O EFEITO DOS DESCOBRIMENTOS

Como é que, portanto, tornámos possível esta relação? (E aqui está a singularidade do domínio português, quando comparado com outras culturas como a inglesa, a espanhola ou a holandesa). É que nós, desde o começo, tentámos que a nossa relação com as autoridades dos locais onde nos instalávamos fosse tão pacífica quanto possível.
Quando foi possível este tipo de relação, tal facto deveu-se a duas causas: aos tratados comerciais ou de não-agressão que celebrávamos com autoridades locais, ou, como ocorreu muitas vezes, à miscigenação entre os dois povos: os que chegavam e os que já lá estavam.
Só desta forma pudemos entrar no coração do comércio das especiarias, das jóias, da seda, da laca, etc… - produtos que, antes de chegarmos à Índia, eram introduzidos na Europa a preços incomportáveis para a larguíssima maioria das pessoas. Porquê incomportáveis?
Antes da nossa chegada, já Génova e Veneza eram ricos portos comerciais, porque recebiam muitos dos produtos que fomos encontrar na Índia. Simplesmente, para os produtos aí chegarem, tinham que percorrer um enorme percurso cheio de caravanas que, muitas vezes eram salteadas, cheio de passagens por cidades cujos governadores cobravam altos impostos, basicamente, cheio de perigos que tornavam o produto final muitíssimo caro.
Um mercador de Lisboa descreve a rota das especiarias antes da descoberta do caminho marítimo para a Índia da seguinte forma:
"Desta terra de Calecute vai a especiaria que se come em Portugal e em todas as províncias do Mundo; vão também desta cidade muitas pedras preciosas de toda a sorte. Aqui carregam as naus de Meca a especiaria e a levam a uma cidade que está em Meca que se chama Judeia. E pagam ao grande sultão o seu direito. E dali a tornam a carregar em outras naus mais pequenas e a levam pelo Mar Ruivo a um lugar que está junto com Santa Catarina do Monte Sinai que se chama Tunis e também aqui pagam outro direito. Aqui carregam os mercadores esta especiaria em camelos alugados a quatro cruzados cada camelo e a levam ao Cairo em dez dias; e aqui pagam outro direito. E neste caminho para o Cairo muitas vezes os salteiam os ladrões que há naquela terra, os quais são alarves e outros.» «Aqui tornam a carregá-la outra vez em umas naus, que andam num rio que se chama o Nilo, que vem da terra do Preste João, da Índia Baixa; e vão por este rio dois dias, até que chegam a um lugar que se chama Roxete; e aqui pagam outro direito. E tornam outra vez a carregá-la em camelos e a levam, em uma jornada, a uma cidade que se chama Alexandria, a qual é porto de mar. A esta cidade de Alexandria vêm as galés de Veneza e de Génova buscar esta especiaria, da qual se acha que há o grande sultão 600 000 cruzados; dos quais dá, em cada ano, a um rei que se chama Cidadim 100 000 para que faça guerra ao Preste João."
Com a descoberta de uma rota marítima que ligava directamente nascente e foz, e com uma esquadra naval inigualável na altura, nós mudámos a rota mundial dos produtos que eram comercializados. É esta a razão pela qual somos, ainda hoje, considerados os “pioneiros da globalização” (“The First Global Village”, de Martin Page).
Quando foi possível este tipo de relação, tal facto deveu-se a duas causas: aos tratados comerciais ou de não-agressão que celebrávamos com autoridades locais, ou, como ocorreu muitas vezes, à miscigenação entre os dois povos: os que chegavam e os que já lá estavam.
Só desta forma pudemos entrar no coração do comércio das especiarias, das jóias, da seda, da laca, etc… - produtos que, antes de chegarmos à Índia, eram introduzidos na Europa a preços incomportáveis para a larguíssima maioria das pessoas. Porquê incomportáveis?
Antes da nossa chegada, já Génova e Veneza eram ricos portos comerciais, porque recebiam muitos dos produtos que fomos encontrar na Índia. Simplesmente, para os produtos aí chegarem, tinham que percorrer um enorme percurso cheio de caravanas que, muitas vezes eram salteadas, cheio de passagens por cidades cujos governadores cobravam altos impostos, basicamente, cheio de perigos que tornavam o produto final muitíssimo caro.
Um mercador de Lisboa descreve a rota das especiarias antes da descoberta do caminho marítimo para a Índia da seguinte forma:
"Desta terra de Calecute vai a especiaria que se come em Portugal e em todas as províncias do Mundo; vão também desta cidade muitas pedras preciosas de toda a sorte. Aqui carregam as naus de Meca a especiaria e a levam a uma cidade que está em Meca que se chama Judeia. E pagam ao grande sultão o seu direito. E dali a tornam a carregar em outras naus mais pequenas e a levam pelo Mar Ruivo a um lugar que está junto com Santa Catarina do Monte Sinai que se chama Tunis e também aqui pagam outro direito. Aqui carregam os mercadores esta especiaria em camelos alugados a quatro cruzados cada camelo e a levam ao Cairo em dez dias; e aqui pagam outro direito. E neste caminho para o Cairo muitas vezes os salteiam os ladrões que há naquela terra, os quais são alarves e outros.» «Aqui tornam a carregá-la outra vez em umas naus, que andam num rio que se chama o Nilo, que vem da terra do Preste João, da Índia Baixa; e vão por este rio dois dias, até que chegam a um lugar que se chama Roxete; e aqui pagam outro direito. E tornam outra vez a carregá-la em camelos e a levam, em uma jornada, a uma cidade que se chama Alexandria, a qual é porto de mar. A esta cidade de Alexandria vêm as galés de Veneza e de Génova buscar esta especiaria, da qual se acha que há o grande sultão 600 000 cruzados; dos quais dá, em cada ano, a um rei que se chama Cidadim 100 000 para que faça guerra ao Preste João."
Com a descoberta de uma rota marítima que ligava directamente nascente e foz, e com uma esquadra naval inigualável na altura, nós mudámos a rota mundial dos produtos que eram comercializados. É esta a razão pela qual somos, ainda hoje, considerados os “pioneiros da globalização” (“The First Global Village”, de Martin Page).

Para se ver a importância que, logo na
altura, este nosso feito teve, cito novamente a autora inglesa Elaine
Sanceau, n´ “O caminho da Índia”:
Com a irrupção dos portugueses na cena da Índia, desaparecera para sempre a soberba confiança do poderio islamita. Nunca mais dominaria todo o comércio da Ásia; nunca mais barraria o acesso às terras das especiarias; nunca mais poderiam os seus exércitos ameaçar a Cristandade, seguros de terem todo um continente atrás de si. De futuro, embora o império do poderio Otomano aumentasse, e os navios turcos espalhassem o terror por todo o Mediterrâneo, o sultão sempre se voltava inquieto para o Ocidente, onde, no coração do Islão se introduzira um inimigo que poderia, em qualquer ocasião, esmagar as forças do Crescente pela retaguarda.
E continua:
E a vida europeia sofreu uma modificação. A ligação do subcontinente ocidental com o mundo asiático não só rasgou os horizontes até então nebulosos e obscuros, mas trouxe até novos padrões de vida. O que, noutro tempo, havia sido luxo dos ricos tornou-se amenidade vulgar do povo simples. A pimenta, o gengibre e a canela enchiam as despensas da dona de casa da classe média; uma alivião de musselinas finíssimas de Bengala entraram em casas que até então apenas conheciam os pesados panos de linho; os delicados tecidos de Cambaia tornaram-se familiares a toda a gente, com o nome de cambraia; os tapetes orientais substituíram as esteiras sobre a fria pedra do chão; uma grande quantidade de ervas medicinais enriqueciam os armários dos boticários; o chá e o café fizeram a sua aparição com o decorrer do tempo; e a transparente porcelana chinesa começou a ver-se ao lado da louça de ouro e prata nas mesas dos ricos.
E quanto ao próprio Oriente? Se o Ocidente sentiu o choque do Oriente nos seus hábitos e costumes, não teve menor importância o inverso. De facto, foi muito maior. Uma voz totalmente nova fez-se ouvir de repente no meio da meditação do Oriente imutável, onde, entre a cultura estática e imemoriais mistérios antiquíssimos, os contemplativos haviam meditado sobre o enigma do Universo, sem prestarem atenção às dinastias que surgiam e caíam e aos impérios que passavam lentamente em ciclos que se sucediam ininterruptamente, apesar de todas as mudanças, sempre imutável.
Ali se fizera sentir um espírito novo - força imperiosa, inquieta e devastadora que varria tudo à sua frente para dentro da corrente impetuosa do seu próprio progresso. O Oriente apenas penetrara na Europa indirectamente e por intermédio das suas produções; a Europa, porém, chegou à Ásia para ali ficar. As nações apareceram sucessivamente - portugueses, holandeses, ingleses e franceses - os homens brancos seguiram uns atrás dos outros até às terras onde se produziam especiarias. Alguns levaram a sua crença, outros as suas mercadorias, outros terríveis armas de fogo, outros a sua ciência e sistemas de educação. E os homens do Oriente aceitaram, ou manifestaram desagrado, ou desprezaram, ou admiraram, mostraram-se atraídos e repeliram, mas nem por isso deixaram de imitar. Para bem ou para mal, a ocidentalização do Oriente ia-se fazendo. E continuou até aos nossos dias.
Com a irrupção dos portugueses na cena da Índia, desaparecera para sempre a soberba confiança do poderio islamita. Nunca mais dominaria todo o comércio da Ásia; nunca mais barraria o acesso às terras das especiarias; nunca mais poderiam os seus exércitos ameaçar a Cristandade, seguros de terem todo um continente atrás de si. De futuro, embora o império do poderio Otomano aumentasse, e os navios turcos espalhassem o terror por todo o Mediterrâneo, o sultão sempre se voltava inquieto para o Ocidente, onde, no coração do Islão se introduzira um inimigo que poderia, em qualquer ocasião, esmagar as forças do Crescente pela retaguarda.
E continua:
E a vida europeia sofreu uma modificação. A ligação do subcontinente ocidental com o mundo asiático não só rasgou os horizontes até então nebulosos e obscuros, mas trouxe até novos padrões de vida. O que, noutro tempo, havia sido luxo dos ricos tornou-se amenidade vulgar do povo simples. A pimenta, o gengibre e a canela enchiam as despensas da dona de casa da classe média; uma alivião de musselinas finíssimas de Bengala entraram em casas que até então apenas conheciam os pesados panos de linho; os delicados tecidos de Cambaia tornaram-se familiares a toda a gente, com o nome de cambraia; os tapetes orientais substituíram as esteiras sobre a fria pedra do chão; uma grande quantidade de ervas medicinais enriqueciam os armários dos boticários; o chá e o café fizeram a sua aparição com o decorrer do tempo; e a transparente porcelana chinesa começou a ver-se ao lado da louça de ouro e prata nas mesas dos ricos.
E quanto ao próprio Oriente? Se o Ocidente sentiu o choque do Oriente nos seus hábitos e costumes, não teve menor importância o inverso. De facto, foi muito maior. Uma voz totalmente nova fez-se ouvir de repente no meio da meditação do Oriente imutável, onde, entre a cultura estática e imemoriais mistérios antiquíssimos, os contemplativos haviam meditado sobre o enigma do Universo, sem prestarem atenção às dinastias que surgiam e caíam e aos impérios que passavam lentamente em ciclos que se sucediam ininterruptamente, apesar de todas as mudanças, sempre imutável.
Ali se fizera sentir um espírito novo - força imperiosa, inquieta e devastadora que varria tudo à sua frente para dentro da corrente impetuosa do seu próprio progresso. O Oriente apenas penetrara na Europa indirectamente e por intermédio das suas produções; a Europa, porém, chegou à Ásia para ali ficar. As nações apareceram sucessivamente - portugueses, holandeses, ingleses e franceses - os homens brancos seguiram uns atrás dos outros até às terras onde se produziam especiarias. Alguns levaram a sua crença, outros as suas mercadorias, outros terríveis armas de fogo, outros a sua ciência e sistemas de educação. E os homens do Oriente aceitaram, ou manifestaram desagrado, ou desprezaram, ou admiraram, mostraram-se atraídos e repeliram, mas nem por isso deixaram de imitar. Para bem ou para mal, a ocidentalização do Oriente ia-se fazendo. E continuou até aos nossos dias.