice-Rei, por carta de 18 de Agosto de 1749. O Vice-Rei, face as dificuldades em mandar um Governador, nomeou-o procurador mas, entretanto, os ingleses tomaram S. Tomé de Meliapur e levaram António de Noronha preso para Londres, donde passou para Paris e foi recebido por Luís XV, que o nomeou Bispo de Halicarnasse.
O Marquês de Távora, Francisco Assis de Távora, desfez o cerco de Bonsuló e maratas a Neutim, tomou Piro e Ximpém em 1752, e depois as províncias de Pondá e Zambaulim ao Rei de Sundém (Sunda) que, em 1754, assinou um tratado de paz, mas o Vice-Rei seguinte, D. Luís de Mascarenhas, por ordens superiores, devolveu ao Bounsuló Rarim e Neutim, em Novembro de 1754, e ao Rei de Sundém, Pondá, Sanguém e Zambaulim e seguidamente estabeleceu a fronteira norte.
Entretanto, por decreto de D. José I, em 1752, Moçambique deixou de estar sob a jurisdição do Estado da Índia para fazer parte da África Oriental e ficar dependente da Coroa, e o Marquês do Pombal, Primeiro-Ministro de D. José I, promulgou diplomas tendentes ao restabelecimento do poder português e à ordem no Oriente (…).
O Vice-Rei Manuel de Saldanha e Albuquerque, Conde de Ega, recuperou em 1763 Pondá, Zambaulim e Canácona mas, por impossibilidade de poder defender todas as praças, foi obrigado a entregar ao Bounsuló os fortes de Bicholim e Alornã e ao Rei de Sundém os de Piro e Ximpém, por decisão superior. Em 1771 Pondá passou de facto ao domínio Português.
Por alvará de 15 de Janeiro de 1774 foi remodelada a administração civil, militar, política, financeira e eclesiástica na Índia portuguesa e por carta régia de 9 de Abril de 1778 foi Criado o Conselho Legislativo.
Pelo tratado de 6 de Janeiro de 1780, assinado em Poona, os maratas cederam Nagar-Aveli aos portugueses. Nagar-Aveli separava-se de Damão por uma estreita faixa de terra de cerca de 5 a 7 milhas de largura pertencente ao governo britânico. Em 1782, o Governador D. Frederico Guilherme de Sousa conquistou Bicholim pela última vez ao Bounsuló e em 1788, este fez um tratado com o Governador Francisco Meneses cedendo a província de Perném e pondo fim definitivamente às escaramuças com os portugueses. Em 1787 houve uma sublevação, conhecida como “conjuração dos Pintos”, que se abortou. Em 1799, no governo de Francisco da Veiga Cabral, os ingleses, sob o comando do Coronel William Clarck e a pretexto de ajuda contra os franceses, entraram e permaneceram em Goa até à assinatura da Paz de Amiens, mas votaram em 1802, ocuparam várias fortalezas estratégicas e retiraram-se em 1813, face às reclamações do governo português junto de Londres. Em 1812 foi extinto, pela segunda vez e definitivamente, o Tribunal do Santo Ofício. Em 1835, pela primeira vez em toda a história da Índia, foi nomeado Prefeito (correspondente a Governador) um oriundo de Goa, Bernardo Peres da Silva, médico e deputado às cortes, mas ao fim de 17 dias foi deposto pelo Governador Militar que o próprio Perfeito trouxera de Lisboa e nomeara para aquele cargo, por ser da sua confiança. Seguiu-se um período conturbado em que Goa foi governada por uma Junta Provisional enquanto Damão e Diu se mantiveram fiéis ao Prefeito, que se refugiara em Bombaim. Esta situação manteve-se até à chegada do Governador Simão Lacerda, em 1837, que acabou com a situação anárquica.
Nos princípios do sec. XIX, no Oriente continuavam apenas Goa, com as Novas conquistas anexadas, Damão, Diu, a feitoria de Surrate, Macau, Timor e Solor.
No governo de José Ferreira Pestana, por decreto de 20 de Setembro de 1844, Macau, Timor e Solor deixaram de estar sob a jurisdição do governo do Estado da Índia, para terem um Governador-Geral residente em Macau, ficando aquele apenas com Goa, Damão e Diu.
A preocupação dos Governos passou a ser defenderem-se dos ataques e terra firme de Goa pelos ranes e bounsulé, que, atravessando as fronteiras, assolavam o território, muitas vezes com conivência das autoridades britânicas, dado que os territórios circundantes estavam já nas mãos destas. Os governantes, ocupados com a defesa dos territórios, descuraram outras medidas tendentes ao desenvolvimento. No entanto, o Governador Francisco Silva Pereira introduziu em 1842 várias reformas administrativas e militares e Panjim foi elevada a cidade, passando a denominar-se Nova Goa, em contraste com a antiga cidade dos Vice-Reis, que passou a ser conhecida como Velha Goa ou Velha Cidade, e o Governador José Ferreira Pestana deu início a um sistema de comunicações entre Nova Goa, Salcete e Bardês. No governo de António Vasconcelos Correia houve um desenvolvimento nas comunicações: em 1858 foi inaugurada a estrada de Verém – Sawantvadi, que, atravessando a fronteira Norte, comunicava com os domínios britânicos e, em 1859 foi construída a estrada que atravessava Nova Goa – Santa Cruz – S. Lourenço – Salcete – Canaconá, que dava acesso pelo Sul ao território britânico. Nesse ano, além da introdução do sistema telegráfico, foram demarcadas as fronteiras da jurisdição de Damão e Diu.
Em 2 de Maio de 1863 focaram definidas as fronteiras de Damão e Nagar-Aveli, entre os governos português e britânico.
Em 1869 foi abolida a escravatura em todas as possessões.
As relações com o governo britânico melhoraram e foram assinados, em 1874, um contrato com a British India Steam Navigation Company para a exploração dos percursos Lisboa – Goa e Lisboa – Moçambique, em 1878 um tratado luso-britânico para a ligação ferroviária Mormugão-Hubli, que começou a funcionar em 17 de Janeiro de 1887, e em 1880 uma Convenção Luso-Britânica sobre as moedas.
A feitoria que continuou após a conquista de Surrate pelos ingleses aos mongóis, em 1800, foi extinta em 1880.
Em 1894, no governo de Elesbão Lapa, deu-se a revolta dos soldados maratas, que se recusaram a embarcar para Moçambique e, desertanto, ocuparam o forte de Nanuz, em Satari, onde tiveram o apoio dos ranes e dos aldeões. Para debelar a revolta, veio o Infante D. Afonso Henriques, irmão de El-Rei D. Carlos, com o título de Vice-Rei, que pacificou e regressou.
A amnistia concedida em 9 de Setembro de 1897, a convenção com o Governo Britânico para a extradição dos criminosos e as medidas tendentes à distribuição equitativa das terras contribuíram para a pacificação do território e para o declínio das revoltas.
A partir de 1912 deixaram de haver escaramuças e ataques dos ingleses, holandeses, bounsulé e ranés. Após avanços e recuos durante séculos, fixaram-se enfim, em definitivo, as fronteiras de Goa, que confinavam ao norte com Sawantvadi, ao sul com Canará, ao oriente com a cordilheira dos Gates e ao ocidente com o Oceano Índico, e se mantiveram até ao fim. Os governantes puderam enfim respirar de alívio e debruçar-se sobre as reformas necessárias para o desenvolvimento económico do território.
Em 1923 é estabelecida a linha telegráfica Nova-Goa/Bombaim. Em 1930 aterra pela primeira vez no planalto de Mormugão o avião Marão, tripulado por Moreira Cardoso e Sarmento Pimentel, estabelecendo uma ligação aérea entre Portugal e Índia.
Em 1931, os correios estabeleceram o contacto por via rádio. Em 1931 é introduzida a electricidade em Nova-Goa. Em 1933 o Estado da Índia é considerado colónia e abrangido pela reforma Administrativa Ultramarina e Carta do Império Colonial, publicados nesse ano, o que provocou grande descontentamento.
d) Fim do Império
A 15 de Agosto de 1947 a Grã-Bretanha concedeu a independência aos territórios sob o seu domínio, conhecidos por Índia Inglesa ou Britânica, mas dividindo-o em duas partes, a Índia e o Paquistão. A primeira com predominância hindu e a segunda muçulmana, o que veio a aprofundar mais a rivalidade existente entre os seguidores das duas religiões.
Essa independência veio abalar a estabilidade portuguesa na Índia.
Não obstante a resposta de Gandhi a 11 de Agosto do mesmo ano, tranquilizando o Governador Ferreira Bossa, pelo conteúdo da sua carta quanto ao futuro das possessões portuguesas na Índia, Nehru afirmou logo no final de uma conferência que a União Indiana dava todo o apoio ao povo de Goa para este conseguir a sua libertação, acrescentando que Goa “era um cravo, na face da Índia, que tinha que ser removido”.
Em 30 de Janeiro de 1948 é assassinado Gandhi, o pai da nação indiana, o grande pacifista, com uma personalidade vincada, que conseguiu, com muito sacrifício e principalmente com a sua doutrina de não-violência, a independência daquela que foi a Índia Inglesa ou Britânica.
Em Maio do mesmo ano, o Dr. António Bruto da Costa, de Margão, Goa, defensor de uma autonomia administrativa do Estado da Índia, escreveu a Salazar nesse sentido e condenou os aspectos negativos da política ultramarina, com consequências imprevisíveis para o futuro do estado.
Nova Delhi começou a pressionar para a extinção do Padroado Português e Nehru voltou a afirmar que “Goa faz parte da União Indiana e deve ser integrada nela”. Em Fevereiro de 1950 solicitou ao governo português negociações sobre o futuro das colónias na Índia, mas este foi intransigente.
Em 1951 começaram as primeiras infiltrações dos elementos vindos da União Indiana. Em 1953 Santa Sé delimita a esfera de acção do Padroado Português no Oriente aos territórios do Estado da Índia, e em 27 de Junho desse ano a Lei Orgânica do Ultramar determina que as possessões no ultramar passam a ser Províncias Ultramarinas que, em conjunto com a Metrópole, constituem um todo. Nesse mesmo ano, o governo da Índia retira o seu diplomata, impõe bloqueio económico e dificulta a circulação de pessoas e funcionários públicos no seu território, o que faz deteriorar cada vez mais as relações entre os dois governos. O citado bloqueio contribui para o despertar do desenvolvimento económico do Estado Português da Índia, além da ligação aérea Goa – Lisboa pelos Transportes Aéreos da Índia Portuguesa – TAIP.
Em 1954 os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli são isolados de contacto com Damão e ocupados militarmente pela União Indiana, resultando daí que o chefe da polícia de Dadrá, Aniceto do Rosário, natural de Damão, ferido gravemente em combate, enrolou-se na bandeira portuguesa e morreu. A reclamação do Presidente do Conselho de Portugal, Oliveira Salazar, não produziu efeito junto das autoridades indianas, mas o Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, por sentença de 12 de Abril de 1960, reconheceu a soberania portuguesa sobre os dois territórios ocupados e o direito da passagem de Damão para os dois enclaves.
Os acontecimentos começaram a precipitar-se com violações das fronteiras, assaltos, atentados, manifestações da rua e o aperto do bloqueio aos territórios de Goa, Damão e Diu, com consequentes repressões por parte das autoridades portuguesas. A 4 de Dezembro de 1958 tomou posse o Governador-Geral Manuel Vassalo e Silva. Este, paralelamente ao esforço para dominar a situação, começou a desenvolver a sua actividade em prol do desenvolvimento, rasgando estradas, construindo pontes, abrindo escolas e investindo em vários outros melhoramentos, mas não conseguiu ir muito além, porque o clima de tensão adensou-se cada vez mais, encorajado com a pretensão do Primeiro-Ministro indiano Nehru, de os portugueses abandonarem o Estado da Índia.
Em 1961 a situação é bastante tensa com o corte de relações e a União Indiana a mostrar-se decidida a resolver o conflito pelas armas. Assim, na madrugada de 18 de Dezembro de 1961, as forças indianas penetraram em direcção à capital, com quarenta e cinco mil homens secundados pela aviação que entrava em acção quando os primeiros encontravam resistência e no mar uma esquadra fechava o cerco. A defesa dos territórios de Goa, Damão e Diu resumia-se ao exército com três mil e quinhentos homens, à marinha, com o aviso de 1.ªaclasse “Afonso de Albuquerque”, e três pequenas lanchas de fiscalização, e à força aérea, sem qualquer avião, uma vez que o chefe do governo português, Salazar, estava convencido de que Nehru, devido à sua política de pacifismo, nunca tomaria Goa pela força das armas, mas a sua convicção traiu-o.
Às sete horas foram bombardeados pela aviação os pontos estratégicos: as pistas do aeroporto de Dambolim e a Emissora de Goa em Bambolim, cortando as vias de comunicação aérea e rádio. O aeroporto foi novamente bombardeado às 7:30 e às 11:30. Ao meio dia, o aviso “Afonso de Albuquerque” avançou e travou uma batalha naval com a esquadra indiana que cercava a faixa costeira, mas ao fim de algum tempo ficou fora de combate, com o seu comandante varado por um estilhaço de granada, depois de ter atingido um dos barcos inimigos.
Na verdade, Afonso de Albuquerque em pessoa conquistou Goa em 1510 e agora era o navio de guerra com o nome desse capitão, que, honrando o nome a bandeira que ostentava, defendia heroicamente e até à exaustão o que ali conquistara. Com as forças indianas, após a queda da capital, Panjim, a fecharem o cerco ao último reduto, para onde se retirara o Governador Vassalo e Silva, que, devido à desproporção tremenda das forças, cercado por terra, mar e ar, se rendeu no dia 19, pelas 14 horas, para evitar um holocausto.
O general Ghaudhury, das forças indianas, deslocou-se pessoalmente ao hospital para felicitar o comandante do aviso, Capitão-de-mar-e-guerra, António da Cunha Aragão, pela sua bravura ao enfrentar os vasos de guerra indianos, e a Mormugão para cumprimentar e felicitar o General Vassalo e silva pela actuação das forças portuguesas, em Bicholim, Mapuça, Damão e Diu, não obstante os fracos meios que possuíam. Os militares ficaram prisioneiros e só em fins de Maio foram repatriados.
A perda desta preciosa jóia da coroa portuguesa, um rude golpe para Portugal, foi o início do desabar do resto do Império, que aos poucos e poucos se desfez, face à descolonização a partir de 1976, continuando apenas Macau, que em 1999 passa para a soberania chinesa.
No rincão tão querido do grande Albuquerque, a menina dos seus olhos, após quatro séculos e meio, deixou de flutuar a bandeira verde-rubra. Portugal regressou angustiado, mas deixou amizade e legou para a posteridade a sã convivência entre as três religiões – cristã, hindu e maometana – e ainda a cultura indi-portuguesa, resultante do convívio multi-secular, um misto de oriental e ocidental, profundamente enraizado nos hábitos, usos, costumes e tradições do pacífico, afável e hospitaleiro povo que constituiu o ESTADO PORTUGUÊS DA ÍNDIA, conhecido em outros tempos por ÍNDIA.
Essa independência veio abalar a estabilidade portuguesa na Índia.
Não obstante a resposta de Gandhi a 11 de Agosto do mesmo ano, tranquilizando o Governador Ferreira Bossa, pelo conteúdo da sua carta quanto ao futuro das possessões portuguesas na Índia, Nehru afirmou logo no final de uma conferência que a União Indiana dava todo o apoio ao povo de Goa para este conseguir a sua libertação, acrescentando que Goa “era um cravo, na face da Índia, que tinha que ser removido”.
Em 30 de Janeiro de 1948 é assassinado Gandhi, o pai da nação indiana, o grande pacifista, com uma personalidade vincada, que conseguiu, com muito sacrifício e principalmente com a sua doutrina de não-violência, a independência daquela que foi a Índia Inglesa ou Britânica.
Em Maio do mesmo ano, o Dr. António Bruto da Costa, de Margão, Goa, defensor de uma autonomia administrativa do Estado da Índia, escreveu a Salazar nesse sentido e condenou os aspectos negativos da política ultramarina, com consequências imprevisíveis para o futuro do estado.
Nova Delhi começou a pressionar para a extinção do Padroado Português e Nehru voltou a afirmar que “Goa faz parte da União Indiana e deve ser integrada nela”. Em Fevereiro de 1950 solicitou ao governo português negociações sobre o futuro das colónias na Índia, mas este foi intransigente.
Em 1951 começaram as primeiras infiltrações dos elementos vindos da União Indiana. Em 1953 Santa Sé delimita a esfera de acção do Padroado Português no Oriente aos territórios do Estado da Índia, e em 27 de Junho desse ano a Lei Orgânica do Ultramar determina que as possessões no ultramar passam a ser Províncias Ultramarinas que, em conjunto com a Metrópole, constituem um todo. Nesse mesmo ano, o governo da Índia retira o seu diplomata, impõe bloqueio económico e dificulta a circulação de pessoas e funcionários públicos no seu território, o que faz deteriorar cada vez mais as relações entre os dois governos. O citado bloqueio contribui para o despertar do desenvolvimento económico do Estado Português da Índia, além da ligação aérea Goa – Lisboa pelos Transportes Aéreos da Índia Portuguesa – TAIP.
Em 1954 os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli são isolados de contacto com Damão e ocupados militarmente pela União Indiana, resultando daí que o chefe da polícia de Dadrá, Aniceto do Rosário, natural de Damão, ferido gravemente em combate, enrolou-se na bandeira portuguesa e morreu. A reclamação do Presidente do Conselho de Portugal, Oliveira Salazar, não produziu efeito junto das autoridades indianas, mas o Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, por sentença de 12 de Abril de 1960, reconheceu a soberania portuguesa sobre os dois territórios ocupados e o direito da passagem de Damão para os dois enclaves.
Os acontecimentos começaram a precipitar-se com violações das fronteiras, assaltos, atentados, manifestações da rua e o aperto do bloqueio aos territórios de Goa, Damão e Diu, com consequentes repressões por parte das autoridades portuguesas. A 4 de Dezembro de 1958 tomou posse o Governador-Geral Manuel Vassalo e Silva. Este, paralelamente ao esforço para dominar a situação, começou a desenvolver a sua actividade em prol do desenvolvimento, rasgando estradas, construindo pontes, abrindo escolas e investindo em vários outros melhoramentos, mas não conseguiu ir muito além, porque o clima de tensão adensou-se cada vez mais, encorajado com a pretensão do Primeiro-Ministro indiano Nehru, de os portugueses abandonarem o Estado da Índia.
Em 1961 a situação é bastante tensa com o corte de relações e a União Indiana a mostrar-se decidida a resolver o conflito pelas armas. Assim, na madrugada de 18 de Dezembro de 1961, as forças indianas penetraram em direcção à capital, com quarenta e cinco mil homens secundados pela aviação que entrava em acção quando os primeiros encontravam resistência e no mar uma esquadra fechava o cerco. A defesa dos territórios de Goa, Damão e Diu resumia-se ao exército com três mil e quinhentos homens, à marinha, com o aviso de 1.ªaclasse “Afonso de Albuquerque”, e três pequenas lanchas de fiscalização, e à força aérea, sem qualquer avião, uma vez que o chefe do governo português, Salazar, estava convencido de que Nehru, devido à sua política de pacifismo, nunca tomaria Goa pela força das armas, mas a sua convicção traiu-o.
Às sete horas foram bombardeados pela aviação os pontos estratégicos: as pistas do aeroporto de Dambolim e a Emissora de Goa em Bambolim, cortando as vias de comunicação aérea e rádio. O aeroporto foi novamente bombardeado às 7:30 e às 11:30. Ao meio dia, o aviso “Afonso de Albuquerque” avançou e travou uma batalha naval com a esquadra indiana que cercava a faixa costeira, mas ao fim de algum tempo ficou fora de combate, com o seu comandante varado por um estilhaço de granada, depois de ter atingido um dos barcos inimigos.
Na verdade, Afonso de Albuquerque em pessoa conquistou Goa em 1510 e agora era o navio de guerra com o nome desse capitão, que, honrando o nome a bandeira que ostentava, defendia heroicamente e até à exaustão o que ali conquistara. Com as forças indianas, após a queda da capital, Panjim, a fecharem o cerco ao último reduto, para onde se retirara o Governador Vassalo e Silva, que, devido à desproporção tremenda das forças, cercado por terra, mar e ar, se rendeu no dia 19, pelas 14 horas, para evitar um holocausto.
O general Ghaudhury, das forças indianas, deslocou-se pessoalmente ao hospital para felicitar o comandante do aviso, Capitão-de-mar-e-guerra, António da Cunha Aragão, pela sua bravura ao enfrentar os vasos de guerra indianos, e a Mormugão para cumprimentar e felicitar o General Vassalo e silva pela actuação das forças portuguesas, em Bicholim, Mapuça, Damão e Diu, não obstante os fracos meios que possuíam. Os militares ficaram prisioneiros e só em fins de Maio foram repatriados.
A perda desta preciosa jóia da coroa portuguesa, um rude golpe para Portugal, foi o início do desabar do resto do Império, que aos poucos e poucos se desfez, face à descolonização a partir de 1976, continuando apenas Macau, que em 1999 passa para a soberania chinesa.
No rincão tão querido do grande Albuquerque, a menina dos seus olhos, após quatro séculos e meio, deixou de flutuar a bandeira verde-rubra. Portugal regressou angustiado, mas deixou amizade e legou para a posteridade a sã convivência entre as três religiões – cristã, hindu e maometana – e ainda a cultura indi-portuguesa, resultante do convívio multi-secular, um misto de oriental e ocidental, profundamente enraizado nos hábitos, usos, costumes e tradições do pacífico, afável e hospitaleiro povo que constituiu o ESTADO PORTUGUÊS DA ÍNDIA, conhecido em outros tempos por ÍNDIA.
8 - AS PARTICULARIDADES DA VIDA DOS PORTUGUESES NO ORIENTE
(Nesta secção estão compilados alguns textos de proveniências variadas mas que dão uma visão clara do modo de vida dos Portugueses no Oriente. O resultado foi um texto denso. Talvez o leitor prefira imprimir as linhas que se seguem para as poder ler de forma mais confortável. Não me interessou tanto aqui acompanhar o texto com imagens, mas deixar apenas o conteúdo)
Os temas abordados são: a originalidade da expansão portuguesa; “Cristãos e especiaria”; Miscigenação; Comércio; Vasco da Gama; D. Francisco de Almeida; Afonso de Albuquerque; A população em Goa; Estagnação e contracção no Oriente (1663-1750)
Os temas abordados são: a originalidade da expansão portuguesa; “Cristãos e especiaria”; Miscigenação; Comércio; Vasco da Gama; D. Francisco de Almeida; Afonso de Albuquerque; A população em Goa; Estagnação e contracção no Oriente (1663-1750)
ORIGINALIDADE DA EXPANSÃO PORTUGUESA – ORLANDO RIBEIRO
Um mundo que se descerra
Para se avaliar o que a expansão representa de original, de inteiramente novo, novo não apenas na nossa história mas na própria História, é preciso recordar o que era o mundo de relação, pequena porção da Terra onde os homens se conheciam e que apenas estava aberta à curiosidade dos viajantes nas rotas consabidas do princípio do século XV. O Mediterrânio, o mais histórico de todos os mares, onde entravam em luta, por vezes, e por vezes em contacto fecundo, duas grandes civilizações: a cristã e a muçulmana (…).
(…) O Oceano Índico tinha relações indirectas com a Europa, frequentado como era por italianos, Levantinos e Berberiscos. Quando os portugueses lá chegaram encontraram com surpresam no litoral africano, cidades muçulmanas que de certo modo lhes recordava o seu mundo familiar da Península: Mombaça que, com os seus eirados e jardins, parecia uma cidade espanhola; Melinde, que, segundo as palavras do autor do Roteiro da viagem de Vasco da Gama “se quer parecer com Alcochete”. Em Calecute esperava-os outra surpresa: mouros que os saudavam numa algaravia de palavras italianas, espanholas e portuguesas. Mas, até essa memorável viagem, não havia outra forma de chegar à Índia ou ao litoral oriental de África, que mantinha relações constantes com ela, senão atravessando o Egipto e as plagas inóspitas do deserto. (…)
Não eram porém apenas a luta e os descobrimentos, mas a ocupação efectiva das terras que suscitavam problemas inteiramente novos. (…)
Em menos de um século, desde a conquista de Ceuta até à viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães, Portugal abrira o mundo a uma vida de relação até esse tempo completamente desconhecida na História.
(…) O Oceano Índico tinha relações indirectas com a Europa, frequentado como era por italianos, Levantinos e Berberiscos. Quando os portugueses lá chegaram encontraram com surpresam no litoral africano, cidades muçulmanas que de certo modo lhes recordava o seu mundo familiar da Península: Mombaça que, com os seus eirados e jardins, parecia uma cidade espanhola; Melinde, que, segundo as palavras do autor do Roteiro da viagem de Vasco da Gama “se quer parecer com Alcochete”. Em Calecute esperava-os outra surpresa: mouros que os saudavam numa algaravia de palavras italianas, espanholas e portuguesas. Mas, até essa memorável viagem, não havia outra forma de chegar à Índia ou ao litoral oriental de África, que mantinha relações constantes com ela, senão atravessando o Egipto e as plagas inóspitas do deserto. (…)
Não eram porém apenas a luta e os descobrimentos, mas a ocupação efectiva das terras que suscitavam problemas inteiramente novos. (…)
Em menos de um século, desde a conquista de Ceuta até à viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães, Portugal abrira o mundo a uma vida de relação até esse tempo completamente desconhecida na História.
“Cristãos e especiaria”
Como se fez a expansão portuguesa? É preciso considerar que, no momento culminante dos descobrimentos e conquistas, a população da metrópole não alcançava milhão e meio de habitantes. Portanto, para aumentar estes homens que se gastavam por tantos lugares, era necessário encontrar uma solução: multiplica-los. Os processos de multiplicação foram dois: a assimilação e a mestiçagem. A base da assimilação era aquele elemento que ao tempo constituía certamente o símbolo mais vivo duma civilização – a religião. Em toda a parte onde os portugueses chegaram, as suas ambições evangelizadoras foram amplas, o seu proselitismo foi ardente. Em toda a parte esse proselitismo fez conversões, os homens que foram integrados pelo caminho da religião na civilização nova, fossem eles de qualquer raça, fossem eles de qualquer cor, eram iguais aos Portugueses que lhes tinham aberto este caminho. (…)
Quando Vasco da Gama largou em Calecute, para estabelecer o primeiro contacto com a terra, um dos degredados que levava a bordo das naus, e a quem se confiavam as missões mais arriscadas, este ficou surpreendido por ter encontrado um mouro que lhe falava meio em português, meio em espanhol, e lhe perguntou quem eram, de onde vinham o que vieram fazer tão longe. E este homem simples, este colaborador obscuro de quem nunca saberemos o nome, respondeu realmente por toda a armada: “Viemos levar cristãos e especiaria.”. Era o objectivo comercial, mas era também o objectivo religioso. Quando D. Manuel mandou preparar a armada seguinte, entre as instruções minuciosas que deu a Pedro Álvares Cabral para a sua acção na Índia figurava a cristianização. A frota compunha-se de treze velas, a maior que até então se armara, e ia provida de armas materiais, mas ia provida também de armas espirituais, alguns frades franciscanos e alguns curas, a quem se recomendava que admoestassem as populações, fizessem ver o erro em que viviam os Mouros, os heréticos e os gentios, e se a admoestação não chegasse, então – palavras textuais do cronista – “lhe fizessem ferro e fogo e lhe fizessem crua guerra.”. Compreendia-se assim neste tempo a evangelização. Os que a levavam a cabo eram homens duros, que se sentiam obrigados a fazer partilhar a outros homens a única doutrina de salvação em que profundamente acreditavam. (…)
Quando Vasco da Gama largou em Calecute, para estabelecer o primeiro contacto com a terra, um dos degredados que levava a bordo das naus, e a quem se confiavam as missões mais arriscadas, este ficou surpreendido por ter encontrado um mouro que lhe falava meio em português, meio em espanhol, e lhe perguntou quem eram, de onde vinham o que vieram fazer tão longe. E este homem simples, este colaborador obscuro de quem nunca saberemos o nome, respondeu realmente por toda a armada: “Viemos levar cristãos e especiaria.”. Era o objectivo comercial, mas era também o objectivo religioso. Quando D. Manuel mandou preparar a armada seguinte, entre as instruções minuciosas que deu a Pedro Álvares Cabral para a sua acção na Índia figurava a cristianização. A frota compunha-se de treze velas, a maior que até então se armara, e ia provida de armas materiais, mas ia provida também de armas espirituais, alguns frades franciscanos e alguns curas, a quem se recomendava que admoestassem as populações, fizessem ver o erro em que viviam os Mouros, os heréticos e os gentios, e se a admoestação não chegasse, então – palavras textuais do cronista – “lhe fizessem ferro e fogo e lhe fizessem crua guerra.”. Compreendia-se assim neste tempo a evangelização. Os que a levavam a cabo eram homens duros, que se sentiam obrigados a fazer partilhar a outros homens a única doutrina de salvação em que profundamente acreditavam. (…)
Miscigenação
(…) As determinações régias (vão) no sentido de que os homens, na Índia, se não demandem, mas tomem por legítimas esposas as mulheres da terra; os esforços de Afonso de Albuquerque (são) para constituir em Goa uma população verdadeiramente mestiçada, uma população luso-indiana; os conselhos de pensadores, como o célebre doutor André de Gouveia, escrevendo a D. João III que, se mais cedo tivesse mandado homens par ao Brasil, eles certamente se agradariam com as mulheres de lá, e teríamos então uma população mais numerosa e com ela se poderia garantir o êxito na luta contra os primeiros ataques dos corsários franceses.
Estes mestiços, ao contrário do que sucedeu em outras nações europeias, não constituíram nunca uma população marginal e desprezível. Pelo contrário, eles tiveram acesso a todas as situações , a todas as honras, e são muitas vezes os mais fiéis, os mais representativos defensores dos interesses portugueses. Lembremos que o maior prosador da nossa História, o Padre António Vieira, não era homem de sangue limpo: era um jesuíta moreno, porque lhe corria nas veias o sangue de uma avó mulata. (…)
Estes mestiços, ao contrário do que sucedeu em outras nações europeias, não constituíram nunca uma população marginal e desprezível. Pelo contrário, eles tiveram acesso a todas as situações , a todas as honras, e são muitas vezes os mais fiéis, os mais representativos defensores dos interesses portugueses. Lembremos que o maior prosador da nossa História, o Padre António Vieira, não era homem de sangue limpo: era um jesuíta moreno, porque lhe corria nas veias o sangue de uma avó mulata. (…)
Comércio
Outro elemento de maior relevo na expansão portuguesa foi o comércio. “Cristãos e especiaria”, na síntese do degredado da armada de Vasco da Gama. Cristianizar e negociar eram assim, mesmo para os mais humildes colaboradores dessa obra, dois objectivos essenciais. Já vimos que meios se usaram para obter o primeiro. Para alcançarmos o segundo procuraram os portugueses difundir certo número de produtos, começando por introduzir, por exemplo, o açúcar e o vinho em todas as ilhas do Oceano Atlântico, mesmo naquelas onde dificilmente este se podia aclimatar. Introduziram ainda o algodão em Cabo Verde, nos Açores, na Madeira, no Nordeste do Brasil; introduziram o pastel, um produto de grande importância, usado em tinturaria, nos Açores, e sobretudo negociaram com a pimenta e outras especiarias do Oriente e com o ouro da Guiné, Monomotapa e de Minas. Se em qualquer vila ou cidade portuguesa, por mais modesta que seja, é raro não se encontrar uma igreja ou um palácio manuelino ou barroco (do tempo de D. João V), se o desenvolvimento das nossas povoações principais está marcado por estas duas épocas de apogeu económico, foram as especiarias do Oriente que sustentaram a primeira, foi o ouro de Minas que sustentou a segunda.
Vasco da Gama
Vasco da Gama partiu de Lisboa com três navios e um barco de mantimentos em Julho de 1497. Fez escala na ilha de Santiago, em Cabo Verde, e daí navegou directamente para o sul, no que viria a ser a mais longa viagem distante de terra até então empreendida. Virou a sudoeste para evitar as calmarias do Golfo da Guiné, depois a sueste para alcançar novamente a costa africana. Passados noventa dias sem avistar terra, aportou à Baía de Santa Helena, na África do Sul de hoje (Novembro de 1497). Passou o Cabo da Boa Esperança com certa dificuldade, causada pelo tempo. Depois de ultrapassar o limite das navegações de Bartolomeu Dias, a expedição iniciou as suas descobertas próprias: Natal, no dia 25 de Dezembro, o rio Zambeze, um mês mais tarde, a Ilha de Moçambique, em começos de Março. Estava-se em terra já muçulmana e havia pilotos disponíveis. A frota atingiu Mombaça, na actual Quénia, depois Melinde, um pouco a norte (Abril de 1498), onde se puderam estabelecer relações amigáveis e obter um piloto árabe famoso (Ahmad Ibn Majid) que levou os barcos até à Índia. Empurrada pela monção de sudoeste, a frota estava à vista da Índia em 18 de Maio. O desembarque realizou-se quatro dias mais tarde. Chegara a bom termo o grande feito.
Depois de três meses de negociações, com alternativas de amizade e de hostilidade aberta, Vasco da Gama iniciou o caminho de regresso, trazendo os navios carregados de especiarias e de outras mercadorias de preço. Largando aos 29 de Agosto, chegou a Lisboa, depois de grandes dificuldades e de ter perdido um navio, nos finais do Verão de 1499. A viagem durara, ao todo, mais de dois anos, mas os resultados eram espectaculares e promissores.
(…) Os portugueses tinham chegado à Índia com o objectivo de conseguir especiarias e outra mercadoria lucrativa. Apresentavam-se também como cruzados em luta permanente contra o Islão. Depressa se deram conta de que, para obter o controlo das fontes de especiarias e do comércio no Oceano Índico, precisavam de destruir a rede antiquíssima dos mercadores e das feitorias muçulmanas. Para mais, vinham achar o islamismo como uma das principais religiões da costa asiática. Nestes termos, especiarias e guerra santa tinham que estar sempre juntas, e quaisquer finalidades pacíficas que a princípio tivessem, cedo haveriam de se converter em política de agressão estratégica, destruição radical e conquista final.
De 1498 a 1505, os portugueses limitaram-se ao cômputo do que tinham a fazer. Conseguiram obter licença de alguns rajás locais para estabelecer feitorias em Cochim, Cananor, Coulão, na costa ocidental da Índia, e em S. Tomé de Meliapor, na costa oriental. Contudo, a política de violência começara desde logo. Intrigas locais, onde os muçulmanos desempenhavam sempre papel de relevo, somadas à inevitável desconfiança e falta de tacto dos portugueses, levaram Vasco da Gama a bombardear Calecute (1498) e a regressar à Europa já como inimigo. Por razões idênticas (apesar de um suspicioso começo), a frota de Pedro Álvares Cabral repetiu a façanha em 1500. A cidade seria bombardeada de novo em 1503 e 1504, até que um tratado lhe foi imposto pela superioridade das armas ocidentais.
Depois de três meses de negociações, com alternativas de amizade e de hostilidade aberta, Vasco da Gama iniciou o caminho de regresso, trazendo os navios carregados de especiarias e de outras mercadorias de preço. Largando aos 29 de Agosto, chegou a Lisboa, depois de grandes dificuldades e de ter perdido um navio, nos finais do Verão de 1499. A viagem durara, ao todo, mais de dois anos, mas os resultados eram espectaculares e promissores.
(…) Os portugueses tinham chegado à Índia com o objectivo de conseguir especiarias e outra mercadoria lucrativa. Apresentavam-se também como cruzados em luta permanente contra o Islão. Depressa se deram conta de que, para obter o controlo das fontes de especiarias e do comércio no Oceano Índico, precisavam de destruir a rede antiquíssima dos mercadores e das feitorias muçulmanas. Para mais, vinham achar o islamismo como uma das principais religiões da costa asiática. Nestes termos, especiarias e guerra santa tinham que estar sempre juntas, e quaisquer finalidades pacíficas que a princípio tivessem, cedo haveriam de se converter em política de agressão estratégica, destruição radical e conquista final.
De 1498 a 1505, os portugueses limitaram-se ao cômputo do que tinham a fazer. Conseguiram obter licença de alguns rajás locais para estabelecer feitorias em Cochim, Cananor, Coulão, na costa ocidental da Índia, e em S. Tomé de Meliapor, na costa oriental. Contudo, a política de violência começara desde logo. Intrigas locais, onde os muçulmanos desempenhavam sempre papel de relevo, somadas à inevitável desconfiança e falta de tacto dos portugueses, levaram Vasco da Gama a bombardear Calecute (1498) e a regressar à Europa já como inimigo. Por razões idênticas (apesar de um suspicioso começo), a frota de Pedro Álvares Cabral repetiu a façanha em 1500. A cidade seria bombardeada de novo em 1503 e 1504, até que um tratado lhe foi imposto pela superioridade das armas ocidentais.
D. Francisco de Almeida
Enviado por D. Manuel com a categoria de Vice-Rei, D. Francisco de Almeida chegou à Índia em 1505 com um programa definido de acção política. As instruções que levava incluíam a construção de diversas fortalezas em pontos estratégicos chave (de preferência em ilhas perto da costa), acrescidas de competente guarnição e o estabelecimento continuado de uma esquadra no Oceano Índico. Devia ainda impor o monopólio português no comércio à distância e estabelecer um regime de licenças pagas (cartazes) sobre todos os navios mercantes que não fossem portugueses. Através da violência e de atitudes belicosas, o Vice-Rei teria de lembrar a todos e por toda a parte a presença do poderio dos portugueses. Contudo, D. Francisco de Almeida recebera também instruções para sistematicamente procurar e efectivar alianças políticas e militares com os príncipes indígenas, mesmo que muçulmanos. Bem cônscios da sua impossibilidade física de conquista território, e em boa verdade pouco interessados em construir impérios políticos tão longe da Europa, os portugueses pretendiam apenas um domínio do mar eficaz, aliado a uma hegemonia política na forma de áreas de influência.
Tais objectivos foram geralmente alcançados, embora à custa de tremendas dificuldades e de um quase permanente estado de guerra. Até começos do século XVII, o Oceano Índico tornou-se, na prática, um mar português. As inevitáveis falhas e pontos fracos que a sua extensão implicava, corresponderam todavia, e regularmente, vitórias estrondosas e poucas derrotas de somenos importância.
Tais objectivos foram geralmente alcançados, embora à custa de tremendas dificuldades e de um quase permanente estado de guerra. Até começos do século XVII, o Oceano Índico tornou-se, na prática, um mar português. As inevitáveis falhas e pontos fracos que a sua extensão implicava, corresponderam todavia, e regularmente, vitórias estrondosas e poucas derrotas de somenos importância.
D. Afonso de Albuquerque
D. Francisco de Almeida (1505-1509) fez construir fortalezas em Quiloa, Sofala e Moçambique, todas na costa africana; em Angediva, Cananor e Cochim, na parte Ocidental da Índia, e em Socotorá, ao largo da península arábica, à entrada do Mar Vermelho. Além disso, atacou e deixou em ruínas bom número de cidades hostis, matando e capturando centenas de pessoas. Cedeu o cargo ao Governador-Geral Afonso de Albuquerque (1509-1515), que lhe continuou a política. Todavia, conhecendo já melhor as terras e as gentes (estavs na Índia desde 1506 e fora aí uma primeira vez em 1503: chefiava uma expedição à Arábia e superintendera na construção da fortaleza de Socotorá), sabendo utilizar com maior ousadia as forças militares de que dispunha, e possuindo um génio estratégico muito superior, Afonso de Albuquerque foi não só o “verdadeiro fundador do Império Português na Ásia mas também a melhor garantia da sua permanência. Em pouco mais de seis anos, ancorara os portugueses no Oceano Índico oriental pela conquista de Malaca (1511), controlando assim todo o tráfego marítimo com o Pacífico; impusera a autoridade e a suserania portuguesas sobre Ormuz, dominando o Golfo Pérsico (1507 e 1515); e estabelecera uma base territorial para a sede da administração portuguesa, pela conquista de Goa (1510). Diversos chefes locais prestaram-lhe vassalagem e pagaram-lhe tributo. Construíram-se mais fortalezas e estabeleceram-se novas feitorias. Guerra e destruição devastaram grande número de cidades marítimas, impondo por toda a parte a autoridade de Portugal. Aclamado por alguns como um novo Alexandre, conseguiu sobretudo fazer dos portugueses os sucessores viáveis dos muçulmanos e lembrar aos povos da Ásia costeira a presença portuguesa como de poderosos senhores. Falhou apenas na Arábia onde, apesar de bombardeamentos e destruições, não conseguiu conquistar Aden, resolvendo até abandonar e desmantelar a fortaleza de Socotorá (1511).
Os sucessores de Albuquerque foram em regra menos famosos e têm sido mais criticados pelos seus fracassos, crueldades e sinais de corrupção. Contudo, a fortuna dos portugueses estava longe de declinar, antes se expandia e aumentava até meados do século XVI. Colombo, em Ceilão, foi conquistada em 1518, tornando-se a ilha uma das pedras angulares do sistema português. Edificaram-se outras fortalezas em Chaul, nas ilhas Maldivas, em Pacém (Samatra), em Ternate (nas Molucas), em Chale, etc… Diu, Damão e Baçaim, todas na Índia, converteram-se em autênticas cidades portuguesas, tal como Goa, que nunca cessou de crescer até aos começos do século XVII. Na China, finalmente, os portugueses obtiveram Macau (1557) numa espécie de arrendamento perpétuo, ao mesmo tempo que se fixavam em colónias de mercadores por várias outras cidades chinesas.
Os sucessores de Albuquerque foram em regra menos famosos e têm sido mais criticados pelos seus fracassos, crueldades e sinais de corrupção. Contudo, a fortuna dos portugueses estava longe de declinar, antes se expandia e aumentava até meados do século XVI. Colombo, em Ceilão, foi conquistada em 1518, tornando-se a ilha uma das pedras angulares do sistema português. Edificaram-se outras fortalezas em Chaul, nas ilhas Maldivas, em Pacém (Samatra), em Ternate (nas Molucas), em Chale, etc… Diu, Damão e Baçaim, todas na Índia, converteram-se em autênticas cidades portuguesas, tal como Goa, que nunca cessou de crescer até aos começos do século XVII. Na China, finalmente, os portugueses obtiveram Macau (1557) numa espécie de arrendamento perpétuo, ao mesmo tempo que se fixavam em colónias de mercadores por várias outras cidades chinesas.
OLIVEIRA MARQUES – HISTÓRIA DE PORTUGAL
Na Índia, colonização significou pouco mais do que fortalecer e perpetuar os pontos chave do monopólio comercial. A ideia de conquistar a Índia ou qualquer outra grande região da Ásia foi completamente estranha aos dirigentes portugueses. Assim, a política do governador Afonso de Albuquerque de converter Goa numa cidade europeia e de promover casamentos mistos de portugueses e hindus (de acordo com planos da Coroa)visava apenas fortalecer a posição da cidade como capital de um império de comércio. Algures, Albuquerque limitou-se a continuar a política do seu predecessor – ou seja, as instruções régias que ambos eram obrigados a seguir – de espalhar baluartes em pontos estratégicos em todo o Oceano Índico, escudando-os com esquadras permanentes, como meio de controlar o tráfico e proteger as feitorias.
Goa
Os casamentos mistos em Goa começaram por 1509. Cada casal recebia um importante subsídio ou dote em dinheiro, o que rapidamente fez aumentar o número de consórcios. Em três ou quatro anos, mais de quinhentos casamentos se haviam efectuado, a sua maioria em Goa, mas uns quantos também em Cananor e Cochim. Os noivos eram, em geral, artífices e soldados jovens, com meia dúzia de nobres, também, enquanto as mulheres pertenciam às castas mais altas hindus. Este facto irritou, naturalmente, os goeses, que encaravam as uniões com desprezo e só relutantemente ou à força davam o seu consentimento. Mais tarde, aboliram-se os subsídios e a política casamenteira afrouxou, mas já quando estava a surgir uma casta de mestiços devotados a Portugal e contribuindo para fazer a sua presença em Goa várias vezes centenária.
A administração de Goa seguiu o exemplo de Lisboa. Criou-se um município com a sua câmara, vereadores, juízes e procuradores, dez pessoas ao todo, provavelmente eleitos entre os colonos residentes. O capitão de Goa – correspondente ao alcaide nas cidades de Portugal – tinha o direito e o dever de assistir às reuniões da câmara. O foral concedido por Albuquerque foi confirmado pelo rei em 1516 e objecto, depois de sucessivas renovações e confirmações.
A cidade cresceu em área e população. O plano indígena primitivo sofreu grandes mudanças, aproximando-se pouco a pouco do modelo ideal das cidades renascentistas. Edificaram-se novos e opulentos edifícios, onde viviam o governador, a alta burocracia e os ricos mercadores. Erigiam-se também algumas igrejas monumentais. Goa passou a sede de bispado em 1534, com jurisdição sobre a Ásia e a costa oriental africana. Em 1524 podiam contar-se na cidade um mínimo de 450 fogos de portugueses (umas 2500 pessoas). Em 1.540 havia já cerca de 1800 fogos de europeus ou descendentes de europeus, ou seja, umas 10.000 pessoas, sem contar com os hindus, os muçulmanos e os escravos, o que elevava aquele número a três ou quatro vezes mais.
A alta taxa de mortalidade entre os europeus era constantemente compensada por novas e crescentes chegadas de Portugal. Goa tornou-se bem depressa uma das principais metrópoles portuguesas, rivalizando com a própria Lisboa.
Algures, os padrões tendiam a ser semelhantes. Onde quer que os portugueses conquistassem uma cidade, e dela desposassem os senhores locais, tentavam europeizá-la e convertê-la numa réplica dos lugares que conheciam na pátria. Estimulavam igualmente uma política de miscigenação, tendente a um surto rápidos de habitantes e a uma presença portuguesa permanente e forte. À maneria dos Fenícios e dos Gregos da Antiguidade, interessava-lhes mais tecer uma vasta rede de colónias urbanas, espalhadas ao longo da costa, do que conquistar impérios territoriais.
A administração de Goa seguiu o exemplo de Lisboa. Criou-se um município com a sua câmara, vereadores, juízes e procuradores, dez pessoas ao todo, provavelmente eleitos entre os colonos residentes. O capitão de Goa – correspondente ao alcaide nas cidades de Portugal – tinha o direito e o dever de assistir às reuniões da câmara. O foral concedido por Albuquerque foi confirmado pelo rei em 1516 e objecto, depois de sucessivas renovações e confirmações.
A cidade cresceu em área e população. O plano indígena primitivo sofreu grandes mudanças, aproximando-se pouco a pouco do modelo ideal das cidades renascentistas. Edificaram-se novos e opulentos edifícios, onde viviam o governador, a alta burocracia e os ricos mercadores. Erigiam-se também algumas igrejas monumentais. Goa passou a sede de bispado em 1534, com jurisdição sobre a Ásia e a costa oriental africana. Em 1524 podiam contar-se na cidade um mínimo de 450 fogos de portugueses (umas 2500 pessoas). Em 1.540 havia já cerca de 1800 fogos de europeus ou descendentes de europeus, ou seja, umas 10.000 pessoas, sem contar com os hindus, os muçulmanos e os escravos, o que elevava aquele número a três ou quatro vezes mais.
A alta taxa de mortalidade entre os europeus era constantemente compensada por novas e crescentes chegadas de Portugal. Goa tornou-se bem depressa uma das principais metrópoles portuguesas, rivalizando com a própria Lisboa.
Algures, os padrões tendiam a ser semelhantes. Onde quer que os portugueses conquistassem uma cidade, e dela desposassem os senhores locais, tentavam europeizá-la e convertê-la numa réplica dos lugares que conheciam na pátria. Estimulavam igualmente uma política de miscigenação, tendente a um surto rápidos de habitantes e a uma presença portuguesa permanente e forte. À maneria dos Fenícios e dos Gregos da Antiguidade, interessava-lhes mais tecer uma vasta rede de colónias urbanas, espalhadas ao longo da costa, do que conquistar impérios territoriais.
Administração central
O representante da Coroa portuguesa nos estabelecimentos portugueses de Sofala e Macau era o governador-geral, nomeado pelo rei por um período de três anos e raras vezes reconduzido. Cada governador novo trazia consigo três cartas seladas (numeradas 1, 2, 3) onde estavam indicados os nomes dos seus sucessores em caso de emergência. Este sistema serviu bastante bem, compensando a distância de ano e meio até Portugal e novas nomeações. Em casos de linhagem mais distinta ou de favoritismos régios, ou ainda quando as circunstâncias exigiam alguém com maior prestígio e autoridade, o governador geral passava a vice-rei com prerrogativas quase reais. De 1505 a 1550, onze governadores mas quatro vice-reis apenas (D. Francisco de Almeida, D. Vasco da Gama, D. Garcia de Noronha e D. João de Castro) governaram o Império Português oriental. Governadores e vice-reis nomeavam as autoridades locais, dirigiam as campanhas agressivas, superintendiam na política económica e ficavam responsáveis pela manutenção e cumprimento da lei.
ESTAGNAÇÃO E CONTRACÇÃO NO ORIENTE (1663-1750) - CR BOXER – “O IMPÉRIO COLONIAL PORTUGUÊS”
O Padre Manuel Godinho, um jesuíta que fez uma viagem por terra desde a Índia até Portugal, via Golfo Pérsico e Iraque, em 1663, começou a narração das suas viagens, publicadas em Lisboa dois anos mais tarde, com o seguinte lamento pelas glórias passadas e pelas misérias presentes:
“O Império ou Estado Indiano Lusitano, que anteriormente dominava a totalidade do Oriente e compreendia oito mil léguas de soberania, vinte e nove cidades capitais de província e muitas outra de menor importância, e que ditava leis a trinta e três reinos tributários, espantando todo o mundo com a sua enorme extensão, assombrosas vitórias, próspero comércio e imensas riquezas, está agora reduzido, por causa dos seus próprios pecados ou devido à inevitável decadência dos grandes impérios, a tão poucas terras e cidades que se pode muito bem duvidar de que o Estado fosse mais pequeno mesmo no princípio do que é agora no fim.”
Depois de comparar o início, crescimento, prosperidade e decadência da Índia Portuguesa com as quatro idades do Homem, o jesuíta conclui com tristeza:
“Se ainda não expirou completamente, é porque não encontrou um túmulo digno da sua anterior grandeza. Se era uma árvore, é agora um tronco; se era um edifício, é agora uma ruína; se era um homem, é agora um coto; se era um gigante, é agora um pigmeu; se era grande, não é nada agora; se era a vice-realeza da Índia, está agora reduzido a Goa, Macau, Chaul, Baçaim, Damão, Diu, Moçambique e Mombaça, com algumas outras fortalezas e locais de menor importância – em resumo, relíquias e o pouco do grande corpo desse Estado, que os nossos inimigos nos deixaram, ou como um memorial daquilo que dantes possuíramos na Ásia, ou como uma lembrança amarga do pouco que, agora, lá possuímos.”
A jeremiada do Padre Godinho foi repetida por muitos dos seus contemporâneos, incluindo o vice-rei João Nunes da Cunha, que escreveu para a Coroa em Junho de 1669: “Há muito menos portugueses em todo este Estado do que em Alhos Vedros”, uma aldeia ao sul de Lisboa que contava apenas 200 famílias. Calculando que cada família fosse constituída por cinco ou seus pessoas, , isto daria um total de menos de 1500 portugueses brancos nas colónias portuguesas que restavam de Sofala até Macau. O vice-rei devia estar a exagerar, mas não exagerava muito. A correspondência oficial entre Lisboa e Goa no século que vai de 1650 a 1750 reflecte constantemente uma preocupação pelo número insuficiente de portugueses nascidos na Europa, residentes no Oriente e pela elevada taxa de mortalidade existente entre eles nos locais pouco saudáveis como Goa e a Ilha de Moçambique. Mais particularmente a escassez permanente de mulheres brancas – havia apenas uma em Mascate em 1553, e outra em Macau, em 1636, por exemplo – foi agravada, a acreditar no que o Padre jesuíta Fernão de Queiroz escreveu em Goa em 1687, pelo facto de “Ainda hoje a gravidez das mulheres portuguesas termina quase sempre de forma fatal tanto para a mãe como para o filho”.
Escreve o cronista do Convento de Santa Mónica, em Goa:
“Se bem que os Portugueses estejam já no Oriente há quase duzentos anos e todos os anos um grande número de homens e também algumas mulheres embarquem para lá, ainda assim, com esta multidão, não aumentaram absolutamente nada, nem existe descendência directa de filhos para filhos por mais de três gerações, nem qualquer aumento natural da nossa nação que valha por mencionar.”
Aqui novamente há um tanto de exagero, porquanto havia algumas famílias brancas em Goa que podiam gabar-se de uma linha directa de descendência durante mais de três gerações. Mas eram realmente poucas e estavam espalhadas, e a esmagadora maioria era constituída por Euro-Asiáticos à segunda ou terceira geração.
Outra das razões para o fracasso dos portugueses em “aumentarem e multiplicarem-se” nas suas colónias costeiras asiáticas e africanas durante os séculos XVII e XVIII foi a extrema insalubridade de algumas das suas posições chave, especialmente a de Goa e a da ilha de Moçambique. (…)
Os arquivos do Hospital Real para os Soldados de Goa mostravam que nos primeiros 30 anos do século XVII, morreram lá 25.000 portugueses, sem contar com os homens que tinham morrido nos locais de aboletamento ou em serviço, a bordo de navios das frotas portuguesas. Se bem que faltem longas séries de estatísticas de confiança, não há razão para supor que esta perda de homens tenha experimentado qualquer declínio nos 150 anos seguintes. Nem os próprios cidadãos se encontravam em muito melhores circunstâncias, uma vez que bairros inteiros da anteriormente populosa capital ficaram desabitados e foram, na mesma altura, conquistados pela selva, apesar dos esforços feitos pelo conselho municipal para deter este catastrófico declínio. A Velha Goa foi oficialmente abandonada em 1760, tendo sido ocupado o local mais pequeno e mais saudável de Pangim, mais perto algumas milhas da foz do rio Mandovi.
Uma causa de menor importância, mas que também contribuiu para o fracasso da população branca e euro-asiática, incapaz de se reproduzir em número suficiente na Índia Portuguesa durante este período, foi o elevado número de deserções ocorrido entre os contingentes recém-chegados de recrutas inexperientes e de soldados cadastrados que constituíam uma grande percentagem da guarnição. As queixas acerca destas deserções remontam ao tempo de Afonso de Albuquerque, mas entre 1650 e 1750 atingiram um crescendo.
Em 1742 o vice-rei, D. Pedro de Almeida, Marquês de Castelo-Novo, escreveu ao Secretário de Estado em Lisboa, informando-o de que não sabia o que fazer para lutar contra a corrente de deserções. Tinha consciência de que a melhor maneira de impedir os soldados de desertarem era pagar-lhes, vesti-los e alimentá-los bem, e não exasperá-los com castigos brutais. “É este o modo como são tratados neste Estado e, no entanto, apesar de tudo, as deserções são em número tão elevado e tão frequentes que receio que em breve não tenhamos um único soldado europeu”. Entre os que ficavam em Goa, um número considerável entrava nas Ordens Religiosas, o que constituía objecto permanente de queixas na correspondência dos vice-reis e governadores com a Coroa, além de afectar adversamente a taxa de natalidade potencial. (…)
Outra das razões que ajudam a explicar a estagnação e a decadência das possessões portuguesas na Ásia e na África Oriental durante a maior parte deste período foi a “falta de justiça”, tema de queixas contínuas tanto na correspondência oficial como na não oficial durante vários séculos, em locais tão distantes como Moçambique, Goa e Macau. Gaspar Correia, durante algum tempo secretário de Afonso de Albuquerque e que passou a vida inteira no Oriente, escreveu uma eloquente denúncia da falta de justiça do seu tempo, a qual foi repetida por Diogo do Couto e por muitos outros homens honestos e íntegros nos séculos XVII e XVIII.
“A maior parte dos males é a justiça não ser feita ao povo: porque os capitães das fortalezas da Índia são indivíduos acima do povo, poderosos devido à autoridade que lhes é concedida pelo rei, e assumem eles próprios, poderes ainda maiores. Cometem acções muito vis, como o rei sabe muito bem, tais como roubos, injúrias, assassínios, violações, adultérios com mulheres casadas, viúvas, virgens, órfãs, e concubinagens públicas, praticando tais vilezas sem medo de Deus nem do Rei, sobre cristãos, muçulmanos, hindus, nativos e estrangeiros. E, tal como eles, também se comportam assim os juízes da Coroa, os magistrados, os beleguins e os funcionários do Tesouro. Nada disto aconteceria se o Rei ordenasse que um Governador da Índia fosse publicamente executado num cais de Goa, com a proclamação de que o Rei tinha ordenado que ele fosse decapitado porque não cumprira o seu dever.”.
Admitindo que exista algum exagero nas acusações de Correia, aceitando que existiam oficiais honestos e conscienciosos, ainda que poucos e espalhados, continua a ser um facto que a falta de justiça ocupou sempre um lugar proeminente na correspondência oficial entre as autoridades de Lisboa e Goa, e que não foi menor no Conselho Municipal goês. (…)
Em vista das dificuldades esmagadoras, agravadas em muitos casos por erros cometidos por eles próprios, com que os portugueses se debateram nos séculos XVII e XVIII, e tendo em conta os seus recursos demográficos e económicos relativamente exíguos, pode perguntar-se como é que conseguiram mesmo sobreviver na Ásia e na África Oriental. Nessa altura, circulavam a tostão profecias acerca da perda iminente do muito sofredor “Estado na Índia”. Definiam-no muitas vezes como estando “no seu leito de morte, com uma vela na mão”: afinal, a vela meio derretida não se apagou à força senão quando da invasão não provocada de Goa, Damão e Diu efectuada pelos indianos em 1961. Durante séculos, os portugueses têm mostrado uma notável capacidade para sobreviverem ao mau governo vindo de cima e à indisciplina vinda de baixo e, neste período particular, foram auxiliados por alguns outros factores.
Em primeiro lugar, os seus inimigos tinham geralmente dissensões entre si, por vezes ainda mais graves que as suas. Os imãs Ya´arubi, que governaram Oman de 1624 a 1738, estavam divididos em feudos e facções internas num grau quase nunca visto mesmo no desavindo mundo árabe e, durante a maior parte do tempo, viviam preocupados em lutar contra os persas ao mesmo tempo que combatiam os portugueses. Do mesmo modo, os maratas raramente apresentavam durante muito tempo uma frente unida, e tinham outros inimigos com quem lutar na retaguarda. De qualquer modo, mostravam-se provavelmente relutantes em dar o coup de grace a Goa, quando esta esteve à sua mercê em 1739, porque começavam a ficar apreensivos com o crescente poder inglês na Índia e consideravam, até certo ponto, os portugueses como uma força que poderia contrabalançar esse poder. (…)
Mas uma das razões principais por que os portugueses conseguiram conservar uma parte tão vasta do seu império Oriental, quando tiveram de competir não só com formidáveis inimigos asiáticos mas também com uma concorrência comercial intensa por parte das muito mais ricas Companhias Holandesa e Inglesa das Índias Orientais, foi a sua própria tenacidade capacidade de recuperação. “Quem teima, consegue” resume muito das vicissitudes de outro modo insuperáveis, que tiveram neste período. Desastrosas como foram muitas das suas derrotas em terra e no mar, humilhantes como foram muitas das indignidades a que foram por vezes sujeito em locais como Macau e Madrasta, os portugueses no Oriente mantiveram-se sempre orgulhosamente conscientes daquilo que consideravam o seu glorioso passado quinhentista. Estavam convencidos de que, como descendentes dos conquistadores de Afonso de Albuquerque, e vassalos do seu “poderoso” rei, eram ipso facto, muito superiores aos mercadores das companhias comerciais europeias que tinham chegado depois, por muito ricos que estes pudessem ser. Estavam igualmente convencidos da sua superioridade sobre os povos asiáticos que haviam dominado no Índico durante tanto tempo – uma convicção expressa pelo Padre Francisco de Sousa, S. J., quando referiu no seu Oriente Conquistado de 1710 o “carácter português, que naturalmente despreza todas as raças asiáticas”. Deus, sentiam os portugueses, estava ao lado deles durante o caminho, ainda que, como reconheciam com franqueza, os estivesse a castigar entretanto pelos seus pecados com a perda de Malaca, Ceilão, Malabar e Mombaça. (…)
Este orgulho (na raça portuguesa e nos seus feitos no Oriente) era partilhado por todas as posições e classes sociais em Portugal, com a excepção quase única do rei D. João IV, que uma vez confiou a um enviado francês em Lisboa que abandonaria com prazer o pesado fardo de tentar manter a Índia Portuguesa se pudesse contar numa maneira honrosa de o fazer. Mas foi o primeiro e último monarca português a fazer tal confissão e os seus sucessores não hesitaram em fazer sacrifícios consideráveis para manter o decrépito “Estado da Índia” à tona de água. O governador e conselheiro inglês em Bombaim observou em 1737, bastante correctamente: “A Coroa de Portugal tem mantido durante tanto tempo a posse dos seus territórios na Índia apenas à custa de uma despesa anual considerável; puramente, ao que parece, por um ponto de Honra e Religião”. Além disso, esta atitude era até aprovada pelos “iluminados” homens de Estado que criticavam as loucuras e estravagâncias do “Magnânimo” D. João V, mas que concordavam com ele que (nas palavras de D. Luís da Cunha, o mais experiente diplomata português desse tempo) “as conquistas são o que nos honra e sustenta”. Se Portugal contava ainda alguma coisa nos conselhos dos grandes poderes da Europa era antes de mais pela importância do seu império ultramarino; e se, em 1700, o Brasil era de longe a joia mais lucrativa da Coroa Portuguesa, a Índia ainda era a mais prestigiada. (…)
(…) Se Alexander Hamilton escarnecia da pobreza miserável dos portugueses “em toda a parte das suas colónias na Índia” no fim do século XVII, vemos o globe-trotter italiano Gemeli Careri a afirmar depois da sua visita a Damão e Goa, em 1695: “Os portugueses vivem muito bem na Índia, tanto no que diz respeito à mesa como ao vestuário e ao número de Cafres ou escravos que os servem”. Há muitas outras provas fornecidas por testemunhas oculares igualmente de confiança que apontam neste sentido. Para além dos numerosos escravos negros da África Oriental que os portugueses empregavam, dispunham também de trabalhadores livres indianos, indonésios e chineses em grande quantidade e a preços extremamente baixos. Se houve sempre, indubitavelmente (como o Padre Francisco de Sousa, S.J. escreveu em 1710), um numeroso e empobrecido proletariado em todos os redutos da Ásia portuguesa, também não faltavam ricos mercadores e prósperos capitães. “Porque pobres tens sempre contigo”, como diz o Evangelho, mas também por essa razão existem sempre os ricos.
As magníficas igrejas e fortalezas maciças de Moçambique e Macau, cujas ruínas ainda impressionam o viajante do século XX, foram quase todas construídas (ou, de qualquer modo, extensamente reconstruídas) entre 1600 e 1750, e não nos dias tranquilos do século XVI, como muitas vezes se pensa. O ouro e o marfim da África Oriental continuaram a chegar a Goa durante a primeira metade do século XVIII, ainda que o mesmo já não sucedesse com o ouro e a pimenta de Sumatra. Goa era um importante centro de comércio de diamantes em 1650-1730, mesmo talvez mais importante que Madrasta; e os navios mercantes da carreira da Índia que navegavam do Mandovi para o Tejo iam ainda quase sempre muito ricamente carregados, ainda que partissem apenas um ou dois por ano, em vez de cinco ou seis. Por volta de 1725, o centro económico do Império Ultramarino Português tinha-se deslocado de Goa “Dourada” para a cidade de São Salvador da Baía de Todos-os-Santos, no Brasil, mas a pequena nobreza ou fidalguia de Goa gabava-se ainda de ser a única nobreza de estilo e garbo “e de que, em comparação, a de Portugal é uma sombra”.
“O Império ou Estado Indiano Lusitano, que anteriormente dominava a totalidade do Oriente e compreendia oito mil léguas de soberania, vinte e nove cidades capitais de província e muitas outra de menor importância, e que ditava leis a trinta e três reinos tributários, espantando todo o mundo com a sua enorme extensão, assombrosas vitórias, próspero comércio e imensas riquezas, está agora reduzido, por causa dos seus próprios pecados ou devido à inevitável decadência dos grandes impérios, a tão poucas terras e cidades que se pode muito bem duvidar de que o Estado fosse mais pequeno mesmo no princípio do que é agora no fim.”
Depois de comparar o início, crescimento, prosperidade e decadência da Índia Portuguesa com as quatro idades do Homem, o jesuíta conclui com tristeza:
“Se ainda não expirou completamente, é porque não encontrou um túmulo digno da sua anterior grandeza. Se era uma árvore, é agora um tronco; se era um edifício, é agora uma ruína; se era um homem, é agora um coto; se era um gigante, é agora um pigmeu; se era grande, não é nada agora; se era a vice-realeza da Índia, está agora reduzido a Goa, Macau, Chaul, Baçaim, Damão, Diu, Moçambique e Mombaça, com algumas outras fortalezas e locais de menor importância – em resumo, relíquias e o pouco do grande corpo desse Estado, que os nossos inimigos nos deixaram, ou como um memorial daquilo que dantes possuíramos na Ásia, ou como uma lembrança amarga do pouco que, agora, lá possuímos.”
A jeremiada do Padre Godinho foi repetida por muitos dos seus contemporâneos, incluindo o vice-rei João Nunes da Cunha, que escreveu para a Coroa em Junho de 1669: “Há muito menos portugueses em todo este Estado do que em Alhos Vedros”, uma aldeia ao sul de Lisboa que contava apenas 200 famílias. Calculando que cada família fosse constituída por cinco ou seus pessoas, , isto daria um total de menos de 1500 portugueses brancos nas colónias portuguesas que restavam de Sofala até Macau. O vice-rei devia estar a exagerar, mas não exagerava muito. A correspondência oficial entre Lisboa e Goa no século que vai de 1650 a 1750 reflecte constantemente uma preocupação pelo número insuficiente de portugueses nascidos na Europa, residentes no Oriente e pela elevada taxa de mortalidade existente entre eles nos locais pouco saudáveis como Goa e a Ilha de Moçambique. Mais particularmente a escassez permanente de mulheres brancas – havia apenas uma em Mascate em 1553, e outra em Macau, em 1636, por exemplo – foi agravada, a acreditar no que o Padre jesuíta Fernão de Queiroz escreveu em Goa em 1687, pelo facto de “Ainda hoje a gravidez das mulheres portuguesas termina quase sempre de forma fatal tanto para a mãe como para o filho”.
Escreve o cronista do Convento de Santa Mónica, em Goa:
“Se bem que os Portugueses estejam já no Oriente há quase duzentos anos e todos os anos um grande número de homens e também algumas mulheres embarquem para lá, ainda assim, com esta multidão, não aumentaram absolutamente nada, nem existe descendência directa de filhos para filhos por mais de três gerações, nem qualquer aumento natural da nossa nação que valha por mencionar.”
Aqui novamente há um tanto de exagero, porquanto havia algumas famílias brancas em Goa que podiam gabar-se de uma linha directa de descendência durante mais de três gerações. Mas eram realmente poucas e estavam espalhadas, e a esmagadora maioria era constituída por Euro-Asiáticos à segunda ou terceira geração.
Outra das razões para o fracasso dos portugueses em “aumentarem e multiplicarem-se” nas suas colónias costeiras asiáticas e africanas durante os séculos XVII e XVIII foi a extrema insalubridade de algumas das suas posições chave, especialmente a de Goa e a da ilha de Moçambique. (…)
Os arquivos do Hospital Real para os Soldados de Goa mostravam que nos primeiros 30 anos do século XVII, morreram lá 25.000 portugueses, sem contar com os homens que tinham morrido nos locais de aboletamento ou em serviço, a bordo de navios das frotas portuguesas. Se bem que faltem longas séries de estatísticas de confiança, não há razão para supor que esta perda de homens tenha experimentado qualquer declínio nos 150 anos seguintes. Nem os próprios cidadãos se encontravam em muito melhores circunstâncias, uma vez que bairros inteiros da anteriormente populosa capital ficaram desabitados e foram, na mesma altura, conquistados pela selva, apesar dos esforços feitos pelo conselho municipal para deter este catastrófico declínio. A Velha Goa foi oficialmente abandonada em 1760, tendo sido ocupado o local mais pequeno e mais saudável de Pangim, mais perto algumas milhas da foz do rio Mandovi.
Uma causa de menor importância, mas que também contribuiu para o fracasso da população branca e euro-asiática, incapaz de se reproduzir em número suficiente na Índia Portuguesa durante este período, foi o elevado número de deserções ocorrido entre os contingentes recém-chegados de recrutas inexperientes e de soldados cadastrados que constituíam uma grande percentagem da guarnição. As queixas acerca destas deserções remontam ao tempo de Afonso de Albuquerque, mas entre 1650 e 1750 atingiram um crescendo.
Em 1742 o vice-rei, D. Pedro de Almeida, Marquês de Castelo-Novo, escreveu ao Secretário de Estado em Lisboa, informando-o de que não sabia o que fazer para lutar contra a corrente de deserções. Tinha consciência de que a melhor maneira de impedir os soldados de desertarem era pagar-lhes, vesti-los e alimentá-los bem, e não exasperá-los com castigos brutais. “É este o modo como são tratados neste Estado e, no entanto, apesar de tudo, as deserções são em número tão elevado e tão frequentes que receio que em breve não tenhamos um único soldado europeu”. Entre os que ficavam em Goa, um número considerável entrava nas Ordens Religiosas, o que constituía objecto permanente de queixas na correspondência dos vice-reis e governadores com a Coroa, além de afectar adversamente a taxa de natalidade potencial. (…)
Outra das razões que ajudam a explicar a estagnação e a decadência das possessões portuguesas na Ásia e na África Oriental durante a maior parte deste período foi a “falta de justiça”, tema de queixas contínuas tanto na correspondência oficial como na não oficial durante vários séculos, em locais tão distantes como Moçambique, Goa e Macau. Gaspar Correia, durante algum tempo secretário de Afonso de Albuquerque e que passou a vida inteira no Oriente, escreveu uma eloquente denúncia da falta de justiça do seu tempo, a qual foi repetida por Diogo do Couto e por muitos outros homens honestos e íntegros nos séculos XVII e XVIII.
“A maior parte dos males é a justiça não ser feita ao povo: porque os capitães das fortalezas da Índia são indivíduos acima do povo, poderosos devido à autoridade que lhes é concedida pelo rei, e assumem eles próprios, poderes ainda maiores. Cometem acções muito vis, como o rei sabe muito bem, tais como roubos, injúrias, assassínios, violações, adultérios com mulheres casadas, viúvas, virgens, órfãs, e concubinagens públicas, praticando tais vilezas sem medo de Deus nem do Rei, sobre cristãos, muçulmanos, hindus, nativos e estrangeiros. E, tal como eles, também se comportam assim os juízes da Coroa, os magistrados, os beleguins e os funcionários do Tesouro. Nada disto aconteceria se o Rei ordenasse que um Governador da Índia fosse publicamente executado num cais de Goa, com a proclamação de que o Rei tinha ordenado que ele fosse decapitado porque não cumprira o seu dever.”.
Admitindo que exista algum exagero nas acusações de Correia, aceitando que existiam oficiais honestos e conscienciosos, ainda que poucos e espalhados, continua a ser um facto que a falta de justiça ocupou sempre um lugar proeminente na correspondência oficial entre as autoridades de Lisboa e Goa, e que não foi menor no Conselho Municipal goês. (…)
Em vista das dificuldades esmagadoras, agravadas em muitos casos por erros cometidos por eles próprios, com que os portugueses se debateram nos séculos XVII e XVIII, e tendo em conta os seus recursos demográficos e económicos relativamente exíguos, pode perguntar-se como é que conseguiram mesmo sobreviver na Ásia e na África Oriental. Nessa altura, circulavam a tostão profecias acerca da perda iminente do muito sofredor “Estado na Índia”. Definiam-no muitas vezes como estando “no seu leito de morte, com uma vela na mão”: afinal, a vela meio derretida não se apagou à força senão quando da invasão não provocada de Goa, Damão e Diu efectuada pelos indianos em 1961. Durante séculos, os portugueses têm mostrado uma notável capacidade para sobreviverem ao mau governo vindo de cima e à indisciplina vinda de baixo e, neste período particular, foram auxiliados por alguns outros factores.
Em primeiro lugar, os seus inimigos tinham geralmente dissensões entre si, por vezes ainda mais graves que as suas. Os imãs Ya´arubi, que governaram Oman de 1624 a 1738, estavam divididos em feudos e facções internas num grau quase nunca visto mesmo no desavindo mundo árabe e, durante a maior parte do tempo, viviam preocupados em lutar contra os persas ao mesmo tempo que combatiam os portugueses. Do mesmo modo, os maratas raramente apresentavam durante muito tempo uma frente unida, e tinham outros inimigos com quem lutar na retaguarda. De qualquer modo, mostravam-se provavelmente relutantes em dar o coup de grace a Goa, quando esta esteve à sua mercê em 1739, porque começavam a ficar apreensivos com o crescente poder inglês na Índia e consideravam, até certo ponto, os portugueses como uma força que poderia contrabalançar esse poder. (…)
Mas uma das razões principais por que os portugueses conseguiram conservar uma parte tão vasta do seu império Oriental, quando tiveram de competir não só com formidáveis inimigos asiáticos mas também com uma concorrência comercial intensa por parte das muito mais ricas Companhias Holandesa e Inglesa das Índias Orientais, foi a sua própria tenacidade capacidade de recuperação. “Quem teima, consegue” resume muito das vicissitudes de outro modo insuperáveis, que tiveram neste período. Desastrosas como foram muitas das suas derrotas em terra e no mar, humilhantes como foram muitas das indignidades a que foram por vezes sujeito em locais como Macau e Madrasta, os portugueses no Oriente mantiveram-se sempre orgulhosamente conscientes daquilo que consideravam o seu glorioso passado quinhentista. Estavam convencidos de que, como descendentes dos conquistadores de Afonso de Albuquerque, e vassalos do seu “poderoso” rei, eram ipso facto, muito superiores aos mercadores das companhias comerciais europeias que tinham chegado depois, por muito ricos que estes pudessem ser. Estavam igualmente convencidos da sua superioridade sobre os povos asiáticos que haviam dominado no Índico durante tanto tempo – uma convicção expressa pelo Padre Francisco de Sousa, S. J., quando referiu no seu Oriente Conquistado de 1710 o “carácter português, que naturalmente despreza todas as raças asiáticas”. Deus, sentiam os portugueses, estava ao lado deles durante o caminho, ainda que, como reconheciam com franqueza, os estivesse a castigar entretanto pelos seus pecados com a perda de Malaca, Ceilão, Malabar e Mombaça. (…)
Este orgulho (na raça portuguesa e nos seus feitos no Oriente) era partilhado por todas as posições e classes sociais em Portugal, com a excepção quase única do rei D. João IV, que uma vez confiou a um enviado francês em Lisboa que abandonaria com prazer o pesado fardo de tentar manter a Índia Portuguesa se pudesse contar numa maneira honrosa de o fazer. Mas foi o primeiro e último monarca português a fazer tal confissão e os seus sucessores não hesitaram em fazer sacrifícios consideráveis para manter o decrépito “Estado da Índia” à tona de água. O governador e conselheiro inglês em Bombaim observou em 1737, bastante correctamente: “A Coroa de Portugal tem mantido durante tanto tempo a posse dos seus territórios na Índia apenas à custa de uma despesa anual considerável; puramente, ao que parece, por um ponto de Honra e Religião”. Além disso, esta atitude era até aprovada pelos “iluminados” homens de Estado que criticavam as loucuras e estravagâncias do “Magnânimo” D. João V, mas que concordavam com ele que (nas palavras de D. Luís da Cunha, o mais experiente diplomata português desse tempo) “as conquistas são o que nos honra e sustenta”. Se Portugal contava ainda alguma coisa nos conselhos dos grandes poderes da Europa era antes de mais pela importância do seu império ultramarino; e se, em 1700, o Brasil era de longe a joia mais lucrativa da Coroa Portuguesa, a Índia ainda era a mais prestigiada. (…)
(…) Se Alexander Hamilton escarnecia da pobreza miserável dos portugueses “em toda a parte das suas colónias na Índia” no fim do século XVII, vemos o globe-trotter italiano Gemeli Careri a afirmar depois da sua visita a Damão e Goa, em 1695: “Os portugueses vivem muito bem na Índia, tanto no que diz respeito à mesa como ao vestuário e ao número de Cafres ou escravos que os servem”. Há muitas outras provas fornecidas por testemunhas oculares igualmente de confiança que apontam neste sentido. Para além dos numerosos escravos negros da África Oriental que os portugueses empregavam, dispunham também de trabalhadores livres indianos, indonésios e chineses em grande quantidade e a preços extremamente baixos. Se houve sempre, indubitavelmente (como o Padre Francisco de Sousa, S.J. escreveu em 1710), um numeroso e empobrecido proletariado em todos os redutos da Ásia portuguesa, também não faltavam ricos mercadores e prósperos capitães. “Porque pobres tens sempre contigo”, como diz o Evangelho, mas também por essa razão existem sempre os ricos.
As magníficas igrejas e fortalezas maciças de Moçambique e Macau, cujas ruínas ainda impressionam o viajante do século XX, foram quase todas construídas (ou, de qualquer modo, extensamente reconstruídas) entre 1600 e 1750, e não nos dias tranquilos do século XVI, como muitas vezes se pensa. O ouro e o marfim da África Oriental continuaram a chegar a Goa durante a primeira metade do século XVIII, ainda que o mesmo já não sucedesse com o ouro e a pimenta de Sumatra. Goa era um importante centro de comércio de diamantes em 1650-1730, mesmo talvez mais importante que Madrasta; e os navios mercantes da carreira da Índia que navegavam do Mandovi para o Tejo iam ainda quase sempre muito ricamente carregados, ainda que partissem apenas um ou dois por ano, em vez de cinco ou seis. Por volta de 1725, o centro económico do Império Ultramarino Português tinha-se deslocado de Goa “Dourada” para a cidade de São Salvador da Baía de Todos-os-Santos, no Brasil, mas a pequena nobreza ou fidalguia de Goa gabava-se ainda de ser a única nobreza de estilo e garbo “e de que, em comparação, a de Portugal é uma sombra”.
9 - Os Governadores e Vice-Reis - Francisco Valeriano de Sá
Com a descoberta do caminho marítimo para a Índia, o desejo de Portugal era levar a termo a derrota dos turcos que dominavam os mares da Índia e desenvolver o comércio com os povos orientais, mas após a passagem das primeiras quatro esquadras capitaneadas por Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, João da Nova e novamente Vasco da Gama, em 1502, verificou-se que os mouros, com a ajuda do Samorim de Calecute, após o regresso das esquadras, atacavam com facilidade os portugueses que ficavam, e os seus aliados, reis de Cochim e Cananor.
Afonso de Albuquerque, que esteve em 1503 na Índia, apresentou um relatório pormenorizado do que se passava no Oriente e, face aos seus conselhos, D. Manuel I resolveu pôr em prática o plano de uma esquadra permanente para salvaguardar, localmente, os interesses de Portugal, tendo à frente uma pessoa de confiança, a representar o rei, e com grandes poderes para resolver logo os problemas sem ter que recorrer a Lisboa. Para o efeito decidiu que, das armadas que partiam anualmente para a Índia regressariam apenas os navios de transporte, ficando os mais leves a constituir a esquadra de defesa na Índia, e a 25 de Março de 1505 enviou a primeira do género, composta por vinte e duas velas e 1500 homens de armas, sob o comando de D. Francisco de Almeida, para governar de perto, por três anos, todos os portugueses, combatentes ou não, que andassem por essas paragens, concedendo-lhe o título de seu representante. Assim surgiu a figura de Vice-Rei da Índia.
Afonso de Albuquerque, que esteve em 1503 na Índia, apresentou um relatório pormenorizado do que se passava no Oriente e, face aos seus conselhos, D. Manuel I resolveu pôr em prática o plano de uma esquadra permanente para salvaguardar, localmente, os interesses de Portugal, tendo à frente uma pessoa de confiança, a representar o rei, e com grandes poderes para resolver logo os problemas sem ter que recorrer a Lisboa. Para o efeito decidiu que, das armadas que partiam anualmente para a Índia regressariam apenas os navios de transporte, ficando os mais leves a constituir a esquadra de defesa na Índia, e a 25 de Março de 1505 enviou a primeira do género, composta por vinte e duas velas e 1500 homens de armas, sob o comando de D. Francisco de Almeida, para governar de perto, por três anos, todos os portugueses, combatentes ou não, que andassem por essas paragens, concedendo-lhe o título de seu representante. Assim surgiu a figura de Vice-Rei da Índia.
Carta Afonso Albuquerque a D. Manuel sobre conquista de Goa
O cargo de Vice-Rei no mundo é já bastante antigo, mas o título é mais moderno e torna o titular representante único e directo do Rei nos Estados ou Províncias de grande dimensão, que, devido às distâncias, não podem estar sob o controlo directo do Rei, com poderes quase iguais a este.
Em Portugal, foi no reinado de D. Manuel I, com a nomeação de D. Francisco de Almeida para Vice-Rei da Índia, por carta régia de 27 de Fevereiro de 1505, condicionando a utilização do título só após a edificação de três fortalezas, o que aconteceu a 1 de Novembro do mesmo ano. (…)
Em 1771, o Governador João José de Melo propôs a extinção do título de Vice-Rei e nomeação de Governador, exercendo em simultâneo as funções de Capitão-General, para se evitarem despesas supérfluas. No entanto, continuaram a ser nomeados Vice-Reis até que o regime liberal extinguiu aquele título no vice-reinado de D. Manuel de Portugal e Castro (1827-1835), mas este passou a ser penúltimo, uma vez que em 1896 o Rei D. Luís resolveu mandar o seu filho, o Infante D. Afonso Henriques, com o título de Vice-Rei, sendo assim este o último. (…)
Em Portugal, foi no reinado de D. Manuel I, com a nomeação de D. Francisco de Almeida para Vice-Rei da Índia, por carta régia de 27 de Fevereiro de 1505, condicionando a utilização do título só após a edificação de três fortalezas, o que aconteceu a 1 de Novembro do mesmo ano. (…)
Em 1771, o Governador João José de Melo propôs a extinção do título de Vice-Rei e nomeação de Governador, exercendo em simultâneo as funções de Capitão-General, para se evitarem despesas supérfluas. No entanto, continuaram a ser nomeados Vice-Reis até que o regime liberal extinguiu aquele título no vice-reinado de D. Manuel de Portugal e Castro (1827-1835), mas este passou a ser penúltimo, uma vez que em 1896 o Rei D. Luís resolveu mandar o seu filho, o Infante D. Afonso Henriques, com o título de Vice-Rei, sendo assim este o último. (…)
Nomeação e “vias de sucessão
Para o cargo eram escolhidos fidalgos de nobre linhagem, com Dom, título de grande confiança do Rei, por isso, dos 135 Governadores, apenas 59 beneficiaram do título de Vice-Rei, mas, destes, só 52 exerceram o cargo por a morte ter arrebatado cinco deles durante a viagem, e as tempestades terem destroçado as esquadras de dois, logo à saída do Tejo. Note-se que era uma selecção muito cuidadosa, pois fidalgos de grande prestígio e merecimento, como Afonso de Albuquerque, Nuno da cunha, D. Estêvão da Gama, Diogo Lopes de Sequeira, D. Duarte de Menezes e vários outros não beneficiaram daquele privilégio e foram apenas Governadores. Tanto os Vice-Reis como os Governadores eram nomeados por três anos e eram portadores do Regimento donde constavam as directrizes a cumprir, os poderes e os regulamentos para o seu governo. Houve casos de nomeação pela segunda vez e de recondução, mas foram poucos.
Os Governadores e Vice-Reis só tinham conhecimento da sua substituição e do nome do seu sucessor quando este chegava, uma vez que eram nomeados pelo Rei. Porém, levantava-se o problema da morte inesperada de algum em efectividade e a demora na sua substituição, face à distância e outros imprevistos. (…)
Foi com Vasco da Gama que o Rei iniciou o sistema de sucessão, que consistia em o Vice-Rei ou Governador ser portador de três cartas “cerradas”, conhecidas como “vias de sucessão”, nomeando cada uma um dos capitães das fortalezas da Índia, que lhe deviam suceder no caso da sua morte, para se evitar eventuais usurpadores do poder, dado que o cargo era ambicionado por muitos. Foi providencial, porque ao fim de três meses Gama faleceu e, pela primeira vez, por vias de sucessão foi nomeado o Governador D. Henrique de Meneses. (…)
Residência
Ao longo do tempo, vários foram os sítios da residência dos Vice-Reis.
Foi D. Francisco de Almeida quem fixou, em 1505, a primeira residência em terra, na fortaleza de Cochim. Após a reconquista de Goa, que Afonso de Albuquerque queria transformar no centro do Império do Oriente, e, embora este tivesse transformado o palácio em Goa do Sultão de Bijapur Ismail Adil Shah, conhecido também por Adil Khan ou Savái, /Idalcão ou Sabaio, pelos Portugueses, em palácio dos Vice-Reis, a residência oficial continuou em Cochim e Cananor, e só no Governo de Nuno da Cunha é que passou para o citado palácio em Goa, onde funcionou até 1554, quando D. Pedro Mascarenhas, segundo Diogo do Couto, mudou para o palácio fortaleza “porque era aquella casa de dous sobrados de mui comprida escadaria, e elle era velho e muito magro, e o molestava em extremo”.
Foi D. Francisco de Almeida quem fixou, em 1505, a primeira residência em terra, na fortaleza de Cochim. Após a reconquista de Goa, que Afonso de Albuquerque queria transformar no centro do Império do Oriente, e, embora este tivesse transformado o palácio em Goa do Sultão de Bijapur Ismail Adil Shah, conhecido também por Adil Khan ou Savái, /Idalcão ou Sabaio, pelos Portugueses, em palácio dos Vice-Reis, a residência oficial continuou em Cochim e Cananor, e só no Governo de Nuno da Cunha é que passou para o citado palácio em Goa, onde funcionou até 1554, quando D. Pedro Mascarenhas, segundo Diogo do Couto, mudou para o palácio fortaleza “porque era aquella casa de dous sobrados de mui comprida escadaria, e elle era velho e muito magro, e o molestava em extremo”.
(Palácio dos Vice-Reis - Durante mais de três séculos, o Palácio dos Vice‑Reis marcou a imagem da cidade de Goa, erguendo‑se num conjunto de altivos volumes sobre as águas do Mandovi. Integrando todo um conjunto de infraestruturas administrativas, o palácio desenvolvia‑se em vários edifícios à volta de uma praça, designada Terreiro dos Vice-Reis. Para o lado do rio, o palácio erguia uma fachada amuralhada sobre uma outra praça: o Cais do Vice-Rei, que se abria sobre as margens do Mandovi. Esta fachada integrava‑se nas antigas muralhas da cidade. As duas praças comunicavam entre si através do Arco dos Vice-Reis, hoje o único testemunho formal de todo este vastíssimo conjunto arquitetónico. Pela sua estética, tanto arquitetónica como urbana, o palácio apresenta-se ainda como um paço real do tardo‑manuelino, vivendo como um complexo quase autónomo dentro da cidade, sem contacto direto com o Mandovi, a não ser pelas vistas das altas janelas e varandas. Conhecido normalmente pelo nome de Palácio da Fortaleza, o edifício integrava‑se na antiga fortaleza da cidade de Adil Shah, encostando-se a um pano das suas muralhas. Após a conquista da cidade pelas tropas portuguesas, Afonso de Albuquerque mandou restaurar a dita fortaleza e o primeiro capitão da cidade, Rodrigo Rebelo, habitou-a.)
Em 12 de Janeiro de 1684 o Conde de Alvor, Francisco de Távora, devido aos ataques inimigos e face ao parecer dos três estados, emitido na fortaleza de S. Tiago – Benastarim – resolver transferir a sede para Mormugão, o que foi aprovado pelo governo de Lisboa, iniciando as obras da nova cidade em 1685. Porém, D. Rodrigo da Costa, que esteve no governo em 1686-1690, mandou suspender a construção, mas recebeu ordens de Lisboa para continuar, o que acatou com relutância. Em 1693 o Vice-Rei D. Pedro António de Noronha trouxe ordens para transferir a sede para Mormugão, conforme o Conde de Alvor, como o Presidente do Conselho ultramarino determinava mas, face às dificuldades na concretização das ordens devido a uma epidemia que grassava na capital e dizimou grande parte da população, passou, em 1695, para a casa de recreio em Panelim (S. Pedro), arredores de Goa (actual Velha Goa).
Entretanto, com aprovação do Rei e por alvará de 17 de Dezembro de 1703, foi projectada a transferência da capital para Mormugão, por oferecer melhores condições de defesa. Foram edificados o palácio, o hospital, o convento das freiras, a alfândega, a casa da pólvora, a casa da moeda e vários outros edifícios e o Vice-Rei Caetano de Melo e Castro chegou a residir naquela cidade mas, em virtude de as condições não serem ideias, regressou a Panelim en 1712. (…)
Um 31 de Dezembro de 1759 o Vice-Rei Manuel de Saldanha de Albuquerque, Conde da Ega, mudou para o palácio de Pangim, erradamente conhecido por Palácio de Idalcão, visto ter sido o castelo do Adil Khan (Idalcão) e não palácio.
Em 1777 o Marquês do Pombal mandou restaurar a antiga capital, mas era tarde demais, porque grande parte dos edifícios públicos e mesmo residenciais tinham sido demolidos e o material fora utilizados nas edificações em Mormugão e Panelim. Os restantes edifícios encontravam-se em ruínas ou abandonados, devido a epidemia, o que contribuiu para a queda daquela que foi uma das mais opulentas cidades do Oriente (actual Velha Cidade ou Velha Goa).
No governo de Francisco Silva Pereira, por alvará da Rainha D. Maria II, de 22 de Março de 1843, a povoação de Panjim foi elevada a cidade com a denominação de Nova Goa, e considerada a nova capital do Estado da Índia e, por portaria de 22 de Maio de 1947, do Governador Ferreira Bossa, passou a denominar-se Cidade de Goa.
Um 31 de Dezembro de 1759 o Vice-Rei Manuel de Saldanha de Albuquerque, Conde da Ega, mudou para o palácio de Pangim, erradamente conhecido por Palácio de Idalcão, visto ter sido o castelo do Adil Khan (Idalcão) e não palácio.
Em 1777 o Marquês do Pombal mandou restaurar a antiga capital, mas era tarde demais, porque grande parte dos edifícios públicos e mesmo residenciais tinham sido demolidos e o material fora utilizados nas edificações em Mormugão e Panelim. Os restantes edifícios encontravam-se em ruínas ou abandonados, devido a epidemia, o que contribuiu para a queda daquela que foi uma das mais opulentas cidades do Oriente (actual Velha Cidade ou Velha Goa).
No governo de Francisco Silva Pereira, por alvará da Rainha D. Maria II, de 22 de Março de 1843, a povoação de Panjim foi elevada a cidade com a denominação de Nova Goa, e considerada a nova capital do Estado da Índia e, por portaria de 22 de Maio de 1947, do Governador Ferreira Bossa, passou a denominar-se Cidade de Goa.
10 - O fim da Índia Portuguesa.

“A 17 de Dezembro de 1961, o exército da União Indiana invadiu - sem declaração de guerra - o Estado da Índia Portuguesa. As razões para a invasão são múltiplas e todas elas sujeitas às mais diversas interpretações.
(Indianos despedem-se do último Governador Português, Manuel António Vassalo e Silva)
Esta pequena análise, tenta ser apenas mais um contributo para facilitar o entendimento sobre o que aconteceu. Num mundo onde a Internet tem cada vez maior importância quando se trata de acesso à informação, é importante que exista uma versão portuguesa do que aconteceu, expurgada de muito do que hoje sabemos ter sido apenas propaganda, utilizada para justificar as acções da União Indiana.
Muitos historiadores, ainda que em 2011 se comemorem 50 anos sobre o acontecimento, consideram que a invasão das posições portuguesas naquele território foi o início de um processo de desconstrução do que alguns chamaram de Império Português. Há no entanto que considerar que várias teses defendem com argumentação que temos por válida que o Estado da Índia não fazia parte de nenhum Império, mas sim de uma realidade nacional com quase cinco séculos.
a) Antecedentes
O Estado da Índia Portuguesa, com Goa como principal território, chegou até ao século XX como o remanescente do grande número de praças e fortalezas portuguesas ao longo das costas do sub-continente indiano.
É importante notar que, para os portugueses, o conceito de Índia não correspondia necessariamente ao subcontinente. Em muitos casos, a designação era utilizada para referir tanto a costa do oceano Índico, como as fortalezas portuguesas da costa oriental de África, das costas arábicas ou persas.
Ao contrário de outras possessões portuguesas, o Estado da Índia Portuguesa tinha um estatuto diferente dos territórios africanos. Goa tinha direito a eleger os seus próprios representantes às cortes do reino e tinha representação no parlamento de Lisboa desde 1822.
À época da sua conquista, em 1510, Goa era um território controlado pelos muçulmanos (a que os portugueses chamavam «mouros»), contra os quais os hindus se encontravam em guerra. O Islão tinha começado a sua expansão sobre a costa ocidental do sub-continente indiano logo no século VII. As relações entre as costas da Arábia e a costa ocidental da Índia, foram aliás muito anteriores sequer ao advento do Islão. O controlo de Goa foi resultado da política de alianças de Portugal com os reinos hindus, que igualmente combatiam os muçulmanos.
b) A Independência impossível
Desde que se levantou a questão de Goa, que a possibilidade de Portugal conceder a independência àquele território tem sido avançada por vários sectores, como caminho que deveria ter sido seguido por Portugal, para evitar os acontecimentos de 1961.
A maioria dos sectores políticos portugueses concorda que a invasão do território por parte da União Indiana foi ilegal, e em absoluta contravenção das regras do Direito Internacional, que a União Indiana violou ao invadir território português.
Ocorre que, a seguir à revolução de 25 de Abril de 1974, o então governo de Portugal reconheceu a posse daqueles territórios à União Indiana, aceitando uma situação de domínio «de facto», entregando definitivamente - do ponto de vista legal – os territórios ao país invasor.
Entre as justificações apresentadas, está a de que já nada restava fazer, uma vez que o regime saído da revolução de 28 de Maio de 1926 (Estado Novo) tinha persistido na sua política colonialista. Aventam os mesmos sectores que a solução teria sido a da independência de Goa, nomeadamente durante os anos 50, o que teria levado a que a União Indiana não tivesse argumentação para invadir o território.
Há, porém, um número de lacunas naquele raciocínio, que nos podem fazer concluir que tal hipótese não só nunca teria sido possível de implementar, como além disso nunca poderia ter sido aceite pelo governo da União Indiana.
c) O nacionalismo hindu
Quando Mohandas (o Mahatma) Ghandi, iniciou a sua caminhada, que culminaria com o seu assassinato pelos nacionalistas hindus, já havia no sub-continente diversos movimentos favoráveis à independência da Índia.
O problema é que as fronteiras dessa Índia mítica não eram claras para ninguém e os ultra-nacionalistas consideravam os reinos que existiam antes da chegada dos muçulmanos como origem do seu direito à independência.
De facto, entre o século II aC, até ao século XII, altura em que se estabelece o primeiro sultanato muçulmano, o sub-continente indiano foi governado por uma miríade de reinos e impérios, cujos domínios, ainda que nunca coincidentes, se estendiam desde as montanhas do Hindu-Kush até ao Ceilão (actual Sri-Lanka).
O nacionalismo indiano foi portanto criado tendo como referência esse passado e essa realidade geográfica, que incluía territórios que corresponderam a países tão distintos quanto o Afeganistão, o Nepal, o Sri-Lanka, o Sikkim, o Butão, o Bangladesh, a Birmânia e naturalmente, Goa. A Índia que os nacionalistas hindus pretendiam criar tinha por base impérios do passado, e por isso, para muitos, aparecia como uma tentativa de reconstituição de um Império.
A ligação entre a futura Índia e essa realidade histórica é, de um ponto de vista meramente racional, um absurdo. Do ponto de vista do Direito Internacional é inaceitável, porque manifestamente ilegal. Correspondia por exemplo a que o Estado Italiano exigisse o controlo da Líbia da França ou do Reino Unido, porque há vários séculos os territórios que esses países ocupam pertenciam ao império romano.
No entanto, e independentemente de não ter um suporte racional nem legal, o nacionalismo indiano, de cariz hindu, foi ganhando cada vez mais força. Em 1920, Mohandas Gandhi é eleito como líder do Partido do Congresso. Gandhi era visto pelo líder muçulmano Mohamed Ali Jinnah como um perigoso nacionalista hindu.
O líder muçulmano defendia a autonomia administrativa da Índia, mas temia a ascensão dos hindus e a independência, que considerava como perigosa para os muçulmanos, dado o teor nacionalista extremista que esta ameaçava assumir.
Entre 1930 e 1935, a inquietação dos muçulmanos aumenta. Os muçulmanos consideram como principal perigo o domínio dos nacionalistas hindus, que vêem um perigo de morte para os muçulmanos da Índia.
Em 1937, o Partido do Congresso de Mohandas Gandhi recusa formalmente uma aliança com a liga muçulmana, reafirmando assim a intenção de avançar com um estado hindu, que corresponderia aos territórios «históricos» dos hindus. Na mesma altura, Nehru, como presidente do Partido do Congresso, profere um discurso em que afirma que «...existem na Índia apenas dois movimentos: O nacionalismo hindu e o Imperialismo britânico...».
Estas declarações são vistas como uma negação dos direitos das inúmeras minorias, afirmando a oposição ao domínio britânico pelo movimento hindu, e negando a todos os outros o direito à existência.
Independentemente da sua origem religiosa, independentemente da incrível diversidade de raças, religiões e línguas, a Índia do Partido do Congresso será hindu, e nada mais.
A Índia sonhada pelo dirigente do Partido do Congresso parecia-se cada vez mais com um império” e cada vez menos “com um Estado-Nação.
Esta movimentação e as tomadas de posição dos líderes do Partido do Congresso compreendem-se à luz de uma certa visão nacionalista que interpreta os acontecimentos dos últimos milénios e vê o aparecimento da Índia saída do império britânico como uma espécie de ressurgimento do poder hindu, anterior às invasões muçulmanas, anterior à chegada dos europeus ou anterior ao estabelecimento do império Mughal (islâmico), que dominou a Índia até ao século XVII.
A divisão era inaceitável, porque ela tinha sido a razão da decadência. A Índia saída do Império Britânico tinha por isso que sair unificada e deveria procurar erguer um país capaz de atingir o desenvolvimento do seu tempo dourado.
A descolonização da Índia Britânica não correu bem, com a separação de uma parte significativa, mas muito poderia ser perdido, se nos inúmeros territórios que ficaram sob o controlo do governo de Nova Deli tomassem os maus exemplos dos pequenos estados que permaneciam nas fronteiras da União Indiana. Por isso, tudo teria que ser feito para garantir que esses potenciais maus exemplos terminassem.
d) A desestabilização dos estados vizinhos
i) O Principado do Sikkim: Um exemplo
Quando, após a II Guerra Mundial, as tentativas do Império Britânico para manter a «Pérola do Império» unida sob um mesmo governo falharam, começaram a ser realizados referendos por todos os territórios, para perguntar aos cidadãos qual a sua opção, e a que país achavam que o seu território deveria pertencer.
Em referendo realizado em 1947, o pequeno Principado do Sikkin, que se encontrava entre o Nepal, o Butão, a Índia e a China, recusou fazer parte da União Indiana.
A existência de uma pequena realidade nacional, dentro daquilo a que os nacionalistas hindus chamavam Índia (ou Índia “histórica”, para melhor entendermos), era, no entanto, difícil de aceitar.
O Principado do Sikkim constituía, para os nacionalistas hindus, um exemplo extremamente negativo, pois permitia criar um precedente que levaria ao aparecimento de outras realidades nacionais ou micro-estados, que sempre caracterizaram o sub-continente indiano.
Os pequenos estados eram vistos como uma das fraquezas da Índia, e a razão que levou ao início do seu declínio no século XIII. A solução lógica era garantir que tais realidades nacionais não tinham meios ou condições para subsistir.
A Índia tentou logo de início boicotar o processo, mas o facto de o Sikkim ter estabelecido relações especiais com os britânicos impediu que o principado fosse integrado na União Indiana.
O governo indiano garantiu no entanto um sistema de soberania, em que a política externa seria dirigida pelo governo de Nova Deli.
A União Indiana impôs um estatuto de semi-independência, mas não deixou de agir contra o Sikkim. O país foi sendo lentamente colonizado pelos indianos. Em 1968, o R.A.W.* inicia acções que levarão à total desestabilização do país durante os anos 70. Atentados terroristas sucedem-se e os ódios étnicos explodem repentinamente.
(*R.A.W. – Research and Analysis Wing - Trata-se de um gabinete de investigação e estudos estratégicos, patrocinado pelo governo da União Indiana, e na dependência do próprio primeiro-ministro, que foi criado em 1968. A organização mantém alegadamente braços secretos e tem como objectivo facilitar operações nos países limítrofes da Índia, no sentido de permitir aos indianos aproveitar a instabilidade em seu próprio favor.
O RAW exerceu as suas actividades no Sikkim, e exerce presentemente essas mesmas actividades no Paquistão, no Nepal, no Butão, no Sri-Lanka, nas ilhas Maldivas e no Bangladesh. Ou seja, todos os territórios que o nacionalismo hindu considera que são historicamente parte da Índia).
Em 1970, o Partido do Congresso do Sikkim (braço do partido do mesmo nome na Índia) e representante da minoria hindu, inicia uma violenta revolta contra a monarquia do Sikkim, exigindo maior representatividade para o crescente número de hindus. A instabilidade política e a violência instalaram-se. A solução do problema surgiu convenientemente através de um pedido de um grupo de representantes do Sikkim, para que o principado fosse aceite como um estado da União Indiana.
Em 1973 a Índia intervém, sob a alegação de que teme que a China considere o território como parte do Tibet e o anexe.
O primeiro-ministro, aliado dos indianos, não se conseguiu entender com o príncipe, e em 1975 apresenta um pedido formal à Índia para que o país seja anexado como mais um estado da União Indiana.
A questão foi referendada e a população colocada perante o dilema de aceitar fazer parte da Índia, ou, ao contrário, manter a instabilidade política e os motins que tinham sido organizados pelos indianos ou ser atacada pela China. O país foi formalmente anexado em 16 de Maio de 1975.
A anexação final do Sikkim constitui uma das mais claras demonstrações de que a independência do Estado Português da Índia, nunca teria sido aceite pela União Indiana. O seu destino nunca poderia ter sido diferente do do Sikkim. O próprio Nehru afirmou isso, ao proclamar num discurso em 1955:
«...Nós não estamos dispostos a tolerar a presença portuguesa em Goa, ainda que os goeses queiram que eles aí estejam...».
A questão de Goa nunca poderia, portanto, ter alguma relação directa com as características do regime de Lisboa, o qual neste caso afirmava com alguma propriedade que a Índia apenas pretendia trocar um colonialismo por outro.
Ora, o que levou à anexação do Sikkim foi a incapacidade do pequeno estado lutar contra o terrorismo patrocinado pela União Indiana, através do R.A.W.
Este tipo de desestabilização foi, como sabemos, tentado em Goa, com ataques terroristas e com pequenos grupos de Satyagris. O Estado de Goa, no caso de aceder à independência, não teria capacidade (tal como o Sikkim ou o Butão) de resistir a uma vaga de atentados contra os cidadãos.
Se tivesse acedido à independência, a única forma que Goa teria de lutar contra a instabilidade seria mantendo algum tipo de ligação com Portugal, cuja presença militar, ainda que simbólica, era suficiente para debelar as actividades terroristas. Tal possibilidade não poderia naturalmente ser aceite pela União Indiana e seria considerada como neo-colonialismo, levando inevitavelmente à invasão e anexação, mais tarde ou mais cedo.
ii) O caso do Reino do Butão
Se o caso do Principado do Sikkim levou à anexação final e integração mais ou menos forçada do país na União Indiana, ele não é o único exemplo que demonstra que jamais Goa poderia ter sido um estado independente e autónomo.
Também no caso do Butão a questão da anexação foi levantada. Ali, havia ainda menos população hindu e a maioria budista era clara, e o Butão era também reconhecido pelos britânicos, tendo um estatuto de semi-autonomia.
Mas ainda assim, a União Indiana também exigiu o direito de gerir a política externa deste pequeno estado, exactamente como no caso do Sikkim.
Quando o Sikkim foi finalmente absorvido pela Índia, num processo muito contestado, o Butão tentou aproveitar as críticas à India para furar o bloqueio indiano que impedia a existência de embaixadas estrangeiras.
iii) Sri-Lanka, um problema de maior dimensão
Se os pequenos estados do Butão e do Sikkim são aqueles que mais facilmente podemos comparar com Goa, não é possível deixar de referir as tentações anexionistas indianas sobre o vizinho Sri-Lanka, também visto como parte da Grande Índia. Não havendo condições a nível internacional para continuar a defender posições mais ou menos «anexionistas», a verdade é que a Índia nunca deixou de considerar o antigo Ceilão como um território que deveria estar debaixo da alçada do governo de Nova Deli. Embora não existam provas claras, a verdade é que o governo do Sri-Lanka acusou oficialmente em 1983 a União Indiana de apoiar os rebeldes Tamil do norte da ilha, numa alegada tentativa de desestabilização.
Ainda hoje (2009), as aquisições de equipamentos militares por parte do Sri-Lanka são regularmente objecto de críticas por parte de militares indianos, que afirmam que o Sri-Lanka, estando na região indiana, deveria adquirir equipamentos à Índia e não a outros países. Em resposta às pressões por parte da Índia, o Sri-Lanka optou por estabelecer laços especiais com a China em termos de defesa.
O Sri-Lanka tinha a vantagem de uma posição de prestígio entre o movimento dos não alinhados, caso contrário estaria destinado a mesmo destino de Goa, se a sua dimensão (país com uma população que na actualidade atinge os 21 milhões de habitantes) não tornasse essa possibilidade inviável, ainda mais após o fim da guerra fria.
(Indianos despedem-se do último Governador Português, Manuel António Vassalo e Silva)
Esta pequena análise, tenta ser apenas mais um contributo para facilitar o entendimento sobre o que aconteceu. Num mundo onde a Internet tem cada vez maior importância quando se trata de acesso à informação, é importante que exista uma versão portuguesa do que aconteceu, expurgada de muito do que hoje sabemos ter sido apenas propaganda, utilizada para justificar as acções da União Indiana.
Muitos historiadores, ainda que em 2011 se comemorem 50 anos sobre o acontecimento, consideram que a invasão das posições portuguesas naquele território foi o início de um processo de desconstrução do que alguns chamaram de Império Português. Há no entanto que considerar que várias teses defendem com argumentação que temos por válida que o Estado da Índia não fazia parte de nenhum Império, mas sim de uma realidade nacional com quase cinco séculos.
a) Antecedentes
O Estado da Índia Portuguesa, com Goa como principal território, chegou até ao século XX como o remanescente do grande número de praças e fortalezas portuguesas ao longo das costas do sub-continente indiano.
É importante notar que, para os portugueses, o conceito de Índia não correspondia necessariamente ao subcontinente. Em muitos casos, a designação era utilizada para referir tanto a costa do oceano Índico, como as fortalezas portuguesas da costa oriental de África, das costas arábicas ou persas.
Ao contrário de outras possessões portuguesas, o Estado da Índia Portuguesa tinha um estatuto diferente dos territórios africanos. Goa tinha direito a eleger os seus próprios representantes às cortes do reino e tinha representação no parlamento de Lisboa desde 1822.
À época da sua conquista, em 1510, Goa era um território controlado pelos muçulmanos (a que os portugueses chamavam «mouros»), contra os quais os hindus se encontravam em guerra. O Islão tinha começado a sua expansão sobre a costa ocidental do sub-continente indiano logo no século VII. As relações entre as costas da Arábia e a costa ocidental da Índia, foram aliás muito anteriores sequer ao advento do Islão. O controlo de Goa foi resultado da política de alianças de Portugal com os reinos hindus, que igualmente combatiam os muçulmanos.
b) A Independência impossível
Desde que se levantou a questão de Goa, que a possibilidade de Portugal conceder a independência àquele território tem sido avançada por vários sectores, como caminho que deveria ter sido seguido por Portugal, para evitar os acontecimentos de 1961.
A maioria dos sectores políticos portugueses concorda que a invasão do território por parte da União Indiana foi ilegal, e em absoluta contravenção das regras do Direito Internacional, que a União Indiana violou ao invadir território português.
Ocorre que, a seguir à revolução de 25 de Abril de 1974, o então governo de Portugal reconheceu a posse daqueles territórios à União Indiana, aceitando uma situação de domínio «de facto», entregando definitivamente - do ponto de vista legal – os territórios ao país invasor.
Entre as justificações apresentadas, está a de que já nada restava fazer, uma vez que o regime saído da revolução de 28 de Maio de 1926 (Estado Novo) tinha persistido na sua política colonialista. Aventam os mesmos sectores que a solução teria sido a da independência de Goa, nomeadamente durante os anos 50, o que teria levado a que a União Indiana não tivesse argumentação para invadir o território.
Há, porém, um número de lacunas naquele raciocínio, que nos podem fazer concluir que tal hipótese não só nunca teria sido possível de implementar, como além disso nunca poderia ter sido aceite pelo governo da União Indiana.
c) O nacionalismo hindu
Quando Mohandas (o Mahatma) Ghandi, iniciou a sua caminhada, que culminaria com o seu assassinato pelos nacionalistas hindus, já havia no sub-continente diversos movimentos favoráveis à independência da Índia.
O problema é que as fronteiras dessa Índia mítica não eram claras para ninguém e os ultra-nacionalistas consideravam os reinos que existiam antes da chegada dos muçulmanos como origem do seu direito à independência.
De facto, entre o século II aC, até ao século XII, altura em que se estabelece o primeiro sultanato muçulmano, o sub-continente indiano foi governado por uma miríade de reinos e impérios, cujos domínios, ainda que nunca coincidentes, se estendiam desde as montanhas do Hindu-Kush até ao Ceilão (actual Sri-Lanka).
O nacionalismo indiano foi portanto criado tendo como referência esse passado e essa realidade geográfica, que incluía territórios que corresponderam a países tão distintos quanto o Afeganistão, o Nepal, o Sri-Lanka, o Sikkim, o Butão, o Bangladesh, a Birmânia e naturalmente, Goa. A Índia que os nacionalistas hindus pretendiam criar tinha por base impérios do passado, e por isso, para muitos, aparecia como uma tentativa de reconstituição de um Império.
A ligação entre a futura Índia e essa realidade histórica é, de um ponto de vista meramente racional, um absurdo. Do ponto de vista do Direito Internacional é inaceitável, porque manifestamente ilegal. Correspondia por exemplo a que o Estado Italiano exigisse o controlo da Líbia da França ou do Reino Unido, porque há vários séculos os territórios que esses países ocupam pertenciam ao império romano.
No entanto, e independentemente de não ter um suporte racional nem legal, o nacionalismo indiano, de cariz hindu, foi ganhando cada vez mais força. Em 1920, Mohandas Gandhi é eleito como líder do Partido do Congresso. Gandhi era visto pelo líder muçulmano Mohamed Ali Jinnah como um perigoso nacionalista hindu.
O líder muçulmano defendia a autonomia administrativa da Índia, mas temia a ascensão dos hindus e a independência, que considerava como perigosa para os muçulmanos, dado o teor nacionalista extremista que esta ameaçava assumir.
Entre 1930 e 1935, a inquietação dos muçulmanos aumenta. Os muçulmanos consideram como principal perigo o domínio dos nacionalistas hindus, que vêem um perigo de morte para os muçulmanos da Índia.
Em 1937, o Partido do Congresso de Mohandas Gandhi recusa formalmente uma aliança com a liga muçulmana, reafirmando assim a intenção de avançar com um estado hindu, que corresponderia aos territórios «históricos» dos hindus. Na mesma altura, Nehru, como presidente do Partido do Congresso, profere um discurso em que afirma que «...existem na Índia apenas dois movimentos: O nacionalismo hindu e o Imperialismo britânico...».
Estas declarações são vistas como uma negação dos direitos das inúmeras minorias, afirmando a oposição ao domínio britânico pelo movimento hindu, e negando a todos os outros o direito à existência.
Independentemente da sua origem religiosa, independentemente da incrível diversidade de raças, religiões e línguas, a Índia do Partido do Congresso será hindu, e nada mais.
A Índia sonhada pelo dirigente do Partido do Congresso parecia-se cada vez mais com um império” e cada vez menos “com um Estado-Nação.
Esta movimentação e as tomadas de posição dos líderes do Partido do Congresso compreendem-se à luz de uma certa visão nacionalista que interpreta os acontecimentos dos últimos milénios e vê o aparecimento da Índia saída do império britânico como uma espécie de ressurgimento do poder hindu, anterior às invasões muçulmanas, anterior à chegada dos europeus ou anterior ao estabelecimento do império Mughal (islâmico), que dominou a Índia até ao século XVII.
A divisão era inaceitável, porque ela tinha sido a razão da decadência. A Índia saída do Império Britânico tinha por isso que sair unificada e deveria procurar erguer um país capaz de atingir o desenvolvimento do seu tempo dourado.
A descolonização da Índia Britânica não correu bem, com a separação de uma parte significativa, mas muito poderia ser perdido, se nos inúmeros territórios que ficaram sob o controlo do governo de Nova Deli tomassem os maus exemplos dos pequenos estados que permaneciam nas fronteiras da União Indiana. Por isso, tudo teria que ser feito para garantir que esses potenciais maus exemplos terminassem.
d) A desestabilização dos estados vizinhos
i) O Principado do Sikkim: Um exemplo
Quando, após a II Guerra Mundial, as tentativas do Império Britânico para manter a «Pérola do Império» unida sob um mesmo governo falharam, começaram a ser realizados referendos por todos os territórios, para perguntar aos cidadãos qual a sua opção, e a que país achavam que o seu território deveria pertencer.
Em referendo realizado em 1947, o pequeno Principado do Sikkin, que se encontrava entre o Nepal, o Butão, a Índia e a China, recusou fazer parte da União Indiana.
A existência de uma pequena realidade nacional, dentro daquilo a que os nacionalistas hindus chamavam Índia (ou Índia “histórica”, para melhor entendermos), era, no entanto, difícil de aceitar.
O Principado do Sikkim constituía, para os nacionalistas hindus, um exemplo extremamente negativo, pois permitia criar um precedente que levaria ao aparecimento de outras realidades nacionais ou micro-estados, que sempre caracterizaram o sub-continente indiano.
Os pequenos estados eram vistos como uma das fraquezas da Índia, e a razão que levou ao início do seu declínio no século XIII. A solução lógica era garantir que tais realidades nacionais não tinham meios ou condições para subsistir.
A Índia tentou logo de início boicotar o processo, mas o facto de o Sikkim ter estabelecido relações especiais com os britânicos impediu que o principado fosse integrado na União Indiana.
O governo indiano garantiu no entanto um sistema de soberania, em que a política externa seria dirigida pelo governo de Nova Deli.
A União Indiana impôs um estatuto de semi-independência, mas não deixou de agir contra o Sikkim. O país foi sendo lentamente colonizado pelos indianos. Em 1968, o R.A.W.* inicia acções que levarão à total desestabilização do país durante os anos 70. Atentados terroristas sucedem-se e os ódios étnicos explodem repentinamente.
(*R.A.W. – Research and Analysis Wing - Trata-se de um gabinete de investigação e estudos estratégicos, patrocinado pelo governo da União Indiana, e na dependência do próprio primeiro-ministro, que foi criado em 1968. A organização mantém alegadamente braços secretos e tem como objectivo facilitar operações nos países limítrofes da Índia, no sentido de permitir aos indianos aproveitar a instabilidade em seu próprio favor.
O RAW exerceu as suas actividades no Sikkim, e exerce presentemente essas mesmas actividades no Paquistão, no Nepal, no Butão, no Sri-Lanka, nas ilhas Maldivas e no Bangladesh. Ou seja, todos os territórios que o nacionalismo hindu considera que são historicamente parte da Índia).
Em 1970, o Partido do Congresso do Sikkim (braço do partido do mesmo nome na Índia) e representante da minoria hindu, inicia uma violenta revolta contra a monarquia do Sikkim, exigindo maior representatividade para o crescente número de hindus. A instabilidade política e a violência instalaram-se. A solução do problema surgiu convenientemente através de um pedido de um grupo de representantes do Sikkim, para que o principado fosse aceite como um estado da União Indiana.
Em 1973 a Índia intervém, sob a alegação de que teme que a China considere o território como parte do Tibet e o anexe.
O primeiro-ministro, aliado dos indianos, não se conseguiu entender com o príncipe, e em 1975 apresenta um pedido formal à Índia para que o país seja anexado como mais um estado da União Indiana.
A questão foi referendada e a população colocada perante o dilema de aceitar fazer parte da Índia, ou, ao contrário, manter a instabilidade política e os motins que tinham sido organizados pelos indianos ou ser atacada pela China. O país foi formalmente anexado em 16 de Maio de 1975.
A anexação final do Sikkim constitui uma das mais claras demonstrações de que a independência do Estado Português da Índia, nunca teria sido aceite pela União Indiana. O seu destino nunca poderia ter sido diferente do do Sikkim. O próprio Nehru afirmou isso, ao proclamar num discurso em 1955:
«...Nós não estamos dispostos a tolerar a presença portuguesa em Goa, ainda que os goeses queiram que eles aí estejam...».
A questão de Goa nunca poderia, portanto, ter alguma relação directa com as características do regime de Lisboa, o qual neste caso afirmava com alguma propriedade que a Índia apenas pretendia trocar um colonialismo por outro.
Ora, o que levou à anexação do Sikkim foi a incapacidade do pequeno estado lutar contra o terrorismo patrocinado pela União Indiana, através do R.A.W.
Este tipo de desestabilização foi, como sabemos, tentado em Goa, com ataques terroristas e com pequenos grupos de Satyagris. O Estado de Goa, no caso de aceder à independência, não teria capacidade (tal como o Sikkim ou o Butão) de resistir a uma vaga de atentados contra os cidadãos.
Se tivesse acedido à independência, a única forma que Goa teria de lutar contra a instabilidade seria mantendo algum tipo de ligação com Portugal, cuja presença militar, ainda que simbólica, era suficiente para debelar as actividades terroristas. Tal possibilidade não poderia naturalmente ser aceite pela União Indiana e seria considerada como neo-colonialismo, levando inevitavelmente à invasão e anexação, mais tarde ou mais cedo.
ii) O caso do Reino do Butão
Se o caso do Principado do Sikkim levou à anexação final e integração mais ou menos forçada do país na União Indiana, ele não é o único exemplo que demonstra que jamais Goa poderia ter sido um estado independente e autónomo.
Também no caso do Butão a questão da anexação foi levantada. Ali, havia ainda menos população hindu e a maioria budista era clara, e o Butão era também reconhecido pelos britânicos, tendo um estatuto de semi-autonomia.
Mas ainda assim, a União Indiana também exigiu o direito de gerir a política externa deste pequeno estado, exactamente como no caso do Sikkim.
Quando o Sikkim foi finalmente absorvido pela Índia, num processo muito contestado, o Butão tentou aproveitar as críticas à India para furar o bloqueio indiano que impedia a existência de embaixadas estrangeiras.
iii) Sri-Lanka, um problema de maior dimensão
Se os pequenos estados do Butão e do Sikkim são aqueles que mais facilmente podemos comparar com Goa, não é possível deixar de referir as tentações anexionistas indianas sobre o vizinho Sri-Lanka, também visto como parte da Grande Índia. Não havendo condições a nível internacional para continuar a defender posições mais ou menos «anexionistas», a verdade é que a Índia nunca deixou de considerar o antigo Ceilão como um território que deveria estar debaixo da alçada do governo de Nova Deli. Embora não existam provas claras, a verdade é que o governo do Sri-Lanka acusou oficialmente em 1983 a União Indiana de apoiar os rebeldes Tamil do norte da ilha, numa alegada tentativa de desestabilização.
Ainda hoje (2009), as aquisições de equipamentos militares por parte do Sri-Lanka são regularmente objecto de críticas por parte de militares indianos, que afirmam que o Sri-Lanka, estando na região indiana, deveria adquirir equipamentos à Índia e não a outros países. Em resposta às pressões por parte da Índia, o Sri-Lanka optou por estabelecer laços especiais com a China em termos de defesa.
O Sri-Lanka tinha a vantagem de uma posição de prestígio entre o movimento dos não alinhados, caso contrário estaria destinado a mesmo destino de Goa, se a sua dimensão (país com uma população que na actualidade atinge os 21 milhões de habitantes) não tornasse essa possibilidade inviável, ainda mais após o fim da guerra fria.
e) A invasão de Goa
Sendo impossível defender o Estado da Índia Portuguesa no caso de a União Indiana estar determinada a tomar o território, existiam ainda assim planos básicos de defesa da região.
Além de Damão e de Diu, de dimensões muito menores, o território de Goa, estava dividido em três áreas.
A região norte
- Delimitada a Norte e a Nordeste pela fronteira com a U.I.. A Leste, pela região centro e a Oeste pelo Oceano. No seu extremo Sul encontrava-se a ilha de Tissuary, onde se localizava Velha Goa e Pangim. A região era atravessada por vários rios, o que levava a que a melhor defesa contra o avanço de forças inimigas fosse a destruição de pontes. A região é plana e propicia à utilização de forças motorizadas.
Região centro
- Delimitada a Norte e a Leste pela U.I. e a Sul pela região Sul – esta região tinha algumas elevações, que implicavam a necessidade de utilizar as estradas, não sendo das mais adequadas para a progressão de forças mecanizadas. Também era necessário atravessar alguns cursos de água para prosseguir em direcção a Oeste, onde se encontrava concentrada a administração do território.
O agrupamento que defendia esta região, era constituído por forças cedidas pelos agrupamentos Norte e Sul, e só seria efectivamente formado quando se iniciasse a “Operação Sentinela”. Ou seja, o agrupamento era criado para retirar.
Região Sul - Delimitada a Norte pela região centro, a Sul e a Leste pela U.I., e a Oeste pelo oceano. Esta região era também delimitada no seu extremo Noroeste pela pequena região da península de Mormugão. A região tinha alguma protecção dada pelos rios a Sul. Na área a Sudeste, uma linha de elevações, que em alguns casos atingem os 600m, torna a evolução de forças militares complicada. Isto implica que a evolução no sentido Sul-Norte se tinha forçosamente que fazer pela zona junto à costa. Além das elevações, no sector Leste existiam áreas irregulares, alagadas durante a monção. No entanto a invasão dá-se durante a época mais seca.
O comando desta região estava em Navelim, e a Noroeste desta posição estava a localidade de Margão, que era um entroncamento rodoviário por onde também passava a linha ferroviária. A Norte-Nordeste da localidade encontra-se uma elevação (chamada Monte Margão) onde se encontrava a 1ª bateria de artilharia.
Região de Mormugão
- Uma quarta área fora criada já nos anos 60, correspondente à península de Mormugão, onde se encontrava a cidade de Vasco da Gama, o aeroporto de Goa e o porto de Mormugão. Num plano defensivo, e havendo possibilidade de evacuação, esse seria o mais adequado ponto para organizar uma resistência eficaz. A possibilidade de receber abastecimentos estaria em princípio assegurada, fosse por via aérea ou por via marítima.
A situação em 1961
Durante os anos 50, o efectivo total de tropas portuguesas no Estado da Índia atingiu os 12.000 homens e três navios de guerra. Mas no início de 1961, e após uma visita do Gen. Costa Gomes, considerando-se que mesmo esses efectivos não poderiam deter uma invasão indiana, o governo transferiu grande parte das tropas para África, após os sangrentos atentados terroristas em Angola.
Por isso, em meados de 1961, o efectivo cifrava-se em cerca de 3.500 homens. Mas se a enorme redução dos efectivos era problemática, mais problemática era a péssima qualidade do armamento disponível, a falta de munições e o estado de treino dos militares. O sistema de comunicações, que em caso de necessidade deveria permitir a coordenação de acções dos vários destacamentos, praticamente não existia. Isto levava a que as comunicações fossem feitas através de estafetas.
O plano de defesa de Goa, chamado de «Plano Sentinela», dividia o principal território do Estado da Índia em quatro sectores, e as forças atribuídas a cada um deles tinham como principal tarefa atrasar a progressão de forças inimigas em caso de um eventual ataque. Sabendo que o principal problema seria a desestabilização provocada por atentados terroristas que pudessem servir para justificar uma invasão, os principais esforços foram dedicados ao policiamento e à manutenção da ordem pública.
Os quatro sectores de defesa acima referidos tinham os seus postos de comando estrategicamente colocados. Em teoria, deveriam permitir suportar um anel interno de defesa, aproveitando a disposição dos rios a Norte e a Leste. A Sul, a situação era mais complexa, pois a não existência de obstáculos geográficos (rios ou montes) tornava a defesa muito mais complexa.
Ainda assim, e mesmo considerando que a região Norte era a mais propícia ao avanço de forças mecanizadas, era dali que se esperava o principal avanço em caso de invasão. A União Indiana poderia utilizar meios anfíbios para garantir o atravessamento dos rios em apenas alguns dias ou mesmo horas.
O dispositivo português não contava com nenhum tipo de protecção aérea. Havia apenas alguns exemplares de armas anti-aéreas de 20mm e de 40mm Bofors. Não havia aeronaves de combate portuguesas no Estado da Índia. Em 1961 alguns caças F-86 tinham sido transferidos para a Guiné, mas não há notícia de se ter considerado a possibilidade da sua utilização na Índia, ainda mais tratando-se de material fornecido ao abrigo de acordos com a NATO.
A defesa costeira que tinha sido, juntamente com a presença naval, a razão da manutenção das praças, era inexistente em qualquer das parcelas do Estado da Índia. A única capacidade de defesa costeira que existia dependia do único navio que se encontrava na região, o Aviso Afonso de Albuquerque, armado com quatro peças de 120mm.
A artilharia era constituída por peças de campanha de 87.6mm (25 libras) que curiosamente também eram utilizadas pelo exército indiano. Aparentemente, também tinham sido distribuídas algumas peças anti-tanque de 57mm, embora não houvesse munição para elas.
As forças portuguesas foram distribuídas de forma a que os esquadrões de reconhecimento (as unidades com maior mobilidade) pudessem retirar de forma ordeira garantindo ainda assim algum poder de fogo. A artilharia foi colocada a Sul e na península de Mormugão, lugar onde não havia nenhum obstáculo à progressão das forças da União Indiana. De qualquer forma, essas unidades estavam mal equipadas. Os esquadrões de reconhecimento utilizavam auto-metralhadoras Humber e viaturas de transporte de pessoal de origem norte-americana do período da II Guerra Mundial. Eram viaturas com 20 anos, num clima tropical húmido e com pouca possibilidade de manutenção.
É também importante notar que, segundo afirmam vários militares presentes em Goa na altura, a União Indiana parecia estar informada sobre as intenções portuguesas e aparentemente tinha conhecimento da estrutura do plano defensivo português. Tal conhecimento no entanto, não parece ter sido total, dado vários incidentes que fazem parte dos relatórios, e testemunhos publicados, permitirem concluir que havia dados sobre as forças portuguesas que não eram pura e simplesmente do conhecimento das forças indianas, ou então não tinham sido transmitidos às unidades que invadiram aqueles territórios portugueses.
A invasão
Embora tenham ocorrido confrontos entre forças de Portugal e da União Indiana alguns dias antes, podemos afirmar que as operações militares convencionais tiveram início na manhã do dia 17 de Dezembro de 1961.
Nesse dia, a União Indiana possuía forças em ordem de marcha que totalizavam 70.000 homens em armas, preparados para intervir. Desses, 45.000 constituíam o efectivo das unidades prontas para a invasão imediata do Estado da Índia, embora muitas das unidades indianas não tenham chegado a utilizar todos os efectivos na operação. Em situação de reserva, estavam unidades que permitiam disponibilizar mais 25.000 militares em caso de necessidade.
O resultado foi que houve situações na região norte, em que as tropas foram enviadas para pontos pré-definidos onde deveriam atrasar a progressão das forças da União Indiana, e tiveram que recorrer às rações de combate que transportavam. Quando o verdadeiro ataque ocorreu, as tropas já tinham consumido as rações de combate que tinham disponíveis. Os problemas logísticos eram evidentes, embora houvesse casos em que foram provocados por informações desconexas e não confirmadas, segundo as quais a situação tinha melhorado, prevendo-se a volta aos quartéis das tropas que tinham sido enviadas para os postos fronteiriços.
Até à tarde do dia 17 de Dezembro, vários dos comandos ainda discordavam sobre se o Plano Sentinela estava em vigor.
É também nessa tarde de 17 de Dezembro (já decorriam combates), que chega de Portugal via Carachi, um carregamento de munições anti-carro «Instalaza» que tinha sido pedido, utilizando-se o nome de código «chouriços». Quando a carga é inspeccionada, conclui-se que foram enviados chouriços de carne, e não munições. O erro nunca foi devidamente esclarecido.
Por volta das 09:45 do dia 17, as tropas da União Indiana ocupam a localidade de Maulinguém, a Norte-Nordeste, matando dois militares portugueses. As forças portuguesas do 2º EREC, mantêm-se nas proximidades da localidade e pedem autorização para contra-atacar. Essa autorização é recusada por volta das 13:45.
Não é claro se o fez antes de recebida a ordem, mas o 2º EREC efectua um ataque ao posto tomado por dois pelotões indianos, expulsando as tropas invasoras, que retiram. O posto é reocupado e as tropas assumem posições defensivas.
É durante a tarde do dia 17 que mais uma modificação do «Plano Sentinela» coloca unidades sob a dependência directa do Quartel General, que passa a dar ordens directamente às forças, passando por cima do comando de cada uma das regiões (agrupamentos). É cumprindo essa determinação que, às 21:00, o QG dá ordens aos dois esquadrões- 1º e 2º EREC - para iniciarem as preparações para a retirada em direcção a Assonará. A retirada tinha sido antecipada pelo 1º EREC, pelo que decorre rapidamente.
Às 21:30 são pela primeira vez referenciadas viatura do lado indiano, na região de Doromagogo. Uma força de reconhecimento do 1º EREC é enviada às 02:00 do dia 18 para investigar e apoiar a retirada das forças de polícia que ainda ali se encontrassem. A área estava na altura sob bombardeamento de artilharia indiana, mas os militares mantiveram-se dentro das auto-metralhadoras.
Esta força é alvejada por tropas indianas na sua viagem de retorno, tendo respondido com fogo de auto-metralhadora, e posto em debandada a tropa indiana, que deixaram alguns mortos no terreno. A força indiana tomou o ruído do escape roto de uma das duas auto-metralhadoras pelo ruído de carros de combate pesados. Havia na área, carros de combate AMX-13 indianos, que poderiam ter sido utilizados com toda a facilidade, não fosse o receio de encontrar carros de combate portugueses que não existiam.
Pelas 22:30, o agrupamento centro continua sem saber exactamente com que forças conta. Ninguém parece saber ao certo quem comanda o 2º EREC, que deveria passar para o comando do agrupamento centro logo que entrasse em execução o «Plano Sentinela».
Dia 18
É por volta das 04:00 às 04:30 da madrugada de 18 de Dezembro que se inicia o bombardeamento de artilharia sobre posições portuguesas mais a sul em Maulinguém, onde também são referenciados carros de combate. O 2º EREC deixa de ter contacto rádio nesta altura.
Às 04:30 Bicholim está debaixo de fogo e pelas 04:40 as forças portuguesas destroem a ponte naquela localidade. Também a ponte sobre o rio Chaporá em Colvale é preparada para destruição. Às 05:00 da manhã, perante a aproximação de carros de combate indianos é destruída a ponte em Assonorá.
A esta hora, o agrupamento Centro, inicia as operações que lhe estão destinadas para atrasar a eventual progressão de forças inimigas. Às 05:30, as tropas portuguesas saem do quartel de Pondá em direcção a Usgão, marchando na direcção das forças inimigas. Pelas 07:00 o comando da força é informado da situação do 2º EREC com que não tinha conseguido contactar. Aquela força (que estava na dependência do comando do agrupamento centro) tinha sido forçada a recuar, perante a pressão indiana. São emitidas novas ordens, tendo em consideração que os objectivos estavam já nas mãos do inimigo.
06:00 – O agrupamento sul é oficialmente informado de que a«Operação Sentinela» teve início. Às 07:00 da manhã, forças indianas bombardeiam o aeroporto de Dabolim.
Por volta das 08:00 da manhã o agrupamento centro é informado da continuação do avanço das forças da União Indiana, que avançam em direcção a Ondá, de onde as forças portuguesas são obrigadas a retirar. Este avanço, pela sua velocidade, poderia implicar o isolamento do destacamento que se encontra em Molem, pelo que estas tropas recebem ordem para retirar para Darbandorá logo que estabeleçam contacto com o inimigo.
08:30 – As forças da União Indiana invadem a fronteira sul, em Polém.
Às 09:00 os receios do comando do agrupamento centro justificam-se, pois chega informação de que o inimigo está numa posição a meio caminho entre Usgão e Onda.
A essa mesma hora, o «Plano Sentinela» começa a ser posto em prática pelo agrupamento Sul. É destruída a ponte de Ordofondo, para dificultar a progressão inimiga.
10:00 - No sector Norte, as tropas portuguesas continuam a retirada durante a manhã, conforme os planos, e sob fogo da artilharia indiana, que corrige o tiro à medida que as forças de infantaria avançam. As tropas portuguesas retiram para os arrabaldes a norte de Mapuçá, mas entre as 12:00 e as 13:00 são assinaladas forças hostis já dentro daquela localidade, impedindo a retirada das forças portuguesas, que se arriscam a ficar cercadas.
Forças do 1º EREC retiram através das ruas de Mapuçá, com as auto-metralhadoras à frente disparando para cobrir a retirada das viaturas de transporte de pessoal, passando por entre as forças hostis sem sofrer baixas. Dirigem-se para sul para o Ferry-Boat que os deverá levar para Pangim.
10:00 - Forças do 3º EREC (agrupamento centro) efectuam as destruições previstas em Darbandorá, retirando de seguida para Curchurem, rumo a Sul, via Daucondá.
11:00 - As forças do agrupamento centro, que deviam retirar para a ilha de Goa (2º EREC) passam pela ponte de Candeapar. A força corre no entanto o risco de ficar isolada, pois no seu eixo de retirada está a ponte de Banastrim, que está prestes a ser destruída, por causa da aproximação das forças indianas que ocupam Piligão.
Também às 11:00, forças do 4º EREC (agrupamento Sul) entram em contacto com o inimigo que avança a partir da Polém.
Nesta altura, meio-dia, tem início o combate entre o Aviso Afonso de Albuquerque e vários navios da marinha da Índia. O navio é fortemente atingido e conforme planeado é encalhado na proximidade de uma das praias da foz do rio Mandovi. Ainda é atingida uma fragata indiana, que se retira.
12:30 – O comando do agrupamento centro passa a ponte de Borim, que é destruída precisamente às 13:00 dirigindo-se para a península de Mormugão. As forças do agrupamento centro passam a estar sob controlo do comando do agrupamento Sul.
13:30 - É destruída a ponte de Banastrim, depois de todas as forças e destacamentos do agrupamento centro a terem atravessado. É assim cortada a única ligação por terra com a Ilha de Goa (ou ilha de Tissuary).
14:00 – Uma ordem incorrectamente interpretada leva o 4ºEREC a retirar de Bali para Norte, para Nuvem. Quando ali chegou, às 15:30, foi mandado reocupar as posições anteriores. Temendo a falta de combustível, são-lhe dadas novas instruções para tomar posição a sul de Margão em Chinchinim.
16:00 – O 3º EREC recebe ordens para destruir a ponte de Quepem.
Pelas 17:45, as forças do 1º EREC e da 9ª CC (Agrupamento Norte) completaram a sua travessia do rio Mandovi em direcção a Pangim, na ilha de Goa. O último a retirar é o comandante do esquadrão. Nessa altura aparecem na margem Norte, carros de combate indianos, ao mesmo tempo que a artilharia se prepara para bombardear a cidade de Pangim. Os carros não podem atravessar o rio, mas a artilharia pode destruir a cidade, bem assim como Velha Goa.
18:00 – As forças da União Indiana atravessam o rio Zuari, para a ilha de Goa, utilizando transportes de minério.
Na ilha de Goa, uma vez que o agrupamento Norte não tem armas anti-carro nem artilharia, não pode responder nem ao fogo da artilharia inimiga nem ao fogo dos carros de combate que disparam em movimento.
Perante a situação, e na perspectiva de as forças da União Indiana provocarem um massacre sobre a população civil, o comandante do agrupamento Norte propõe a negociação da rendição.
22:00 – A capital de Goa, cidade de Pangim, é ocupada por forças da União Indiana.
Além de Damão e de Diu, de dimensões muito menores, o território de Goa, estava dividido em três áreas.
A região norte
- Delimitada a Norte e a Nordeste pela fronteira com a U.I.. A Leste, pela região centro e a Oeste pelo Oceano. No seu extremo Sul encontrava-se a ilha de Tissuary, onde se localizava Velha Goa e Pangim. A região era atravessada por vários rios, o que levava a que a melhor defesa contra o avanço de forças inimigas fosse a destruição de pontes. A região é plana e propicia à utilização de forças motorizadas.
Região centro
- Delimitada a Norte e a Leste pela U.I. e a Sul pela região Sul – esta região tinha algumas elevações, que implicavam a necessidade de utilizar as estradas, não sendo das mais adequadas para a progressão de forças mecanizadas. Também era necessário atravessar alguns cursos de água para prosseguir em direcção a Oeste, onde se encontrava concentrada a administração do território.
O agrupamento que defendia esta região, era constituído por forças cedidas pelos agrupamentos Norte e Sul, e só seria efectivamente formado quando se iniciasse a “Operação Sentinela”. Ou seja, o agrupamento era criado para retirar.
Região Sul - Delimitada a Norte pela região centro, a Sul e a Leste pela U.I., e a Oeste pelo oceano. Esta região era também delimitada no seu extremo Noroeste pela pequena região da península de Mormugão. A região tinha alguma protecção dada pelos rios a Sul. Na área a Sudeste, uma linha de elevações, que em alguns casos atingem os 600m, torna a evolução de forças militares complicada. Isto implica que a evolução no sentido Sul-Norte se tinha forçosamente que fazer pela zona junto à costa. Além das elevações, no sector Leste existiam áreas irregulares, alagadas durante a monção. No entanto a invasão dá-se durante a época mais seca.
O comando desta região estava em Navelim, e a Noroeste desta posição estava a localidade de Margão, que era um entroncamento rodoviário por onde também passava a linha ferroviária. A Norte-Nordeste da localidade encontra-se uma elevação (chamada Monte Margão) onde se encontrava a 1ª bateria de artilharia.
Região de Mormugão
- Uma quarta área fora criada já nos anos 60, correspondente à península de Mormugão, onde se encontrava a cidade de Vasco da Gama, o aeroporto de Goa e o porto de Mormugão. Num plano defensivo, e havendo possibilidade de evacuação, esse seria o mais adequado ponto para organizar uma resistência eficaz. A possibilidade de receber abastecimentos estaria em princípio assegurada, fosse por via aérea ou por via marítima.
A situação em 1961
Durante os anos 50, o efectivo total de tropas portuguesas no Estado da Índia atingiu os 12.000 homens e três navios de guerra. Mas no início de 1961, e após uma visita do Gen. Costa Gomes, considerando-se que mesmo esses efectivos não poderiam deter uma invasão indiana, o governo transferiu grande parte das tropas para África, após os sangrentos atentados terroristas em Angola.
Por isso, em meados de 1961, o efectivo cifrava-se em cerca de 3.500 homens. Mas se a enorme redução dos efectivos era problemática, mais problemática era a péssima qualidade do armamento disponível, a falta de munições e o estado de treino dos militares. O sistema de comunicações, que em caso de necessidade deveria permitir a coordenação de acções dos vários destacamentos, praticamente não existia. Isto levava a que as comunicações fossem feitas através de estafetas.
O plano de defesa de Goa, chamado de «Plano Sentinela», dividia o principal território do Estado da Índia em quatro sectores, e as forças atribuídas a cada um deles tinham como principal tarefa atrasar a progressão de forças inimigas em caso de um eventual ataque. Sabendo que o principal problema seria a desestabilização provocada por atentados terroristas que pudessem servir para justificar uma invasão, os principais esforços foram dedicados ao policiamento e à manutenção da ordem pública.
Os quatro sectores de defesa acima referidos tinham os seus postos de comando estrategicamente colocados. Em teoria, deveriam permitir suportar um anel interno de defesa, aproveitando a disposição dos rios a Norte e a Leste. A Sul, a situação era mais complexa, pois a não existência de obstáculos geográficos (rios ou montes) tornava a defesa muito mais complexa.
Ainda assim, e mesmo considerando que a região Norte era a mais propícia ao avanço de forças mecanizadas, era dali que se esperava o principal avanço em caso de invasão. A União Indiana poderia utilizar meios anfíbios para garantir o atravessamento dos rios em apenas alguns dias ou mesmo horas.
O dispositivo português não contava com nenhum tipo de protecção aérea. Havia apenas alguns exemplares de armas anti-aéreas de 20mm e de 40mm Bofors. Não havia aeronaves de combate portuguesas no Estado da Índia. Em 1961 alguns caças F-86 tinham sido transferidos para a Guiné, mas não há notícia de se ter considerado a possibilidade da sua utilização na Índia, ainda mais tratando-se de material fornecido ao abrigo de acordos com a NATO.
A defesa costeira que tinha sido, juntamente com a presença naval, a razão da manutenção das praças, era inexistente em qualquer das parcelas do Estado da Índia. A única capacidade de defesa costeira que existia dependia do único navio que se encontrava na região, o Aviso Afonso de Albuquerque, armado com quatro peças de 120mm.
A artilharia era constituída por peças de campanha de 87.6mm (25 libras) que curiosamente também eram utilizadas pelo exército indiano. Aparentemente, também tinham sido distribuídas algumas peças anti-tanque de 57mm, embora não houvesse munição para elas.
As forças portuguesas foram distribuídas de forma a que os esquadrões de reconhecimento (as unidades com maior mobilidade) pudessem retirar de forma ordeira garantindo ainda assim algum poder de fogo. A artilharia foi colocada a Sul e na península de Mormugão, lugar onde não havia nenhum obstáculo à progressão das forças da União Indiana. De qualquer forma, essas unidades estavam mal equipadas. Os esquadrões de reconhecimento utilizavam auto-metralhadoras Humber e viaturas de transporte de pessoal de origem norte-americana do período da II Guerra Mundial. Eram viaturas com 20 anos, num clima tropical húmido e com pouca possibilidade de manutenção.
É também importante notar que, segundo afirmam vários militares presentes em Goa na altura, a União Indiana parecia estar informada sobre as intenções portuguesas e aparentemente tinha conhecimento da estrutura do plano defensivo português. Tal conhecimento no entanto, não parece ter sido total, dado vários incidentes que fazem parte dos relatórios, e testemunhos publicados, permitirem concluir que havia dados sobre as forças portuguesas que não eram pura e simplesmente do conhecimento das forças indianas, ou então não tinham sido transmitidos às unidades que invadiram aqueles territórios portugueses.
A invasão
Embora tenham ocorrido confrontos entre forças de Portugal e da União Indiana alguns dias antes, podemos afirmar que as operações militares convencionais tiveram início na manhã do dia 17 de Dezembro de 1961.
Nesse dia, a União Indiana possuía forças em ordem de marcha que totalizavam 70.000 homens em armas, preparados para intervir. Desses, 45.000 constituíam o efectivo das unidades prontas para a invasão imediata do Estado da Índia, embora muitas das unidades indianas não tenham chegado a utilizar todos os efectivos na operação. Em situação de reserva, estavam unidades que permitiam disponibilizar mais 25.000 militares em caso de necessidade.
O resultado foi que houve situações na região norte, em que as tropas foram enviadas para pontos pré-definidos onde deveriam atrasar a progressão das forças da União Indiana, e tiveram que recorrer às rações de combate que transportavam. Quando o verdadeiro ataque ocorreu, as tropas já tinham consumido as rações de combate que tinham disponíveis. Os problemas logísticos eram evidentes, embora houvesse casos em que foram provocados por informações desconexas e não confirmadas, segundo as quais a situação tinha melhorado, prevendo-se a volta aos quartéis das tropas que tinham sido enviadas para os postos fronteiriços.
Até à tarde do dia 17 de Dezembro, vários dos comandos ainda discordavam sobre se o Plano Sentinela estava em vigor.
É também nessa tarde de 17 de Dezembro (já decorriam combates), que chega de Portugal via Carachi, um carregamento de munições anti-carro «Instalaza» que tinha sido pedido, utilizando-se o nome de código «chouriços». Quando a carga é inspeccionada, conclui-se que foram enviados chouriços de carne, e não munições. O erro nunca foi devidamente esclarecido.
Por volta das 09:45 do dia 17, as tropas da União Indiana ocupam a localidade de Maulinguém, a Norte-Nordeste, matando dois militares portugueses. As forças portuguesas do 2º EREC, mantêm-se nas proximidades da localidade e pedem autorização para contra-atacar. Essa autorização é recusada por volta das 13:45.
Não é claro se o fez antes de recebida a ordem, mas o 2º EREC efectua um ataque ao posto tomado por dois pelotões indianos, expulsando as tropas invasoras, que retiram. O posto é reocupado e as tropas assumem posições defensivas.
É durante a tarde do dia 17 que mais uma modificação do «Plano Sentinela» coloca unidades sob a dependência directa do Quartel General, que passa a dar ordens directamente às forças, passando por cima do comando de cada uma das regiões (agrupamentos). É cumprindo essa determinação que, às 21:00, o QG dá ordens aos dois esquadrões- 1º e 2º EREC - para iniciarem as preparações para a retirada em direcção a Assonará. A retirada tinha sido antecipada pelo 1º EREC, pelo que decorre rapidamente.
Às 21:30 são pela primeira vez referenciadas viatura do lado indiano, na região de Doromagogo. Uma força de reconhecimento do 1º EREC é enviada às 02:00 do dia 18 para investigar e apoiar a retirada das forças de polícia que ainda ali se encontrassem. A área estava na altura sob bombardeamento de artilharia indiana, mas os militares mantiveram-se dentro das auto-metralhadoras.
Esta força é alvejada por tropas indianas na sua viagem de retorno, tendo respondido com fogo de auto-metralhadora, e posto em debandada a tropa indiana, que deixaram alguns mortos no terreno. A força indiana tomou o ruído do escape roto de uma das duas auto-metralhadoras pelo ruído de carros de combate pesados. Havia na área, carros de combate AMX-13 indianos, que poderiam ter sido utilizados com toda a facilidade, não fosse o receio de encontrar carros de combate portugueses que não existiam.
Pelas 22:30, o agrupamento centro continua sem saber exactamente com que forças conta. Ninguém parece saber ao certo quem comanda o 2º EREC, que deveria passar para o comando do agrupamento centro logo que entrasse em execução o «Plano Sentinela».
Dia 18
É por volta das 04:00 às 04:30 da madrugada de 18 de Dezembro que se inicia o bombardeamento de artilharia sobre posições portuguesas mais a sul em Maulinguém, onde também são referenciados carros de combate. O 2º EREC deixa de ter contacto rádio nesta altura.
Às 04:30 Bicholim está debaixo de fogo e pelas 04:40 as forças portuguesas destroem a ponte naquela localidade. Também a ponte sobre o rio Chaporá em Colvale é preparada para destruição. Às 05:00 da manhã, perante a aproximação de carros de combate indianos é destruída a ponte em Assonorá.
A esta hora, o agrupamento Centro, inicia as operações que lhe estão destinadas para atrasar a eventual progressão de forças inimigas. Às 05:30, as tropas portuguesas saem do quartel de Pondá em direcção a Usgão, marchando na direcção das forças inimigas. Pelas 07:00 o comando da força é informado da situação do 2º EREC com que não tinha conseguido contactar. Aquela força (que estava na dependência do comando do agrupamento centro) tinha sido forçada a recuar, perante a pressão indiana. São emitidas novas ordens, tendo em consideração que os objectivos estavam já nas mãos do inimigo.
06:00 – O agrupamento sul é oficialmente informado de que a«Operação Sentinela» teve início. Às 07:00 da manhã, forças indianas bombardeiam o aeroporto de Dabolim.
Por volta das 08:00 da manhã o agrupamento centro é informado da continuação do avanço das forças da União Indiana, que avançam em direcção a Ondá, de onde as forças portuguesas são obrigadas a retirar. Este avanço, pela sua velocidade, poderia implicar o isolamento do destacamento que se encontra em Molem, pelo que estas tropas recebem ordem para retirar para Darbandorá logo que estabeleçam contacto com o inimigo.
08:30 – As forças da União Indiana invadem a fronteira sul, em Polém.
Às 09:00 os receios do comando do agrupamento centro justificam-se, pois chega informação de que o inimigo está numa posição a meio caminho entre Usgão e Onda.
A essa mesma hora, o «Plano Sentinela» começa a ser posto em prática pelo agrupamento Sul. É destruída a ponte de Ordofondo, para dificultar a progressão inimiga.
10:00 - No sector Norte, as tropas portuguesas continuam a retirada durante a manhã, conforme os planos, e sob fogo da artilharia indiana, que corrige o tiro à medida que as forças de infantaria avançam. As tropas portuguesas retiram para os arrabaldes a norte de Mapuçá, mas entre as 12:00 e as 13:00 são assinaladas forças hostis já dentro daquela localidade, impedindo a retirada das forças portuguesas, que se arriscam a ficar cercadas.
Forças do 1º EREC retiram através das ruas de Mapuçá, com as auto-metralhadoras à frente disparando para cobrir a retirada das viaturas de transporte de pessoal, passando por entre as forças hostis sem sofrer baixas. Dirigem-se para sul para o Ferry-Boat que os deverá levar para Pangim.
10:00 - Forças do 3º EREC (agrupamento centro) efectuam as destruições previstas em Darbandorá, retirando de seguida para Curchurem, rumo a Sul, via Daucondá.
11:00 - As forças do agrupamento centro, que deviam retirar para a ilha de Goa (2º EREC) passam pela ponte de Candeapar. A força corre no entanto o risco de ficar isolada, pois no seu eixo de retirada está a ponte de Banastrim, que está prestes a ser destruída, por causa da aproximação das forças indianas que ocupam Piligão.
Também às 11:00, forças do 4º EREC (agrupamento Sul) entram em contacto com o inimigo que avança a partir da Polém.
Nesta altura, meio-dia, tem início o combate entre o Aviso Afonso de Albuquerque e vários navios da marinha da Índia. O navio é fortemente atingido e conforme planeado é encalhado na proximidade de uma das praias da foz do rio Mandovi. Ainda é atingida uma fragata indiana, que se retira.
12:30 – O comando do agrupamento centro passa a ponte de Borim, que é destruída precisamente às 13:00 dirigindo-se para a península de Mormugão. As forças do agrupamento centro passam a estar sob controlo do comando do agrupamento Sul.
13:30 - É destruída a ponte de Banastrim, depois de todas as forças e destacamentos do agrupamento centro a terem atravessado. É assim cortada a única ligação por terra com a Ilha de Goa (ou ilha de Tissuary).
14:00 – Uma ordem incorrectamente interpretada leva o 4ºEREC a retirar de Bali para Norte, para Nuvem. Quando ali chegou, às 15:30, foi mandado reocupar as posições anteriores. Temendo a falta de combustível, são-lhe dadas novas instruções para tomar posição a sul de Margão em Chinchinim.
16:00 – O 3º EREC recebe ordens para destruir a ponte de Quepem.
Pelas 17:45, as forças do 1º EREC e da 9ª CC (Agrupamento Norte) completaram a sua travessia do rio Mandovi em direcção a Pangim, na ilha de Goa. O último a retirar é o comandante do esquadrão. Nessa altura aparecem na margem Norte, carros de combate indianos, ao mesmo tempo que a artilharia se prepara para bombardear a cidade de Pangim. Os carros não podem atravessar o rio, mas a artilharia pode destruir a cidade, bem assim como Velha Goa.
18:00 – As forças da União Indiana atravessam o rio Zuari, para a ilha de Goa, utilizando transportes de minério.
Na ilha de Goa, uma vez que o agrupamento Norte não tem armas anti-carro nem artilharia, não pode responder nem ao fogo da artilharia inimiga nem ao fogo dos carros de combate que disparam em movimento.
Perante a situação, e na perspectiva de as forças da União Indiana provocarem um massacre sobre a população civil, o comandante do agrupamento Norte propõe a negociação da rendição.
22:00 – A capital de Goa, cidade de Pangim, é ocupada por forças da União Indiana.
f) A Invasão de Damão
Com 50km quadrados de extensão, Damão tinha uma população estimada em 22.000 habitantes e dividia-se em duas parcelas, separadas pelo rio Sandalcalo. A parcela sul, de menores dimensões, era chamada de Damão-Grande (por causa da enorme fortaleza que ali se encontrava), e a outra de maiores dimensões, era chamada de Damão-Pequeno, também por causa da dimensão muito menor do fortim na margem norte do rio Sandalcalo.
Em Damão, encontravam-se duas companhias de caçadores e uma bateria de artilharia. O armamento das forças era idêntico ao que se encontrava nos restantes territórios. Relativamente antigo e com munição insuficiente ou fora do prazo de validade, o que levava a que muitas vezes as granadas não explodissem.
As operações militares da Índia tiveram início bastante tempo antes da invasão, com as violações do espaço aéreo por parte da aviação indiana, tanto com aeronaves de asa fixa como com helicópteros.
Para a invasão, as forças da União Indiana prepararam um efectivo que ascendia a 4.000 homens, constituído por forças regulares e forças do SRP (State Reserve Police).
As forças portuguesas tinham também recebido, cerca de dez dias antes da invasão, um canhão anti-aéreo de 20mm destinado a proteger a artilharia. Damão tinha sido protegido com pequenos campos de minas e tinham sido construídos abrigos defensivos.
18 de Dezembro
A acção militar contra Damão teve início por volta das 02:00 da manhã do dia 18 de Dezembro, contra o posto de Benselor.
Às 04:00, praticamente todos os postos da União Indiana começam a fazer fogo de armas ligeiras contra as posições portuguesas ao longo de toda a fronteira. As forças indianas avançadas constituídas por um batalhão a três companhias (900 homens, segundo fonte indiana) progridem pela área central do território norte, tendo como objectivo tomar o aeroporto.
Os oito militares portugueses nessa posição foram surpreendidos, tendo resistido até que as suas posições foram
tomadas.
04:15 – Forças da União Indiana avançam sobre Calicachigão.
Até esta altura o comando do agrupamento de Damão ainda considerava que se estava perante um dos muitos incidentes de fronteira que já tinham ocorrido.
04:30 – A artilharia da União Indiana inicia um bombardeamento sobre a fortaleza de Damão Grande.
04:45 – Logo que se iniciou o bombardeamento, a artilharia portuguesa recebe ordens para fazer fogo de contra-bateria sobre as posições indianas em Cuntá, onde os cálculos de tiro consideravam estar a artilharia inimiga.
Os ataques indianos e as dificuldades de transporte fizeram com que o comando em Damão Grande (sul) ficasse praticamente isolado das forças em Damão-Pequeno.
07:00 – Um grupo de militares enviado ao aeroporto para verificar a situação é surpreendido pelas forças indianas que já ali se encontravam.
07:30 – O território de Damão é sobrevoado por aviões a jacto e de seguida atacado violentamente com bombas e foguetes. Este ataque dura meia hora.
A esta altura, informados pelo grupo de reconhecimento que se tinha deslocado ao aeroporto, as forças portuguesas em Damão Pequeno (norte), na fortaleza de S. Jerónimo, atacam as tropas indianas no aeroporto com fogo de morteiro.
08:30 – As posições portuguesas junto da fronteira em Damão-Grande (sul) informam que estão a ser atacadas pela artilharia indiana, recebendo ordens para se posicionarem nas posições defensivas previamente estabelecidas.
Também às 08:30 a artilharia indiana responde ao ataque português contra o aeroporto, atacando Damão-Pequeno.
09:30 – Ocorre o segundo ataque da aviação da União Indiana. Dois jactos bombardeiam a cidade, matando civis mas não atingindo qualquer objectivo militar.
10:00 – As forças portuguesas na fortaleza de S. Jerónimo (Damão-Pequeno) que estavam a fazer fogo de morteiro contra o aeroporto começaram a ser atacadas por fogo de contra-bateria da artilharia indiana. A força é obrigada a mudar de posição. A pontaria da artilharia indiana foi no entanto considerada pouco eficaz.
À mesma hora, o Maj. Costa Pinto, comandante do agrupamento de Damão, atravessa o rio de sul para norte, para se inteirar da situação, dado aparentemente o avanço das forças indianas só se verificar naquela área.
10:30 – É atacado o posto de Cátria, resultando na morte de um polícia.
11:00 – Ocorre o terceiro ataque da aviação da União Indiana. Os aviões atacam a área da frente de combate e a fortaleza de S. Jerónimo, onde tinham referenciado a origem dos disparos de morteiro portugueses. É violentamente atacado o posto de Bimpor, onde a resistência portuguesa tinha sido eficiente. O ataque não tem consequências porque as forças portuguesas estão protegidas pelas trincheiras previamente escavadas. Bimpor resistirá por mais duas horas, até retirar para Marvor.
11:30 – As forças portuguesas em Varacunda, esgotaram as suas munições. O posto ainda é remuniciado, sendo enviada uma viatura debaixo de fogo do inimigo.
12:00 – Sem munições para continuar a combater, é abandonado o posto de Benselor, retirando em boa ordem para Cátria. Esta retirada facilita a progressão das forças indianas. O comandante do agrupamento ordena que a artilharia que se encontra na margem sul do rio Sandalcalo (Damão Grande) ataque as posições indianas em Cuntá, para continuar a manter a pressão sobre o inimigo.
No entanto, a ordem não é cumprida. Aparentemente, na falta de outras instruções, o comandante da Bateria (Cap. Felgueiras de Sousa) terá decidido içar bandeiras brancas, ordenando a destruição do material.
Gera-se confusão por causa de ordens emitidas pelo comandante da Bateria de Artilharia, sobre a rendição da praça. Ordens são dadas aos gritos, de ambos os lados do rio. Aparentemente, o comandante da Bateria de artilharia deu ordens de rendição às restantes forças na margem norte, sem que para isso tivesse qualquer autoridade, e sem ter recebido ordem de rendição do comandante do agrupamento.
13:00 – Os vários postos na fronteira no extremo leste, de Calicachigão a Atiavar, vão ficando sem munições e retiram para Damão Pequeno.
14:00 – Ocorre o quarto bombardeamento da força aérea da União Indiana. O ataque incide sobre Damão Pequeno, onde se concentrava o principal foco de defesa, em Damão Pequeno, na margem norte do rio Sandalcalo.
16:00 – A infantaria portuguesa, que continua a fazer fogo de morteiro sobre as posições indianas, volta a mudar de posição, para evitar o fogo inimigo de contra-bateria.
16:30 – Perante a continuação do fogo, a aviação da Índia efectua o seu quinto ataque aéreo contra as posições portuguesas. Desta vez, é completamente destruído o posto de Cátria.
17:00 – As tropas portuguesas retiram de Cátria em direção à fortaleza em Damão Pequeno mas continuam a resistir.
17:30 – Ocorre o sexto ataque aéreo da aviação da União Indiana, desta vez recorrendo a bombas incendiárias. O bombardeamento mata seis civis e deixa outros feridos, mas não causa nenhuma baixa entre os militares.
No entanto, foi atingida uma embarcação que levava armas para a fortaleza de Damão Grande, tendo-se perdido armas e munições.
18:00 – A violência do ataque aéreo, desmoralizou consideravelmente as forças portuguesas, que retiram para sul, em direcção à fortaleza de Damão Grande, onde estavam hasteadas bandeiras brancas desde as 11:00.
É também por volta desta hora que é atingido numa perna por fogo inimigo o próprio comandante do agrupamento, sendo levado ao posto de socorros.
19:00 – No próprio posto de socorros decorre uma reunião para fazer o ponto da situação. Conclui-se que o dispositivo defensivo se encontra desarticulado, não sendo viável a continuação da resistência.
É dada ordem para entrar em contacto com as forças inimigas, a fim de estabelecer negociações.
20:00 - Quando uma delegação portuguesa se tenta aproximar das linhas inimigas para parlamentar, é recebida a tiro, matando um dos soldados que a acompanhava e é obrigada a retirar. As negociações não prosseguem, porque entretanto caiu a noite.
19 de Dezembro
07:00 – Com o raiar do dia ocorre o sétimo ataque aéreo contra Damão. Como ocorreu com quase todos os outros ataques, há a lamentar a morte de civis, não sendo atingidos militares.
08:00 – Uma delegação enviada pela bateria de artilharia para tentar parlamentar com o inimigo é mais uma vez recebida a tiro, e forçada a retirar.
Mais tarde, os indianos fazem transmitir a exigência de que seja o próprio comandante - que se encontrava ferido - a apresentar a rendição.
09:00 – O comandante do agrupamento de Damão, é transportado de maca até à quinta de Manekgi, nas proximidades do aeroporto onde o comandante indiano aceita a rendição das forças portuguesas.
Em Damão, encontravam-se duas companhias de caçadores e uma bateria de artilharia. O armamento das forças era idêntico ao que se encontrava nos restantes territórios. Relativamente antigo e com munição insuficiente ou fora do prazo de validade, o que levava a que muitas vezes as granadas não explodissem.
As operações militares da Índia tiveram início bastante tempo antes da invasão, com as violações do espaço aéreo por parte da aviação indiana, tanto com aeronaves de asa fixa como com helicópteros.
Para a invasão, as forças da União Indiana prepararam um efectivo que ascendia a 4.000 homens, constituído por forças regulares e forças do SRP (State Reserve Police).
As forças portuguesas tinham também recebido, cerca de dez dias antes da invasão, um canhão anti-aéreo de 20mm destinado a proteger a artilharia. Damão tinha sido protegido com pequenos campos de minas e tinham sido construídos abrigos defensivos.
18 de Dezembro
A acção militar contra Damão teve início por volta das 02:00 da manhã do dia 18 de Dezembro, contra o posto de Benselor.
Às 04:00, praticamente todos os postos da União Indiana começam a fazer fogo de armas ligeiras contra as posições portuguesas ao longo de toda a fronteira. As forças indianas avançadas constituídas por um batalhão a três companhias (900 homens, segundo fonte indiana) progridem pela área central do território norte, tendo como objectivo tomar o aeroporto.
Os oito militares portugueses nessa posição foram surpreendidos, tendo resistido até que as suas posições foram
tomadas.
04:15 – Forças da União Indiana avançam sobre Calicachigão.
Até esta altura o comando do agrupamento de Damão ainda considerava que se estava perante um dos muitos incidentes de fronteira que já tinham ocorrido.
04:30 – A artilharia da União Indiana inicia um bombardeamento sobre a fortaleza de Damão Grande.
04:45 – Logo que se iniciou o bombardeamento, a artilharia portuguesa recebe ordens para fazer fogo de contra-bateria sobre as posições indianas em Cuntá, onde os cálculos de tiro consideravam estar a artilharia inimiga.
Os ataques indianos e as dificuldades de transporte fizeram com que o comando em Damão Grande (sul) ficasse praticamente isolado das forças em Damão-Pequeno.
07:00 – Um grupo de militares enviado ao aeroporto para verificar a situação é surpreendido pelas forças indianas que já ali se encontravam.
07:30 – O território de Damão é sobrevoado por aviões a jacto e de seguida atacado violentamente com bombas e foguetes. Este ataque dura meia hora.
A esta altura, informados pelo grupo de reconhecimento que se tinha deslocado ao aeroporto, as forças portuguesas em Damão Pequeno (norte), na fortaleza de S. Jerónimo, atacam as tropas indianas no aeroporto com fogo de morteiro.
08:30 – As posições portuguesas junto da fronteira em Damão-Grande (sul) informam que estão a ser atacadas pela artilharia indiana, recebendo ordens para se posicionarem nas posições defensivas previamente estabelecidas.
Também às 08:30 a artilharia indiana responde ao ataque português contra o aeroporto, atacando Damão-Pequeno.
09:30 – Ocorre o segundo ataque da aviação da União Indiana. Dois jactos bombardeiam a cidade, matando civis mas não atingindo qualquer objectivo militar.
10:00 – As forças portuguesas na fortaleza de S. Jerónimo (Damão-Pequeno) que estavam a fazer fogo de morteiro contra o aeroporto começaram a ser atacadas por fogo de contra-bateria da artilharia indiana. A força é obrigada a mudar de posição. A pontaria da artilharia indiana foi no entanto considerada pouco eficaz.
À mesma hora, o Maj. Costa Pinto, comandante do agrupamento de Damão, atravessa o rio de sul para norte, para se inteirar da situação, dado aparentemente o avanço das forças indianas só se verificar naquela área.
10:30 – É atacado o posto de Cátria, resultando na morte de um polícia.
11:00 – Ocorre o terceiro ataque da aviação da União Indiana. Os aviões atacam a área da frente de combate e a fortaleza de S. Jerónimo, onde tinham referenciado a origem dos disparos de morteiro portugueses. É violentamente atacado o posto de Bimpor, onde a resistência portuguesa tinha sido eficiente. O ataque não tem consequências porque as forças portuguesas estão protegidas pelas trincheiras previamente escavadas. Bimpor resistirá por mais duas horas, até retirar para Marvor.
11:30 – As forças portuguesas em Varacunda, esgotaram as suas munições. O posto ainda é remuniciado, sendo enviada uma viatura debaixo de fogo do inimigo.
12:00 – Sem munições para continuar a combater, é abandonado o posto de Benselor, retirando em boa ordem para Cátria. Esta retirada facilita a progressão das forças indianas. O comandante do agrupamento ordena que a artilharia que se encontra na margem sul do rio Sandalcalo (Damão Grande) ataque as posições indianas em Cuntá, para continuar a manter a pressão sobre o inimigo.
No entanto, a ordem não é cumprida. Aparentemente, na falta de outras instruções, o comandante da Bateria (Cap. Felgueiras de Sousa) terá decidido içar bandeiras brancas, ordenando a destruição do material.
Gera-se confusão por causa de ordens emitidas pelo comandante da Bateria de Artilharia, sobre a rendição da praça. Ordens são dadas aos gritos, de ambos os lados do rio. Aparentemente, o comandante da Bateria de artilharia deu ordens de rendição às restantes forças na margem norte, sem que para isso tivesse qualquer autoridade, e sem ter recebido ordem de rendição do comandante do agrupamento.
13:00 – Os vários postos na fronteira no extremo leste, de Calicachigão a Atiavar, vão ficando sem munições e retiram para Damão Pequeno.
14:00 – Ocorre o quarto bombardeamento da força aérea da União Indiana. O ataque incide sobre Damão Pequeno, onde se concentrava o principal foco de defesa, em Damão Pequeno, na margem norte do rio Sandalcalo.
16:00 – A infantaria portuguesa, que continua a fazer fogo de morteiro sobre as posições indianas, volta a mudar de posição, para evitar o fogo inimigo de contra-bateria.
16:30 – Perante a continuação do fogo, a aviação da Índia efectua o seu quinto ataque aéreo contra as posições portuguesas. Desta vez, é completamente destruído o posto de Cátria.
17:00 – As tropas portuguesas retiram de Cátria em direção à fortaleza em Damão Pequeno mas continuam a resistir.
17:30 – Ocorre o sexto ataque aéreo da aviação da União Indiana, desta vez recorrendo a bombas incendiárias. O bombardeamento mata seis civis e deixa outros feridos, mas não causa nenhuma baixa entre os militares.
No entanto, foi atingida uma embarcação que levava armas para a fortaleza de Damão Grande, tendo-se perdido armas e munições.
18:00 – A violência do ataque aéreo, desmoralizou consideravelmente as forças portuguesas, que retiram para sul, em direcção à fortaleza de Damão Grande, onde estavam hasteadas bandeiras brancas desde as 11:00.
É também por volta desta hora que é atingido numa perna por fogo inimigo o próprio comandante do agrupamento, sendo levado ao posto de socorros.
19:00 – No próprio posto de socorros decorre uma reunião para fazer o ponto da situação. Conclui-se que o dispositivo defensivo se encontra desarticulado, não sendo viável a continuação da resistência.
É dada ordem para entrar em contacto com as forças inimigas, a fim de estabelecer negociações.
20:00 - Quando uma delegação portuguesa se tenta aproximar das linhas inimigas para parlamentar, é recebida a tiro, matando um dos soldados que a acompanhava e é obrigada a retirar. As negociações não prosseguem, porque entretanto caiu a noite.
19 de Dezembro
07:00 – Com o raiar do dia ocorre o sétimo ataque aéreo contra Damão. Como ocorreu com quase todos os outros ataques, há a lamentar a morte de civis, não sendo atingidos militares.
08:00 – Uma delegação enviada pela bateria de artilharia para tentar parlamentar com o inimigo é mais uma vez recebida a tiro, e forçada a retirar.
Mais tarde, os indianos fazem transmitir a exigência de que seja o próprio comandante - que se encontrava ferido - a apresentar a rendição.
09:00 – O comandante do agrupamento de Damão, é transportado de maca até à quinta de Manekgi, nas proximidades do aeroporto onde o comandante indiano aceita a rendição das forças portuguesas.
g) A invasão de Diu
Com 37km quadrados, Diu era o território mais pequeno do Estado da Índia. A sua população era aproximadamente a mesma de Damão (21.000 habitantes). Diu era um dos símbolos do império português. Ali decorreu a batalha que marcou o início do domínio marítimo português no Índico e se escreveram provavelmente algumas das mais gloriosas páginas da história militar portuguesa, de entre as quais se destaca o capitão António da Silveira, que resistiu em Diu aos Turcos em 1538. A fortaleza volta a resistir a um cerco em 1546.
No entanto, Diu era apenas um símbolo, pois a sua pequena dimensão e pouca importância económica tinha relegado o território para uma situação secundária.
Como nos outros territórios, também em Diu ocorreram várias violações do espaço aéreo e provocações por parte de forças irregulares da União Indiana, com o objectivo de justificar a invasão daquele território português.
Sabe-se que a 15 de Dezembro foram evacuadas populações civis indianas nas áreas próximas à fronteira, o que foi aliás correctamente interpretado como uma preparação para o ataque.
Uma curiosa ocorrência poderá ter alguma ligação com a possibilidade que se explora mais à frente.
No dia 16 de Dezembro, portanto na véspera do início das operações indianas contra Goa, ocorreu uma reunião entre o chefe da polícia da União Indiana da região e o seu homónimo português. Da conversa, a que faz referência o livro «A queda da Índia Portuguesa», de Carlos Alexandre de Morais, afirma-se que o polícia indiano pareceu estar em missão de recolha de informações.
Porém, o militar português terá respondido de forma evasiva ao indiano, tendo este alegadamente entendido que não haveria resposta portuguesa em caso de invasão, dado os postos defensivos não terem condições para enfrentar um ataque.
Aparentemente, as forças da União Indiana, tendo como referência esta afirmação, não contariam com resposta por parte dos portugueses. Foi dado grande relevo àquela afirmação, a qual chegou a ser divulgada pela rádio oficial indiana.
As forças indianas preparadas para a invasão deveriam contar com cerca de 4.500 homens.
17 de Dezembro
21:00 – A lancha Vega, faz-se ao mar no cumprimento da sua missão de patrulha.
23:00 – É enviada uma patrulha composta por quatro viaturas e duas peças de artilharia (supõe-se que se trate das peças de 87.6mm que estavam distribuídas às baterias de artilharia portuguesas) para a região leste da ilha.
Esta acção terá deixado as forças indianas confusas, pois não aguardavam movimentação portuguesa.
18 de Dezembro
01:30 – O posto da polícia de fronteira, na península de Gogolá é atacado por uma companhia inteira de atiradores do exército indiano. Em Gogolá, do lado português, estão treze homens. O ataque é rechaçado, mas as forças indianas voltam a atacar pelas 02:00 da manhã.
02:00 – A bateria de artilharia portuguesa recebe ordem para fazer fogo com as peças de 87.6mm e com morteiros, sobre a área das salinas para aliviar a pressão. O ataque português obriga as forças indianas a retroceder para as suas posições iniciais. Notou-se no entanto, que as armas foram carregadas várias vezes, sem que tenha sido possível disparar por causa de a munição já não se encontrar em condições.
Também às 02:00 da manhã, o posto de Passo Covo informa que a movimentação de muitas aves durante a noite denota a provável aproximação de forças inimigas.
03:00 – Pelo menos duas embarcações atravessam o rio em Passo Covo e desembarcam forças indianas. As tropas indianas são intimadas a parar e respondem com fogo.
04:00 – Um destacamento é enviado à península de Gogolá, para retirar os feridos e transportá-los para o posto médico. Em Gogolá, dos treze efectivos, dez estão feridos apenas três resistem às forças indianas.
05:30 – A artilharia portuguesa volta novamente a atacar as posições indianas na península de Gogolá, levando à debandada das forças inimigas.
Por volta das 06:00 da manhã, e ainda antes do nascer do sol, é avistada ao largo a silhueta de um grande navio. No entanto, o navio hasteou uma bandeira negra e vermelha, que as condições de luminosidade levaram a que fosse interpretada como sendo verde e vermelha. Nesse caso seria um navio português pelo que as tentativas de atacar o navio com artilharia foram canceladas.
06:30 – Em Passo Covo, o posto com os seus oito homens continua nas mãos dos portugueses e com o raiar do dia são encontradas embarcações abandonadas pelos indianos na sua retirada, ainda cheias de munições. É encontrado um ferido indiano, que é tratado e sinalizado com uma bandeira.
07:00 – Oito aeronaves indianas sobrevoam Diu e iniciam um bombardeamento, concentrando o fogo em Passo Seco e depois em Passo Covo. O ataque destruiu o emissor da rádio local de Goa, que tinha iniciado a sua emissão.
07:15 - Após o ataque aéreo, os oito militares de Passo Covo retiram das suas posições.
07:30 – O destacamento de Malala, após o ataque aéreo, também retira para a fortaleza.
07:45 – A fortaleza de Diu é atacada pela primeira vez, sendo especialmente atingidas as áreas onde se encontravam as posições da artilharia portuguesa, que durante a noite tinham atacado as forças indianas.
Desde as sete da manhã até às 15:00 a aviação continuou a efectuar ataques que chegaram a ser feitos com intervalos de dez minutos.
09:00 – A lancha Veja, é atacada e destruída por caça-bombardeiros da União Indiana (ver referência a vida do Segundo-Tenente Oliveira e Carmo, no ponto 4.º da secção “O meu diário de bordo”). À mesma hora os últimos dois homens abandonam o posto de Gogolá. Mais tarde as tropas indianas declaram a sua surpresa quando sabem quantos militares se encontravam em Gogolá.
10:15 – O cruzador Deli também começou a bombardear as posições portuguesas.
12:45 – Um dos morteiros das forças portuguesas é atingido por um foguete lançado pela aviação indiana. Segue-se um incêndio e teme-se o perigo de explosão de munições. Pouco depois, é atingida uma viatura que transporta munições e foguetes de sinalização, dificultando ainda mais a circulação na fortaleza.
O receio de que uma reacção em cadeia leve à explosão do paiol da bateria de artilharia leva a que a fortaleza seja evacuada, operação que só fica concluída às 14:15 e decorre debaixo de fogo.
15:00 – Os ataques aéreos, que continuaram ininterruptos durante toda a manhã, são interrompidos, mas o bombardeamento naval a partir do cruzador Deli, continua.
17:00 – A força aérea indiana volta a atacar as posições portuguesas, desta vez atacando fortemente o aeroporto.
18:00 – O comandante do agrupamento analisou a situação e como resultado de várias análises e pressupostos, de onde se ressaltam a incapacidade de contactar com os vários postos, e a continuação da actividade da aviação inimiga, conta a qual nada podia fazer, concluiu que a força não se encontrava em condições de prosseguir uma resistência eficaz.
Um grupo de militares dirige-se às forças indianas em Gogolá, atravessando o rio. Da reunião havida saiu um acordo provisório de cessar-fogo, em que as forças indianas se comprometiam a cessar fogo a partir das 08:00 da manhã do dia 19, caso cessasse o fogo da parte portuguesa.
19 de Dezembro
11:00 – A rendição formal que deveria ser realizada no largo frente ao Palácio do Governo, não pôde ter lugar, porque o dito palácio já se encontrava destruído, tendo sido transferida para a messe dos oficiais.
Consequências
São várias as consequências da invasão de Goa por parte da União Indiana, e fizeram-se sentir a vários níveis.
A consequência mais imediata foi o inevitável aumento de popularidade do primeiro-ministro português, Oliveira Salazar, e do seu vetusto regime.
A invasão foi considerada como uma afronta, e a reacção popular só teve comparação com a reacção ao Ultimatum britânico no final do século XIX.
Uma vez que os governantes portugueses, na sequência do golpe de estado e da revolução que se seguiu em 25 de Abril de 1974, optaram por entregar todos os territórios portugueses, a invasão de Goa foi colocada no mesmo «saco», e por isso mesmo apresentada mesmo em Portugal como legítima.
Essa tentativa de dar alguma legitimidade à invasão levou à rejeição e a que a repulsa que o acto gerou em Portugal a seguir a 1961 fosse esquecida após 1974. A invasão de Goa foi aproveitada pelo regime português e serviu como um dos principais argumentos para suportar envio maciço de tropas para os territórios africanos, que se seguiu.
É a invasão de Goa que dá a Salazar, provavelmente, o argumento mais forte para justificar uma guerra que Portugal não começara, mas que teria naturalmente de travar. Sem Goa, não haveria justificação para a frase icónica «Para Angola e em força», que se destinava a demonstrar a determinação de Portugal lutar para evitar ver-se reduzido à sua minúscula dimensão europeia. Nesse caso, Portugal estaria inevitavelmente condenado à extinção, através da sua eventual inclusão numa outra qualquer realidade nacional ou plurinacional, onde seria mais tarde ou mais cedo destruído, mercê da sua irrelevância.
Goa foi uma das razões que explica e também justifica a capacidade de resistência demonstrada pelos portugueses em África durante a década de 60 e início da década de 70, que levaria à vitória militar sobre os chamados movimentos de libertação.
Essa clara vitória militar - que é hoje praticamente indiscutível – para quem raciocinar utilizando um mínimo de senso comum foi resultado de um esforço que provavelmente não teria sido possível sem o apoio popular que a invasão de Goa possibilitou ao regime.
Mas também para a União Indiana houve consequências que não se podem escamotear.
A primeira foi para o próprio primeiro-ministro Nehru, cuja imagem de pacifista caiu completamente por terra.
Nos Estados Unidos, a imprensa retratou-o como um dos maiores hipócritas do século, ao levar a União Indiana a atacar um território a que legalmente não tinha direito.
Também na Europa, a maioria das democracias colocou-se ao lado de Portugal. Esse apoio, que obviamente não se traduziu em mais nada que isso, demonstrou no entanto que as posições do governo português tinham a sua validade, e colocaram a Índia numa posição menos favorável.
Por seu lado, a Índia, que inicialmente julgava ter enfrentado mais de 10.000 militares portugueses, não entendeu a fraqueza das forças que tinha defrontado, tendo errado dramaticamente na análise das suas próprias capacidades e não analisando os seus insucessos.
A China
Mas mais grave para a Índia, foi a interpretação dada pelos chineses aos acontecimentos de Goa.
Até 1961, os chineses haviam considerado que a Índia não agiria militarmente contra Goa e que não tomaria acções militares nos territórios de Aksai-Chin e Arunachal Pradesh.
Tratava-se de regiões onde existia um «Status-Quo», e que a China considerava parcialmente como suas, por não estar de acordo com a linha de divisão estabelecida pelos ingleses. Naquelas regiões não tinha ocorrido nenhuma movimentação militar, mas a Índia tinha começado a colocar postos de controlo, tentando estabelecer uma política de facto consumado.
A China preferia não aparecer perante o mundo como uma potência agressora, ainda mais perante uma Índia pacifista, que tinha grande influência junto dos Não-Alinhados.
Mas a acção indiana contra Goa alterou completamente a opinião dos líderes chineses, que passaram a ver a Índia como um potencial inimigo agressivo.
Tendo isto em consideração, logo em 1962 - menos de um ano após a invasão de Goa - durante o conflito nas montanhas que separavam a Índia da China e correspondentes às regiões disputadas, as tropas indianas foram alvo de uma humilhante derrota às mãos do exército chinês, quando a China ocupou grande parte dos territórios de Aksai-Chin e Arunachal Pradesh.
O próprio Nehru terá reconhecido, pouco antes de morrer, que a invasão de Goa fora o maior erro da sua carreira política.
Como consequência, podemos considerar que foi aberto o precedente de uma nação surgida a partir da colonização britânica ter violado as regras pré-estabelecidas de que, para aceder à independência, as fronteiras estabelecidas pelas potências administrantes deveriam ser respeitadas pelos novos países independentes. Esse princípio foi igualmente violado durante a invasão de Timor pela Indonésia, que em todos os aspectos fez naquele antigo território português exactamente a mesma coisa que a Índia já tinha feito em Goa, ainda que com resultados muito diferentes.”
No entanto, Diu era apenas um símbolo, pois a sua pequena dimensão e pouca importância económica tinha relegado o território para uma situação secundária.
Como nos outros territórios, também em Diu ocorreram várias violações do espaço aéreo e provocações por parte de forças irregulares da União Indiana, com o objectivo de justificar a invasão daquele território português.
Sabe-se que a 15 de Dezembro foram evacuadas populações civis indianas nas áreas próximas à fronteira, o que foi aliás correctamente interpretado como uma preparação para o ataque.
Uma curiosa ocorrência poderá ter alguma ligação com a possibilidade que se explora mais à frente.
No dia 16 de Dezembro, portanto na véspera do início das operações indianas contra Goa, ocorreu uma reunião entre o chefe da polícia da União Indiana da região e o seu homónimo português. Da conversa, a que faz referência o livro «A queda da Índia Portuguesa», de Carlos Alexandre de Morais, afirma-se que o polícia indiano pareceu estar em missão de recolha de informações.
Porém, o militar português terá respondido de forma evasiva ao indiano, tendo este alegadamente entendido que não haveria resposta portuguesa em caso de invasão, dado os postos defensivos não terem condições para enfrentar um ataque.
Aparentemente, as forças da União Indiana, tendo como referência esta afirmação, não contariam com resposta por parte dos portugueses. Foi dado grande relevo àquela afirmação, a qual chegou a ser divulgada pela rádio oficial indiana.
As forças indianas preparadas para a invasão deveriam contar com cerca de 4.500 homens.
17 de Dezembro
21:00 – A lancha Vega, faz-se ao mar no cumprimento da sua missão de patrulha.
23:00 – É enviada uma patrulha composta por quatro viaturas e duas peças de artilharia (supõe-se que se trate das peças de 87.6mm que estavam distribuídas às baterias de artilharia portuguesas) para a região leste da ilha.
Esta acção terá deixado as forças indianas confusas, pois não aguardavam movimentação portuguesa.
18 de Dezembro
01:30 – O posto da polícia de fronteira, na península de Gogolá é atacado por uma companhia inteira de atiradores do exército indiano. Em Gogolá, do lado português, estão treze homens. O ataque é rechaçado, mas as forças indianas voltam a atacar pelas 02:00 da manhã.
02:00 – A bateria de artilharia portuguesa recebe ordem para fazer fogo com as peças de 87.6mm e com morteiros, sobre a área das salinas para aliviar a pressão. O ataque português obriga as forças indianas a retroceder para as suas posições iniciais. Notou-se no entanto, que as armas foram carregadas várias vezes, sem que tenha sido possível disparar por causa de a munição já não se encontrar em condições.
Também às 02:00 da manhã, o posto de Passo Covo informa que a movimentação de muitas aves durante a noite denota a provável aproximação de forças inimigas.
03:00 – Pelo menos duas embarcações atravessam o rio em Passo Covo e desembarcam forças indianas. As tropas indianas são intimadas a parar e respondem com fogo.
04:00 – Um destacamento é enviado à península de Gogolá, para retirar os feridos e transportá-los para o posto médico. Em Gogolá, dos treze efectivos, dez estão feridos apenas três resistem às forças indianas.
05:30 – A artilharia portuguesa volta novamente a atacar as posições indianas na península de Gogolá, levando à debandada das forças inimigas.
Por volta das 06:00 da manhã, e ainda antes do nascer do sol, é avistada ao largo a silhueta de um grande navio. No entanto, o navio hasteou uma bandeira negra e vermelha, que as condições de luminosidade levaram a que fosse interpretada como sendo verde e vermelha. Nesse caso seria um navio português pelo que as tentativas de atacar o navio com artilharia foram canceladas.
06:30 – Em Passo Covo, o posto com os seus oito homens continua nas mãos dos portugueses e com o raiar do dia são encontradas embarcações abandonadas pelos indianos na sua retirada, ainda cheias de munições. É encontrado um ferido indiano, que é tratado e sinalizado com uma bandeira.
07:00 – Oito aeronaves indianas sobrevoam Diu e iniciam um bombardeamento, concentrando o fogo em Passo Seco e depois em Passo Covo. O ataque destruiu o emissor da rádio local de Goa, que tinha iniciado a sua emissão.
07:15 - Após o ataque aéreo, os oito militares de Passo Covo retiram das suas posições.
07:30 – O destacamento de Malala, após o ataque aéreo, também retira para a fortaleza.
07:45 – A fortaleza de Diu é atacada pela primeira vez, sendo especialmente atingidas as áreas onde se encontravam as posições da artilharia portuguesa, que durante a noite tinham atacado as forças indianas.
Desde as sete da manhã até às 15:00 a aviação continuou a efectuar ataques que chegaram a ser feitos com intervalos de dez minutos.
09:00 – A lancha Veja, é atacada e destruída por caça-bombardeiros da União Indiana (ver referência a vida do Segundo-Tenente Oliveira e Carmo, no ponto 4.º da secção “O meu diário de bordo”). À mesma hora os últimos dois homens abandonam o posto de Gogolá. Mais tarde as tropas indianas declaram a sua surpresa quando sabem quantos militares se encontravam em Gogolá.
10:15 – O cruzador Deli também começou a bombardear as posições portuguesas.
12:45 – Um dos morteiros das forças portuguesas é atingido por um foguete lançado pela aviação indiana. Segue-se um incêndio e teme-se o perigo de explosão de munições. Pouco depois, é atingida uma viatura que transporta munições e foguetes de sinalização, dificultando ainda mais a circulação na fortaleza.
O receio de que uma reacção em cadeia leve à explosão do paiol da bateria de artilharia leva a que a fortaleza seja evacuada, operação que só fica concluída às 14:15 e decorre debaixo de fogo.
15:00 – Os ataques aéreos, que continuaram ininterruptos durante toda a manhã, são interrompidos, mas o bombardeamento naval a partir do cruzador Deli, continua.
17:00 – A força aérea indiana volta a atacar as posições portuguesas, desta vez atacando fortemente o aeroporto.
18:00 – O comandante do agrupamento analisou a situação e como resultado de várias análises e pressupostos, de onde se ressaltam a incapacidade de contactar com os vários postos, e a continuação da actividade da aviação inimiga, conta a qual nada podia fazer, concluiu que a força não se encontrava em condições de prosseguir uma resistência eficaz.
Um grupo de militares dirige-se às forças indianas em Gogolá, atravessando o rio. Da reunião havida saiu um acordo provisório de cessar-fogo, em que as forças indianas se comprometiam a cessar fogo a partir das 08:00 da manhã do dia 19, caso cessasse o fogo da parte portuguesa.
19 de Dezembro
11:00 – A rendição formal que deveria ser realizada no largo frente ao Palácio do Governo, não pôde ter lugar, porque o dito palácio já se encontrava destruído, tendo sido transferida para a messe dos oficiais.
Consequências
São várias as consequências da invasão de Goa por parte da União Indiana, e fizeram-se sentir a vários níveis.
A consequência mais imediata foi o inevitável aumento de popularidade do primeiro-ministro português, Oliveira Salazar, e do seu vetusto regime.
A invasão foi considerada como uma afronta, e a reacção popular só teve comparação com a reacção ao Ultimatum britânico no final do século XIX.
Uma vez que os governantes portugueses, na sequência do golpe de estado e da revolução que se seguiu em 25 de Abril de 1974, optaram por entregar todos os territórios portugueses, a invasão de Goa foi colocada no mesmo «saco», e por isso mesmo apresentada mesmo em Portugal como legítima.
Essa tentativa de dar alguma legitimidade à invasão levou à rejeição e a que a repulsa que o acto gerou em Portugal a seguir a 1961 fosse esquecida após 1974. A invasão de Goa foi aproveitada pelo regime português e serviu como um dos principais argumentos para suportar envio maciço de tropas para os territórios africanos, que se seguiu.
É a invasão de Goa que dá a Salazar, provavelmente, o argumento mais forte para justificar uma guerra que Portugal não começara, mas que teria naturalmente de travar. Sem Goa, não haveria justificação para a frase icónica «Para Angola e em força», que se destinava a demonstrar a determinação de Portugal lutar para evitar ver-se reduzido à sua minúscula dimensão europeia. Nesse caso, Portugal estaria inevitavelmente condenado à extinção, através da sua eventual inclusão numa outra qualquer realidade nacional ou plurinacional, onde seria mais tarde ou mais cedo destruído, mercê da sua irrelevância.
Goa foi uma das razões que explica e também justifica a capacidade de resistência demonstrada pelos portugueses em África durante a década de 60 e início da década de 70, que levaria à vitória militar sobre os chamados movimentos de libertação.
Essa clara vitória militar - que é hoje praticamente indiscutível – para quem raciocinar utilizando um mínimo de senso comum foi resultado de um esforço que provavelmente não teria sido possível sem o apoio popular que a invasão de Goa possibilitou ao regime.
Mas também para a União Indiana houve consequências que não se podem escamotear.
A primeira foi para o próprio primeiro-ministro Nehru, cuja imagem de pacifista caiu completamente por terra.
Nos Estados Unidos, a imprensa retratou-o como um dos maiores hipócritas do século, ao levar a União Indiana a atacar um território a que legalmente não tinha direito.
Também na Europa, a maioria das democracias colocou-se ao lado de Portugal. Esse apoio, que obviamente não se traduziu em mais nada que isso, demonstrou no entanto que as posições do governo português tinham a sua validade, e colocaram a Índia numa posição menos favorável.
Por seu lado, a Índia, que inicialmente julgava ter enfrentado mais de 10.000 militares portugueses, não entendeu a fraqueza das forças que tinha defrontado, tendo errado dramaticamente na análise das suas próprias capacidades e não analisando os seus insucessos.
A China
Mas mais grave para a Índia, foi a interpretação dada pelos chineses aos acontecimentos de Goa.
Até 1961, os chineses haviam considerado que a Índia não agiria militarmente contra Goa e que não tomaria acções militares nos territórios de Aksai-Chin e Arunachal Pradesh.
Tratava-se de regiões onde existia um «Status-Quo», e que a China considerava parcialmente como suas, por não estar de acordo com a linha de divisão estabelecida pelos ingleses. Naquelas regiões não tinha ocorrido nenhuma movimentação militar, mas a Índia tinha começado a colocar postos de controlo, tentando estabelecer uma política de facto consumado.
A China preferia não aparecer perante o mundo como uma potência agressora, ainda mais perante uma Índia pacifista, que tinha grande influência junto dos Não-Alinhados.
Mas a acção indiana contra Goa alterou completamente a opinião dos líderes chineses, que passaram a ver a Índia como um potencial inimigo agressivo.
Tendo isto em consideração, logo em 1962 - menos de um ano após a invasão de Goa - durante o conflito nas montanhas que separavam a Índia da China e correspondentes às regiões disputadas, as tropas indianas foram alvo de uma humilhante derrota às mãos do exército chinês, quando a China ocupou grande parte dos territórios de Aksai-Chin e Arunachal Pradesh.
O próprio Nehru terá reconhecido, pouco antes de morrer, que a invasão de Goa fora o maior erro da sua carreira política.
Como consequência, podemos considerar que foi aberto o precedente de uma nação surgida a partir da colonização britânica ter violado as regras pré-estabelecidas de que, para aceder à independência, as fronteiras estabelecidas pelas potências administrantes deveriam ser respeitadas pelos novos países independentes. Esse princípio foi igualmente violado durante a invasão de Timor pela Indonésia, que em todos os aspectos fez naquele antigo território português exactamente a mesma coisa que a Índia já tinha feito em Goa, ainda que com resultados muito diferentes.”
O papel do Segundo-Tenente Oliveira e Carmo no último cerco de Diu - 1961

Jorge Manuel Catalão de Oliveira e Carmo nasceu em Santo Estêvão, Concelho de Alenquer, em Setembro de 1936.
Concluiu o curso secundário no Liceu Pedro Nunes em 1954, tendo ingressado na Escola do Exército em Outubro do mesmo ano para efectuar os estudos preparatórios ao ingresso na Escola Naval.
Promovido a Guarda-marinha em 1 de Maio de 1958, embarcou em vários navios, tendo também prestado serviço na Superintendência dos Serviços da Armada e no Comando da Flotilha de Patrulhas. Foi promovido a Segundo-Tenente no último dia daquele ano.
Serviu a bordo dos patrulhas “Boavista” e “Porto Santo” e na fragata “Pêro Escobar”, onde o seu elevado brio, o seu inquestionável sentido das responsabilidades e do dever e o seu exemplar aprumo militar foram alvo dos maiores elogios. Nomeado comandante da lancha de fiscalização “Vega”, a prestar serviço em Diu, para ali
partiu no Verão de 1961.
Naquele território, à semelhança dos restantes que faziam parte da Índia Portuguesa, pairava desde há muito a ameaça de anexação pela poderosa União Indiana. A temida invasão acabaria por se concretizar, de forma esmagadora, na madrugada de 18 de Dezembro de 1961. O combate extremamente desigual que se desenrolou constituiu o ponto culminante da curta carreira de Oliveira e Carmo, que no seu abnegado heroísmo viria a
escrever uma das mais gloriosas páginas da nossa História Naval.
O COMBATE
Tendo saído de Diu em 17 de Dezembro, a “Vega” fundeou frente a Nagoá às 22h00 desse dia. Na madrugada do dia 18, por volta das 01h40, foram ouvidos tiros em terra pela praça de serviço. Alertado, o Comandante manda ocupar postos de combate e suspender. Dirigiu-se então a lancha na direcção de um contacto radar não identificado que navegava a cerca de 12 milhas da costa. Por volta das 04h00, esse navio, visualmente identificado como um cruzador, lançou granadas iluminantes e abriu fogo de metralhadora pesada sobre a “Vega”, que retirou para Diu e fundeou.
Às 06h15 suspendeu e aproximou-se novamente do cruzador, onde foi vista, içada no mastro, a bandeira da União Indiana. A lancha regressou ao fundeadouro e Oliveira e Carmo fardou-se de branco para, segundo afirmou, morrer com mais honra.
Às 07h00 foram avistados aviões a jacto efectuando bombardeamento sobre terra. O Comandante reuniu a guarnição e leu-lhes as ordens do Estado-Maior da Armada, segundo as quais a lancha deveria combater até ao último cartucho.
Cerca das 07h30 aproximaram-se dois aviões para bombardear a Fortaleza e Oliveira e Carmo mandou abrir fogo sobre eles com a peça de 20 mm (um dos aparelhos acabaria por ser atingido e obrigado a aterrar). Estes, naturalmente, ripostaram. Agilmente manobrada pelo seu comandante, a “Vega” esquivou-se às primeiras rajadas. No entanto, um novo ataque, desta vez com fogo cruzado, matou o marinheiro artilheiro António Ferreira e cortou pelas coxas as pernas de Oliveira e Carmo que, ainda com vida, retirou do bolso e beijou as fotografias da mulher e do filho pequeno.
Deflagrara entretanto um violento incêndio, que rapidamente se propagou à casa da máquina e à ponte. A peça foi abandonada, em virtude do seu reduto se ter tornado intransitável devido aos buracos causados pelos projécteis inimigos e pelo incêndio, que já grassava no convés.
A guarnição tentou então arriar o bote para evacuar o Comandante, mas um novo ataque aéreo feriu mortalmente Oliveira e Carmo, tendo também sido atingidos três marinheiros (um deles, marinheiro artilheiro Fernandes Jardino, com a perna esquerda cortada pela canela, viria a falecer no trânsito para terra).
Com o bote inutilizado e a lancha completamente tomada pelas chamas, viram-se os sobreviventes obrigados a nadar em direcção a terra, agarrando-se os feridos a uma balsa. Sacudida pelas explosões das suas próprias munições, a “Vega” acabaria por se afundar, arrastando consigo o corpo do seu heróico Comandante.
Oliveira e Carmo foi, a título póstumo, condecorado com a Medalha de Valor Militar com Palma, agraciado com o grau de Comendador da Ordem Militar da Torre e Espada e promovido por distinção ao posto de Capitão-Tenente.
Foi patrono do curso 1962-1967 da Escola Naval.
Concluiu o curso secundário no Liceu Pedro Nunes em 1954, tendo ingressado na Escola do Exército em Outubro do mesmo ano para efectuar os estudos preparatórios ao ingresso na Escola Naval.
Promovido a Guarda-marinha em 1 de Maio de 1958, embarcou em vários navios, tendo também prestado serviço na Superintendência dos Serviços da Armada e no Comando da Flotilha de Patrulhas. Foi promovido a Segundo-Tenente no último dia daquele ano.
Serviu a bordo dos patrulhas “Boavista” e “Porto Santo” e na fragata “Pêro Escobar”, onde o seu elevado brio, o seu inquestionável sentido das responsabilidades e do dever e o seu exemplar aprumo militar foram alvo dos maiores elogios. Nomeado comandante da lancha de fiscalização “Vega”, a prestar serviço em Diu, para ali
partiu no Verão de 1961.
Naquele território, à semelhança dos restantes que faziam parte da Índia Portuguesa, pairava desde há muito a ameaça de anexação pela poderosa União Indiana. A temida invasão acabaria por se concretizar, de forma esmagadora, na madrugada de 18 de Dezembro de 1961. O combate extremamente desigual que se desenrolou constituiu o ponto culminante da curta carreira de Oliveira e Carmo, que no seu abnegado heroísmo viria a
escrever uma das mais gloriosas páginas da nossa História Naval.
O COMBATE
Tendo saído de Diu em 17 de Dezembro, a “Vega” fundeou frente a Nagoá às 22h00 desse dia. Na madrugada do dia 18, por volta das 01h40, foram ouvidos tiros em terra pela praça de serviço. Alertado, o Comandante manda ocupar postos de combate e suspender. Dirigiu-se então a lancha na direcção de um contacto radar não identificado que navegava a cerca de 12 milhas da costa. Por volta das 04h00, esse navio, visualmente identificado como um cruzador, lançou granadas iluminantes e abriu fogo de metralhadora pesada sobre a “Vega”, que retirou para Diu e fundeou.
Às 06h15 suspendeu e aproximou-se novamente do cruzador, onde foi vista, içada no mastro, a bandeira da União Indiana. A lancha regressou ao fundeadouro e Oliveira e Carmo fardou-se de branco para, segundo afirmou, morrer com mais honra.
Às 07h00 foram avistados aviões a jacto efectuando bombardeamento sobre terra. O Comandante reuniu a guarnição e leu-lhes as ordens do Estado-Maior da Armada, segundo as quais a lancha deveria combater até ao último cartucho.
Cerca das 07h30 aproximaram-se dois aviões para bombardear a Fortaleza e Oliveira e Carmo mandou abrir fogo sobre eles com a peça de 20 mm (um dos aparelhos acabaria por ser atingido e obrigado a aterrar). Estes, naturalmente, ripostaram. Agilmente manobrada pelo seu comandante, a “Vega” esquivou-se às primeiras rajadas. No entanto, um novo ataque, desta vez com fogo cruzado, matou o marinheiro artilheiro António Ferreira e cortou pelas coxas as pernas de Oliveira e Carmo que, ainda com vida, retirou do bolso e beijou as fotografias da mulher e do filho pequeno.
Deflagrara entretanto um violento incêndio, que rapidamente se propagou à casa da máquina e à ponte. A peça foi abandonada, em virtude do seu reduto se ter tornado intransitável devido aos buracos causados pelos projécteis inimigos e pelo incêndio, que já grassava no convés.
A guarnição tentou então arriar o bote para evacuar o Comandante, mas um novo ataque aéreo feriu mortalmente Oliveira e Carmo, tendo também sido atingidos três marinheiros (um deles, marinheiro artilheiro Fernandes Jardino, com a perna esquerda cortada pela canela, viria a falecer no trânsito para terra).
Com o bote inutilizado e a lancha completamente tomada pelas chamas, viram-se os sobreviventes obrigados a nadar em direcção a terra, agarrando-se os feridos a uma balsa. Sacudida pelas explosões das suas próprias munições, a “Vega” acabaria por se afundar, arrastando consigo o corpo do seu heróico Comandante.
Oliveira e Carmo foi, a título póstumo, condecorado com a Medalha de Valor Militar com Palma, agraciado com o grau de Comendador da Ordem Militar da Torre e Espada e promovido por distinção ao posto de Capitão-Tenente.
Foi patrono do curso 1962-1967 da Escola Naval.